
Hugo Marado é comandante da Divisão Policial de Caldas da PSP há cerca de três anos. À Gazeta das Caldas faz um retrato do território em termos de segurança e aborda a evolução da criminalidade na cidade, admitindo as carências de meios, mas apontando soluções, como a video-vigilância
Comandante da PSP defende que cidade é segura e sustenta afirmação com dados. Em entrevista ao nosso jornal admite a sensação de insegurança e fala das migrações.
Caldas é uma cidade segura?
Caldas continua a ser um território seguro por vários motivos, como a baixa relação de crimes por mil habitantes face à média nacional (21 crimes por mil habitantes, quando a média nacional é de 36) e a percentagem de crimes violentos e graves por comparação com a criminalidade geral total, que é inferior a 5%. Claro que os valores de criminalidade que a cidade apresenta não nos deixam sossegados e despreocupados, pelo contrário. No que respeita ao crime violento e grave, do qual destacaria os vários tipos de roubo em que a subtração implica violência, procuramos sempre dar uma atenção especial, maior celeridade, por forma a conseguirmos descobrir os eventuais autores materiais e apresentá-los à justiça numa perspetiva de ação-reacção. O desejável seria que, na sequência de uma conduta desviante, que neste caso recai num conceito de ilícito criminal grave e violento, haver o quanto antes uma sanção. Temos visto que não acontece com a celeridade desejável e há aqui todo um conjunto de fatores, até resultante da forma do sistema processual penal e como as linhas que o orientam, muitas das vezes, não permitem maior celeridade, a par de alguma carência de recursos humanos, seja ela nossa, seja do aparelho de justiça, que é amplamente conhecida e é real. Depois, aliado a isto, há outros inputs que nós diariamente recebemos, que exigem um empenho acrescido, até por força da lei. Saliento a violência doméstica, que é um dos crimes mais participados às autoridades e Caldas não foge a essa realidade. Enquanto a burla informática teve um aumento muito grande nos últimos anos, a violência doméstica na cidade não tem tido um aumento, pelo contrário, houve um pequeno decréscimo, mas estamos a falar ainda de um número de episódios que não é de todo desejável, nem aceitável e que, por via disso, merece a nossa maior atenção e celeridade no desenvolvimento das diligências processuais, mas também porque a lei a isso obriga. Há uma matriz definida que avalia o risco em que a vítima se encontra, que pode recair em três patamares, baixo, médio e elevado, sendo que no caso do médio, e principalmente do elevado, obrigam-nos a desenvolver diligências em horas. Ou seja, tem forçosamente que ser priorizado. Os crimes violentos e graves, os roubos, extorsões, outros que são da competência reservada da Polícia Judiciária e alguns crimes de natureza sexual também requerem essa priorização. Depois, para nós, são igualmente importantes e já são bastantes, aqueles que mais afetam o sentimento de segurança, a par do roubo, que são o furto em estabelecimento, em interior residência e em veículo. Nos crimes contra a propriedade, estes têm um forte impacto e mediatização, são amplamente comentados e acabam por ter uma repercussão acrescida. Além disso, têm na sua génese, muitas das vezes, um tipo de criminoso que não tende a parar até que o sistema o faça parar. Temos um conjunto de ilícitos aos quais procuramos dar especial atenção, porque interferem claramente com a dinâmica no caso da cidade e das pessoas. Trabalhamos para o cidadão e temos que dar resposta aos seus anseios e preocupações.
A falta de recursos é o principal constrangimento?
Sim, esse é evidente, é conhecido, inclusivamente a tutela reconheceu recentemente, na pessoa da senhora ministra. Aliado a isso, há também, a título de exemplo, o facto de a média de idades dos agentes em Caldas ultrapassar os 49 anos e no caso dos chefes os 52 anos. Frisar que tenho encontrado aqui pessoas que honram o sentido de missão e a causa pública, mesmo quando defraudadas. Desejávamos ter mais gente e alguns meios adicionais, porque o crime tem evoluído e nós, naquilo que são meios técnicos, não temos evoluído ao mesmo ritmo e à mesma velocidade, isto traduz-se em mais desafios para quem tem a missão de, em primeira instância, prevenir o crime e, em segunda instância, de o procurar resolver numa perspetiva de descobrir os seus autores, apresentá-los à justiça e haver uma consequência por via disso, que acho que de uma forma geral tem acontecido e vamos procurar, naturalmente, que assim se mantenha.
Quantos agentes seriam necessários? Qual seria o número ideal?
