1925 – 2025 – Gazeta das Caldas um século de vida Parte 2

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Publicamos nesta edição factos ocorridos no seu cinquentenário, em 1975, que coincide com uma nova história do jornal, com uma dinâmica resultante da instauração do regime democrático em Portugal, resultado do 25 de Abril de 1974

Publicámos na edição da passada semana uma apreciação sobre acontecimentos marcantes ocorridos nas Caldas da Rainha por ocasião da criação da Gazeta das Caldas em 1 de Outubro de 1925, bem como alguns aspetos dos seus fundadores. Vamos dedicar este artigo aos factos ocorridos no seu cinquentenário em 1975, que também coincide com uma nova história do jornal, com uma dinâmica resultante da instauração do regime democrático em Portugal na sequência da Revolução do 25 de Abril.

Com a queda do regime em 1974, o jornal foi “ocupado” por um conjunto de personagens ligadas à oposição local, tendo o jornal sido entregue pacificamente pelo seu diretor até aí, Dr. Carlos Saudade e Silva, conceituado advogado local e um dos dirigentes proeminentes da Ação Nacional Popular, ao grupo desses caldenses, depois de umas hesitações iniciais em que quis fazer uma transição envergonhada para a nova situação.

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É 1975, um ano crucial e simultaneamente problemático, quer para a cidade, concelho e região, como especialmente para o país, em que se digladiaram tendências adversas, num processo que se estabilizou perto do final do ano, mas que não afetou de nenhuma forma o jornal.

Relembrando neste cinquentenário, começamos pela constituição da própria Cooperativa Editorial Caldense, para assumir a propriedade do jornal e resolver problemas burocráticos e legais que o afetavam, na sequência de uma subscrição aberta nas páginas do jornal a cooperantes, com uma escritura pública realizada no notário em 30 de janeiro desse ano.

Nesse ano de grandes transformações e mesmo de renovações, em que o dinamismo popular era enorme, testemunhadas nas páginas da Gazeta das Caldas, em que podemos recordar algumas desde a criação de inúmeras entidades, algumas que ficaram pelo caminho, outras que ainda vivem com grande dinamismo.

Entre as primeiras temos a criação da Infancoop – Cooperativa de Pais Trabalhadores para Apoio à Infância, a Associação Social e Cultural Paradense (que apresentou nesse ano pelo seu grupo de teatro o espetáculo “Oh Natal, Natal”), o Centro Cultural e Recreativo de Salir do Porto, o Museu do Hospital Termal, e entre as que ficaram pelo caminho, a Casa da Cultura, o MAC – Movimento Associativo Caldense, a Associação dos Ceramistas Caldenses, a Associação Cultural e Desportiva de Natação das Caldas, a Casa da Cultura da Ribeira dos Amiais, o Grupo de Teatro da Perna de Pau que funcionou durante alguns meses na Casa da Cultura, etc.

Uma outra entidade que deu os primeiros passos há 50 anos com uma personalidade diferente e que por razões políticas ficou pelo caminho, mas que desempenhou importante papel do Oeste num longo período, foi a criação da Comissão Regional de Turismo, inicialmente denominada assim e abrangendo os municípios do Oeste em paralelo com a de Leiria, a do sul com sede inicialmente nas Caldas da Rainha e numa emanação da Direção Geral de Turismo. Simultaneamente as Câmaras do sul do distrito de Leiria reuniram com o Ministério da Administração Interna para criarem nas Caldas da Rainha o Gabinete de Apoio Técnico (GAT) para elaboração de projetos para os 6 municípios.

Nesse ano foram também reativadas duas importantes coletividades locais que tinham perdido vida nos últimos anos da ditadura, e que foram a Banda de Comércio e Indústria e o Sporting Clube das Caldas, que permanecem até hoje em franca atividade.

Recorde-se ainda que nesse ano foi pródigo na constituição de inúmeras Comissões de Moradores e de Melhoramentos de bairros e povoações do concelho, bem como dos concelhos vizinhos, tal como Comissões de Trabalhadores em muitas empresas locais. O ímpeto “revolucionário” e “mobilizador”, ficou pelo caminho ao longo dos anos na totalidade dos casos, sendo substituidos por órgãos institucionais como as Juntas de Freguesia eleitas democraticamente ou as comissões sindicais nas empresas..

