O projeto, que junta a componente científica à da divulgação e comunicação, pretende aproximar as pessoas à lagoa, para que tenham uma melhor compreensão do que são as aves aquáticas e a conservação dos ecossistemas
O Dia Mundial das Zonas Húmidas foi o escolhido para a apresentação do projeto “BioLagoa de Óbidos – Aves aquáticas da Lagoa de Óbidos”, que procura alertar para a riqueza e diversidade das aves aquáticas da lagoa e potenciar a sua conservação.
Desenvolvido pela Associação Pato, o projeto arrancou em finais de 2021 e terá uma duração de três anos. É composto por uma vertente científica de observação e monitorização de aves, que são o grupo mais representativo da lagoa e que permitirá, de uma forma regular, realizar contagens mensais e registar essa informação, que estará disponível para a comunidade.
Para além disso, será desenvolvido um conjunto de ações para a comunidade em geral e, em específico, com quatro turmas das escolas do 1º ciclo de Óbidos que serão “ornitólogos por um dia”.
Também foi criado um site (www.biolagoadeobidos.com), que contempla informação sobre a lagoa, a descrição do projeto e de cada uma das espécies, bem como as contagens que vão sendo realizadas.
O arranque do projeto contou com o apoio da Câmara de Óbidos e da empresa Águas do Tejo Atlântico. De acordo Ana Rita Ramos, presidente da Associação Pato, o objetivo é que o projeto possa ter continuidade além dos três anos iniciais para se fazer uma monitorização contínua e pegar também noutros grupos, como as borboletas, a flora ou os peixes. Esperam também alargar o projeto à Câmara das Caldas, que já mostrou interesse no mesmo.
Presente na apresentação do projeto, que teve lugar no Parque de Merendas do Arelho, o presidente da Câmara de Óbidos, Filipe Daniel, referiu que o concelho “tem um conjunto de medidas para a Lagoa de Óbidos, quer a montante, quer a jusante”, algumas das quais passam por parcerias com o concelho das Caldas da Rainha.
Também Alexandra Serra, presidente do Conselho de Administração das Águas do Tejo Atlântico, destacou a “nobre iniciativa” da Pato para sensibilização e preservação de um ecossistema tão rico. A responsável lembrou o trabalho feito pela empresa na preservação da biodiversidade da Lagoa de Óbidos, especificando que têm cerca de 15 estações de tratamento de águas residuais a garantir a despoluição daquela bacia hidrográfica. “É muito importante que se contribua e divulgue junto das gerações mais jovens e da comunidade local a importância de controlar a poluição e criar as condições para que as espécies vivam em harmonia com as atividades humanas”, salientou.
Contabilizadas 1600 aves em janeiro
A lagoa assume uma especial importância para as aves aquáticas, não só como local de reprodução para algumas espécies mas como ponto de apoio e de paragem durante as migrações.
De acordo com o ornitólogo e guia de observação de aves em Portugal e Espanha, Helder Cardoso, muitas das espécies passam o inverno na lagoa, mas outras já por ali passaram e continuaram para sul, para hibernar na costa africana. “Muitas espécies nidificam no norte da Europa e no final do verão migram para sul, vão fazendo voos de paragem para abastecer as suas reservas energéticas e precisam de locais como estes, zonas húmidas costeiras”, explicou. Dependendo da espécie podem ficar desde uma semana a apenas um dia e continuar a sua viagem.
Já os flamingos fazem uma migração diferente das outras espécies, pois vêm da zona do Mediterrâneo.
Helder Cardoso começou a fazer a contagem de aves para o projeto em janeiro e, só nesse mês, contabilizou 1600 indivíduos dos principais grupos de aves que dependem diretamente do espelho de água para alimentação. A monitorização é mensal e compreende contagens em diversos pontos, como é o caso do Braço da Barrosa, Foz do Real, Braço do Bom Sucesso, zona da embocadura e Poça do Vau.
Os dados obtidos na continuidade do projeto permitirão avaliar as tendências populacionais, nomeadamente como as aves estão a utilizar a lagoa, se está a ser uma área de invernada bem sucedida para várias espécies ou se algumas estão a regredir. Para além disso, podem comparar alguns dos dados em relação a 2004, altura em que foram feitas contagens de aves, no âmbito do dossiê técnico para a candidatura da Lagoa de Óbidos a paisagem protegida de âmbito regional, que depois não teve seguimento.
O ornitólogo, de 38 anos, que observa aves na lagoa desde os 11, tem notado uma série de diferenças, “embora empíricas”, ao nível dos grupos de aves que frequentam aquele ecossistema. Há grupos que aumentaram e outros que, pelo contrário, registam um declínio populacional e são essas alterações que quer agora validar e perceber se estas tendências populacionais encontram correlação com outros locais da Europa. Estas espécies agora monitorizadas serão também um indicador das consequências das alterações climáticas.
Câmaras de Óbidos e Caldas preparam candidatura
da Lagoa a Sítio Ramsar
Na região apenas o Paul de Tornada possui esta classificação internacional, desde 2001
As Câmaras de Óbidos e Caldas da Rainha estão a trabalhar em conjunto para apresentar uma candidatura conjunta da Lagoa de Óbidos à classificação de Zona Húmida com interesse internacional para as aves aquáticas, também denominada Convenção de Ramsar.
O dossiê de candidatura será preparado pela Associação Pato, com o apoio técnico da bióloga caldense Maria de Jesus Fernandes. O documento será submetido ao ICNF, a autoridade nacional de Conservação da Natureza, que o fará, depois, seguir para o Comité Ramsar. O processo começou recentemente e agora vai depender do desenvolvimento da candidatura, mas os responsáveis acreditam que esta poderá ser apreciada ainda este ano.
De acordo com Maria de Jesus Fernandes, esta classificação não tem condicionantes nem restrições associadas. “É uma classificação mundial de locais importantes para a conservação das zonas húmidas, na lógica da conservação da natureza e do desenvolvimento sustentável”, explicou, acrescentando que entre as mais valias está o reconhecimento mundial da importância da lagoa como zona húmida. Este “selo” de qualidade também traz algumas obrigações ao Estado que, muito por via das Câmaras, terá de se responsabilizar com a manutenção das boas condições ecológicas, humanas, sociais e ambientais do espaço.

“Não é uma classificação como área protegida, mas é um passo na valorização e promoção da Lagoa de Óbidos”, referiu a bióloga, realçando que estão previstas ações com a população para explicar em que consiste a classificação, bem como a sua importância internacional.
De acordo com o presidente da Câmara de Óbidos, Filipe Daniel, será importante classificar para depois educar e preservar aquele património. De acordo com o autarca, este será o primeiro de muitos projetos comuns entre as duas autarquias.
“Estamos aqui para criar pontes e não para fazer muros, da nossa parte contam com essa vontade de convergir”, disse o chefe do executivo municipal de Óbidos que, como resposta do seu homónimo caldense recebeu um: “seremos sempre bons vizinhos”. Vítor Marques referiu que há um conjunto de projetos que são comuns ao território e a possibilidade de trilharem caminho nesse sentido.
Portugal apresenta 31 Sítios Ramsar classificados, sendo que na região Oeste apenas o Paul de Tornada tem, desde 2001 e até à data, esta distinção.