A nível de recursos humanos, não quero adiantar números de polícias existentes nem o número de polícias ideais. O céu poderia ser o limite. Nós claramente precisamos de mais polícias. Para uma cidade como as Caldas, poucas dezenas fariam toda a diferença numa perspetiva de permitir o gozo de algumas folgas de compensação, que se torna difícil permitir essa recompensa, dar mais segurança aos polícias em algum tipo de intervenção e por conseguinte ela ser mais célere, porque por vezes é necessário agrupar meios para dar a resposta, dado que a Polícia vai a todo o lado, onde for necessário, nomeadamente aqui nas Caldas e vai para resolver, não para tentar perceber quem é que leva a melhor. E é assim que continuará a ser. Mais gente permite fazê-lo de forma mais eficaz, mais eficiente com outra celeridade e uma melhor capacidade para reunir os meios de prova necessários.
E meios técnicos, o que falta?
Há algumas carências a nível de viaturas descaracterizadas e relativamente ao parque informático, não obstante ter sido feito um esforço recente de melhoria. Depois há a questão de aquisição de armas elétricas e das body cams, como salvaguarda para o processo do dia a dia de resolução de ocorrências e que permite juntar um meio de prova que é inequívoco, documental e muito válido em sede própria. Para isso, é necessária formação e para que consigamos ter polícias em formação é preciso ter polícias, porque se estão em instrução e formação, outros têm que garantir o serviço e o apoio à atividade operacional. Tem que ser tudo visto numa perspetiva integrada. Temos formação anual de tiro, damos formação específica em algumas áreas, seja de novos procedimentos na área da violência doméstica, por exemplo, seja numa perspetiva de crime informático, há formação em técnicas de intervenção policial, que também tem que ser dada, e não é assim tão célere. Um baixo número de polícias depois vai fazer esbarrar essa possibilidade, mas felizmente temos conseguido cumprir com a formação mínima desejável e sem desguarnecer o serviço operacional.
Quantos crimes foram cometidos nas Caldas em 2024?
Estamos a falar de cerca de 750 crimes ocorridos na cidade, formalmente participados e registados. Destes, temos quase uma centena de detenções e há ainda, aliado a isto. um conjunto de infrações rodoviárias, há cerca de 500 acidentes de viação, na sua grande maioria só com danos materiais, 112 dos quais com feridos leves, apenas um com um ferido grave e, no ano passado, felizmente, nenhum morto a lamentar. Apreendemos mais de 1 kg de estupefacientes e tramitamos na secção de armas e explosivos, mais de 60 facas, punhais, navalhas, quatro bastões, dois boxers, nove reproduções de armas de fogo e cerca de 80 armas de classe C e D, de caça, e B, de defesa, e pistolas de alarme. Numa perspetiva de polícia de proximidade desenvolvemos mais de 340 contactos individuais de prevenção criminal, ou seja, são contactos com comerciantes, com vítimas de violência doméstica e com idosos que foram vítimas de algum tipo de crime. Infelizmente e é também transversal a muitas das cidades, numa perspetiva de mobilidade ou de falta dela, foram detetadas cerca de 3.000 infrações de estacionamento e mais de 1.500 infrações graves ou muito graves, que vão desde a condução sobre a influência do álcool, a excessos de velocidade, estacionamentos em determinadas zonas, por exemplo, em cima da passadeira. Os polícias que aqui prestam serviço, para além da resposta às ocorrências, cumpriram mais de 750 notificações, 45 mandados de detenção para cumprimento de algum tipo de pena, 120 mandados de detenção para diligências processuais e cerca de 900 diligências para outras instituições, tendencialmente outros serviços públicos. Há aqui um volume processual e de trabalho que vai muito para além daquilo que é a resposta a ocorrências.
Como evoluiu a criminalidade?
Nos últimos três anos vemos que de 2022 para 23 aumentou ligeiramente e de 2023 para 24 decresceu muito ligeiramente também. Ou seja, está mais ou menos estável. Se nós atendermos ao início da década 2020 em diante, ela tem um ligeiro aumento porque no período do covid, de facto, a criminalidade baixou bastante a nível nacional. Os crimes participados e denunciados têm aumentos de 3, 4 e 5% ou decréscimos de 3, 4 e 5% nos últimos 3 anos. Tivemos um ano de 2022 com muitas detenções, o que pressupõe proatividade policial. Em 2023 e 24 houve um decréscimo, que também tem como causa a redução do efetivo policial. Temos consciência de algum dever cumprido na perspetiva de que é feito o melhor que conseguimos e com valores, como dizia inicialmente, de crime por mil habitantes ou de percentagem de crime violento e grave no cômputo geral e total da criminalidade abaixo da média nacional, daí considerar que Caldas é uma cidade segura.
Porque é que surge uma sensação de maior insegurança?