Ainda decorrente deste ímpeto, que depois amainou, foi ocupado o Teatro Pinheiro Chagas e entregue ao município, diligência de recuperação pelo município que tinha sido tentada várias vezes antes do 25 de Abril, mas que nunca os tribunais tinham consentido. No mesmo período ocorreu a ocupação de várias empresas locais pelos trabalhadores na sequência de conflitos laborais, em processos que em parte não foram pacíficos e que terminaram com ruturas importantes.

A vida política trouxe às Caldas diferentes e emblemáticos dirigentes partidários, desde Saldanha Sanches, do MRPP, Mário Soares do PS, o atual Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa do PSD, até uma exposição biográfica de Che Guevara no Posto de Turismo das Rua de Camões. Em maio houve uma recambolesca invasão para revista pelo COPCON da sede do MRPP, que funcionava num edifício ao lado da Gazeta, levando à prisão por alguns dias no Forte de Peniche de militantes locais daquele partido de extrema esquerda.

Inédito nesse ano também foi a realização de um Juramento de Bandeira dos Instruendos do CSM do Regimento de Infantaria 5, bem como de cadetes do Curso de Oficiais Milicianos, que nesse ano se fez nas Caldas da Rainha, tendo a cerimónia sido realizada ao ar livre, no Largo principal de Santa Catarina, presidido pelo General Carlos Fabião, Chefe do Estado Maior do Exército. Este ato militar teve como objetivo o “fortalecimento da ligação entre as FA e Povo”. O General Otelo Saraiva de Carvalho, então Comandante Adjunto do COPCON, previsto para o ato não estaria presente.

Recorda-se que a semana de campo de final de curso do RI5, como habitamtes vivos daquela zona do concelho se recordarão, foi substituída por “trabalhos de apoio efetivo às populações através da resolução dos seus problemas mais urgentes (estradas, esgotos, etc.) e assistência médica e de enfermagem, numa operação denominada Benfeito, que se desenrolou no Carvalhal Benfeito e Vale Benfeito”.

Há 50 anos também se realizaram no país as primeiras eleições democráticas, com o direito de voto concedido a todos os habitantes com mais de 18 anos, sem limitação de género ou propriedade de bens imóveis, sendo os candidatos apresentados em listas por círculos eleitorais que coincidiam com os distritos. Apresentaram-se no círculo de Leiria 10 formações partidárias (UDP, PCP, MDP, LCI, FSP, FEC, PS, MES, PPD e CDS), não tendo sido eleito nenhum deputado residente nas Caldas da Rainha. Neste ato eleitoral o PS obteve nas Caldas da Rainha mais de metade dos votos (5714), sendo as forças seguintes o PPD (2445 votos), o PCP (1141) e o CDS (400). O círculo de Leiria foi também conquistado pelo PS bem como a nível nacional.

Na campanha eleitoral passaram pelas Caldas os principais dirigentes partidários, nomeadamente Mário Soares que fez o seu comício na Praça de Touros, o PPD com o seu fundador Magalhães Mota, o PCP com o cabeça de lista pelo círculo Joaquim Gomes, o MDP com José Tengarrinha, etc..

Nesse ano de 1975 decorreu no Teatro Pinheiro Chagas nas Caldas da Rainha o II Encontro do Cinema Português, em que participaram os principais realizadores e críticos do cinema na época, entre os quais esteve Manuel de Oliveira, que na época não despertava a admiração que veio acolher a nível internacional, e durante o qual foram projetados importantes filmes produzidos no nosso país naquele período, como José Diogo, Brandos Costumes, Sapatos de Defunto e Nojo aos Cães. Este encontro destinou-se a protestar e pedir a demissão dos dirigentes, contra a política da Direção Geral da Cultura Popular e Espetáculos e o Instituto Português de Cinema da época e já nomeados depois do 25 de Abril. Uma exposição dedicada ao célebre realizador Russo Eisenstein é apresentada na Casa da Cultura com um ciclo de cinema no Teatro Pinheiro Chagas.

