
A afirmação é do professor José Pacheco, que fundou a Escola da Ponte e acompanha vários projetos no Brasil. Como resposta ao sistema educativo, que diz estar obsoleto, propõe uma nova construção social assente em comunidades de aprendizagem
Educador há 55 anos e professor há 52, como é que o José Pacheco vê a educação no futuro?
Há algum tempo estava com um senador brasileiro que me convidou para falar-lhe de educação no futuro, pois estava de partida para um debate na Unesco sobre o tema. Disse-lhe que ando há 55 anos a ouvir falar em educação no futuro e o futuro nunca mais chega. Eu quero é o presente. Quer isto dizer que não se pode adiar mais tempo o que já devia ter sido feito há muito, que é substituir um modelo de ensino por um modelo de aprendizagem.
Em 1976, em Portugal, uma escola do Norte [Escola da Ponte] criou o que se chama uma escola de futuro e passou a ser muito conhecida fora do país, mas cá dentro foi extremamente prejudicada, quase desapareceu.
No Brasil, onde estou há vários anos, criámos uma escola chamada Projeto Âncora, feita entre quatro favelas das mais violentas da periferia de S. Paulo. Em 2014 as curadorias internacionais de Educação consideraram-na uma das sete melhores escolas do mundo. Os portugueses não sabem que a melhor educação do mundo está em língua portuguesa.
A grande diferença é a necessidade de passar o foco para a aprendizagem?
A Escola da Ponte foi a primeira escola, no mundo, que passou a pôr o centro no aluno. Aquilo que hoje se fala de empreendedorismo, autonomia do aluno, aconteceu em Portugal.
Na Escola da Ponte é o aluno que decide, que pesquisa, que mostra o saber. Estive 30 anos a acreditar que o centro era o aluno, mas ainda hoje não o é, não existe centro.
A experiência que vivi com os povos originários brasileiros, nos quilombos, nas favelas e com outras culturas, permitiu-me perceber que o centro não existe, o que existe é relação. É da qualidade da relação que pode, ou não, surgir o vínculo que é afetivo, estético, espiritual, ético, e é nesse vínculo que acontece a aprendizagem.
Há professores e pais que, sabendo o que está a acontecer no Sul (Brasil), estão a fazer aquilo a que chamo uma nova construção social de aprendizagem.
É um novo sistema educativo?
Sim, porque o que temos, apesar de ter excelentes profissionais, é hierárquico, autoritário, imoral e intelectualmente corrupto. Não pode continuar, é um sistema obsoleto, que só produz insucesso, analfabetismo, ignorância e até doença. Um terço dos professores têm Burnout, está a crescer o índice de auto mutilação e suicídio entre os alunos.
O modelo que defende dá um papel ativo aos pais?
Sim. A minha escola, a da Ponte, é gerida pelos pais, não tem diretor. É a associação de pais mais antiga do país. Cada vez que venho a Portugal preocupo-me por várias razões, uma delas é o crescimento exponencial de centros de estudos e explicações e haver pais que acham muito bem que haja explicações, apoio à família, prolongamento de horários, trabalhos para casa … é uma vergonha.
Contudo, há muitos pais que já não se contentam com o que têm e convidam-me para conversar. Hoje já existem dezenas de projetos daquilo a que chamo turmas-piloto de comunidades de aprendizagem. Tem fundamentação científica e está enquadrado na lei de bases do sistema educativo.
E é possível coexistir com o ensino que está institucionalizado?
Sim, bem a par. Uma escola não muda toda ao mesmo tempo. Mudam aqueles professores que tomam uma atitude ética, porque se eles trabalham a dar aulas e se não ensinam todos, eu pergunto se eles têm o direito de continuar a fazê-lo.
Temos excelentes dadores de aulas mas poucos professores. O que lhes peço é que despertem para esta realidade, que percebam que têm tudo o que precisam. Têm uma plêiade de autores, uma parte prática como o Movimento da Escola Moderna e outros professores a fazer coisas extraordinárias.
A melhor educação do mundo está no Brasil e em Portugal, sei disso porque viajo pelo mundo inteiro, e acredito que o futuro da educação passa por aqui. Vai levar uns anos. Vamos partir com alguns projetos, mas temos a sorte e o mérito de termos já diretores de agrupamentos com a nossa visão.
Penso que se vai abrindo o caminho, inovando, sem fazer das crianças, nem dos professores, cobaias.
Como será essa nova aprendizagem?
Tem de ser significativa e integrada. O que esta nova construção social faz é juntar, unir, agregar. Não tem órgãos de direção, gestão e administração que sejam unipessoais. Um diretor de escola ou agrupamento tem uma obediência hierárquica, a ordem vem do Ministério e ele pode não concordar, mas tem de cumprir. Onde está a sua dignidade, a autonomia?
Daqui por 10 anos, 80% das profissões atuais não existirão e não se sabe quais serão as que irão permanecer. A escola só está preparada para o imediato, para profissões que vão desaparecer e uma delas é a de dador de aula. É preciso, por isso, não preparar projetos para os outros, mas construir projetos com os outros.
Com 72 anos, 55 anos de educador e 52 de professor, eu vejo-me como na minha juventude, crente de que posso acreditar nos professores. Abril abriu muitas portas, mas as da Educação só ficaram entreabertas. Agora, 50 anos depois, vão abrir-se, finalmente, mas que seja, vamos sempre a tempo.
Acredita que o governo tem abertura para estes modelos alternativos?
Sim. Emociona-me muito ver estes pais e professores, finalmente, a fazer o que é necessário. E, sobretudo, ver que há um ministro (João Costa) que é compreensivo, e um secretário de Estado (António Leite) que também dialoga. Vamos aproveitar a oportunidade para bem das crianças.
Qual a sua ligação às Caldas?
Estive a cumprir o serviço militar no RI5 [atual ESE] no início da década de 70 do século passado e depois segui para Tavira.
Pela experiência que tive, jurei nunca mais voltar às Caldas nem a Tavira, que foram os lugares onde mais sofri porque sou um pacifista. Mas o meu filho, que é professor, veio às Caldas, conheceu uma caldense e casou com ela. A minha primeira neta nasceu nas Caldas e o meu neto nasceu em Tavira, onde estou a morar.
Conheço muito bem a Foz do Arelho, S. Martinho do Porto, adoro esta região. Trabalhei com muitas pessoas da região nas décadas de 80 e 90 e tenho nas Caldas um grande amigo. ■