Não há dúvida de que tem sido um desafio também para nós, que eu acho que paulatinamente tem vindo a ter algum sucesso, sendo que não é um problema eminentemente de Polícia. A Polícia será necessariamente mais uma entidade com capacidade e vontade para ajudar na resolução do problema, que é o crescente de imigração nos concelhos desta zona Oeste, onde houve aumentos em três anos para mais do dobro da população de outras nacionalidades. Vemos muitos negócios associados à comunidade indostânica que têm naturalmente costumes e cultura diferentes. Daí eu ter dito que era um desafio, porque procuramos, não obstante as inúmeras barreiras, estabelecer alguns contactos e aproximá-los, dar-lhes a conhecer as nossas regras e a nossa matriz, por forma que as pessoas não tenham essa perceção de insegurança, porque tudo o que foge de um determinado padrão, causa-nos algum desconforto e às vezes, não necessariamente, porque são autores de crime, mas sim pela diferença e por alguma incivilidade. Se eu vir um conjunto de pessoas a urinar na via pública, a cuspir para o chão, são incivilidades, que fogem claramente daquilo que é o nosso padrão, a nossa realidade e a matriz cultural, gera-nos desconforto e sentimo-nos menos seguros. Traduz-se em insegurança na perspetiva do aumento do crime? Não, mas gera uma sensação de insegurança. A polícia tem também, com alguns programas especiais já criados há décadas, como o Escola Segura, ou com polícias mais direcionados para os comerciantes ou para os idosos, estamos a fazer um trabalho que deteta problemas, não só de segurança, mas sociais com impacto na realidade criminal e na segurança da comunidade. Esse trabalho tem sido dificultado pela carência de recursos humanos, porque a resposta aos problemas do momento tem que ser dada, o carro patrulha tem que estar disponível, tem que estar presente e que conseguir responder. Temos procurado capitalizar esses polícias para, nos momentos que possam estar libertos de determinadas ocorrências, estarem visíveis em locais onde há grande concentração de pessoas, no caso das Caldas, a Praça da Fruta, o comércio tradicional e algumas entradas da cidade, que nos permitem também poder acorrer rapidamente, quase numa perspetiva de pré-posicionamento do meio e dissuasão com a presença.
O aumento de emigrantes tem par no número de crimes cometidos?
Por exemplo, na violência doméstica, que nos últimos 3 anos baixou ligeiramente, mas continuamos com valores que não são de todo admissíveis, notámos um aumento, dentro do decréscimo, de vítimas e de suspeitos que são de outras nacionalidades. O ano passado houve um episódio único de um crime de cariz sexual e cujo autor neste momento se encontra em prisão preventiva. Foi o único praticado por um cidadão estrangeiro e de origem indostânica. Em 2023 não tivemos nenhum caso, felizmente. É um desvio. Tivemos alguns relatos de importunações sexuais, que com um esforço de sensibilização da nossa parte, ainda que não seja fácil chegar porque não há um representante destas comunidades, mas em algumas abordagens até para verificação no âmbito das nossas competências de controlo de estrangeiros – por força da extinção do SEF -, aproveitamos para transmitir mensagens, numa perspetiva de os integrar e de fazer parte da solução e não de aparecer apenas numa situação de limite e reativa para reprimir qualquer tipo de comportamento que não seja legal ou lícito. Atualmente algum episódio destes não é um padrão e não pode ou não deve ser diretamente imputada à comunidade A ou B. Sem negar que no início houve casos de importunação sexual, que é um crime com uma moldura penal mais baixa, que pode envolver um contacto físico, mas tivemos alguma dificuldade na formalização das denúncias. Sabemos que no país a cifra negra, o crime ocorrido mas que não é participado, tem uma dimensão considerável. Queria aproveitar para salientar a necessidade de formalizar e de comunicar formalmente o que acontece.
Uma das principais queixas é a falta de polícias na rua. Esbarra novamente na falta de recursos…
Procuramos otimizar os poucos recursos, certamente que era desejável ver mais polícia na rua e além desse caminho, de procurar inverter uma curva descendente nos recursos humanos, facilmente vista nos últimos 15 anos, essa dificuldade pode ser atenuada com meios técnicos adicionais, como os sistemas de CCTV nas cidades, porque permite, além de dissuadir, dar outro tipo de resposta em sede de reação e de investigação. São outros olhos, mais uns tantos olhos nas ruas da cidade. O município, juntamente connosco, está a dar o pontapé de saída nesse sentido. Desejamos que se materialize o mais rapidamente possível. Estamos a falar de um controlo rigoroso no acesso aos dados, feito por polícias, poucos, que são pessoas juramentadas e com deveres deontológicos claramente esclarecidos, com um regulamento disciplinar próprio e apertado, além de que somos altamente escrutinados e inspecionados. Temos que nos colocar tecnologicamente um pouco mais evoluídos e trazer valor acrescentado ao trabalho da polícia, nomeadamente, quando estamos há anos, paulatinamente, em curva descendente de recursos humanos, é bom que também por este motivo se pensem em formas de compensar com outro tipo de olhos, a falta do olho humano no terreno. ■