No Museu Malhoa houve um programa cultural de alto nível apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkiam que teve a presença do Sec. de Estado João de Freitas Branco e que incluiu a Orquestra da Fundação, a representação das “Espingardas da Mãe Carrar” de Bertoldt Brecht, pela Casa da Comédia, e teatro infantil.

A apresentação nas Caldas de forma inédita no Teatro Pinheiro Chagas, de um espetáculo de jazz conceptual pelo Grupo Plexus onde pontuava o músico Carlos Zígaro, bem como da notícia da possibilidade da construção em Ferrel da primeira central nuclear portuguesa, ou a atribuição ao CCC do prémio da Crítica Portuguesa para o Teatro Amador pelo espetáculo “Canto do papão Lusitano apresentado em várias partes do país, foram também notícia nas páginas da Gazeta.

Recorde-se ainda que neste ano Caldas da Rainha assistiu a alguns eventos que chamaram a atenção nacional, como da retirada da estátua do Marechal Carmona da praça com o seu nome até ao 25 de Abril, a I Expo da Cerâmica Caldense, com mais de 300 trabalhos de uma vintena de ceramistas e empresas de cerâmica locais, bem como de uma mostra de Avelino Soares Belo.

Outra curiosidade marcante para muitos caldenses relacionada com Óbidos, era o hábito de procurar na vila vizinha de Óbidos, que não tinha a projeção global que tem hoje, locais de convívio e divertimento noturno, que nessa época tinha uma oferta e frequência limitada, tal como acontecia com a Foz do Arelho e S. Martinho do Porto. Foi também em meados desse ano de 1975 que reabriu pelo casal Tavares, com a feição que ainda hoje tem, o famoso Bar Ibn Errik Rex, que fora fundado pelo contador de história “senhor Montez”, como era conhecido e que passou a caraterizar-se pela venda de ginja da Amoreira, a fonte do grande negócio que existe na vila meio século depois.

Como se diz no site “Comércio com História” era “um antiquário muito afamado, que albergava peças com histórias mirabolantes, nomeadamente: uma imagem de Nª Sra. de Fátima do século XVII, espadas de D. Afonso Henriques e dois crânios de Napoleão (um de adulto e outro de criança). Histórias de génio. Belas artimanhas do Sr. Montez (o proprietário), mas só caía quem queria. A verdade é que essa visão comercial e o talento controverso renderam-lhe, na altura, uns belos trocos e tornaram-no conhecido como um exímio contador de histórias, quiçá desde que abriu o negócio em 1956.”

Em Agosto o caldense Almirante Leonel Cardoso é nomeado Alto Comissário para Angola para acompanhar a fase final do processo de trasição até à declaração da Independência daquele país.

A eclosão em Lisboa da Revolta do 25 de Novembro de 1975, que teve repercussão no RI5, onde Otelo Saraiva de Carvalho presidira a um plenário dos militares do quartel no dia 10 de novembro, levou a que fosse decretado o Estado de Sítio na Região de Lisboa, que abrangia a nossa cidade, obrigando ao recolher obrigatório, durante alguns dias, a partir das 23 horas e até às 6 da manhã. Depois dessa data houve sensíveis alterações no quadro de oficiais daquele Regimento tendo sido transferidos para Lisboa alguns militares mais ligados ao 16 de Março.

Como curiosidade, também nesse ano se iniciou a experiência de encerrar ao trânsito automóvel a rua das Montras, decisão que viria a ser suspensa meses depois devido aos protestos dos comerciantes (e retomada quase uma década depois), como a colocação dos primeiros semáforos em algumas ruas. Gazeta dá também notícia do encalhamento de um barco grego na Foz do Arelho. Outra curiosidade, no mês de julho, o Ballet Gulbenkian atuou na Ilha do Parque D. Carlos, dirigido pelo coreógrafo cubano Jorge Garcia, apresentando os bailados Raymonda, Inter-Rupto e Canto da Solidão e o municípioo compra o primeiro carro de recolha de lixo moderno,

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