O resultado do referendo no Reino Unido deixou perplexos a maioria dos europeus e as suas ondas de choque continuam a sentir-se uma semana depois dada a insegurança e incertezas que este veio trazer aos destinos da União Europeia.
Gazeta das Caldas ouviu alguns dos seus assinantes que vivem no Reino Unido e alguns súbditos de Sua Majestade que vivem na nossa região. Como seria de esperar, nem uns nem outros estão satisfeitos com este resultado.
“As motivações dos eleitores que estiveram por detrás deste resultado revelaram-se com uma clareza assustadora”
Vinte e quatro de Junho será para sempre lembrado como a data em que o meu mundo, e o de todos aqueles que sempre se consideraram europeus acima de quaisquer sentimentos nacionalistas ultrapassados, se desmoronou. A notícia da vitória do Brexit foi recebida com um misto de incredulidade, indignação e desespero, e o anúncio da demissão voluntária do primeiro ministro causou perplexidade.
O dia passou-se numa nuvem de lágrimas e confusão. Contudo, os contornos das verdadeiras motivações dos eleitores que estiveram por detrás deste resultado revelaram-se com uma clareza assustadora.
Os seus votos demonstram, a meu ver :
– A ignorância quanto ao poder que o seu voto realmente tem. Muitos destes já admitiram que nunca pensaram que o seu voto viesse a ter tanto impacto no resultado final do Brexit.
– A ignorância quanto ao que a UE realmente é. O papel que o Reino Unido desempenha nesse contexto: a ideia falaciosa de que não é um país soberano e de que as suas políticas são praticamente ditadas por Bruxelas.
– A ignorância de uma classe de britânicos ‘brancos’ que vivem dos subsídios e que têm medo que a UE lhes vá roubar esses subsídios sociais e criar desemprego.
– A ignorância quanto ao impacto das ajudas dos fundos comunitários nas suas comunidades, particularmente no País de Gales que votou em número elevado para sair. Os efeitos do declínio da indústria do aço foram largamente mitigados pelos mesmos.
– A vitória de uma campanha enganadora, durante a qual números sem qualquer fundamento foram anunciados a “torto e a direito” sem serem comprovados, nomeadamente as contribuições para a UE e a forma como estes valores foram aplicados. Também foram feitas muitas promessas quanto ao destino que esses valores iriam ter no país, caso essas mesmas contribuições cessassem. Afirmações e promessas que diversos “brexiters” já se apressaram a desmentir.
– O descontentamento com as políticas de governos consecutivos que parecem estar cada vez mais desligadas da classe média. O governo, e aqueles que o cabeceiam, são vistos por muitos como um ‘boys club’ elitista formado por indivíduos que vieram de backgrounds priveligiados e que agora, em Westminster, continuam a apoiar os mais ricos;
– A ‘vingança’ daqueles que votaram no referendo em 1975 e que se sentiram ludibriados pelas promessas dos benefícios político-económicos que a adesāo a UE iria ter;
– A expressão das tensões sociais decorrentes, em grande parte, da crise económica e de um crescente racismo e xenofobia em relação aos imigrantes.
A população imigrante da Ásia e Médio-Oriente são alvos frequentes, assim como uma das maiores comunidades de imigrantes: os polacos. Pessoalmente, não me parece que a comunidade portuguesa seja vítima deste tipo de hostilidade. Talvez devido a uma história partilhada, ou porque geralmente os portugueses aqui sabem falar bem inglês, são bem qualificados e integram-se facilmente na vida social e cultural britânicas. Ainda assim, é inevitável sentirmo-nos de alguma forma rejeitados por esta decisão.
Finalmente, e tendo em conta as últimas notícias, não me parece que a saída se vá realizar. O Cameron, que anteriormente tinha garantido que o Artigo 50 do Tratado de Lisboa iria ser accionado assim que aos resultados de apoio à saída fossem anunciados, decidiu que não era o homem para tal tarefa. Os restantes Brexiters, incluindo o Boris Johnson, também já vieram dizer que não havia pressa nenhuma para começar o processo de negociação da saída. Parece-me que eles aperceberam-se que:
– no caso do Cameron, a promessa eleitoral de um referendo sobre esta matéria foi um erro colossal, cometendo consequentemente suicídio politico e deixando atrás de si em legado desastroso;
– as consequências de uma saída, os problemas que esta levanta e as futuras ramificações, das quais o eleitorado não me parece de todo estar ciente, são graves e resultarão numa enorme instabilidade política e económica da qual, não sei bem quem vai beneficiar.
Em conclusão, o resultado deste referendo é produto de uma votação de protesto que revelou uma malaise e um descontentamento social e político que não deve ser ignorado nem pelos políticos britânicos, e muito menos pelos restantes estados-membro da UE. Na minha opinião, esta é acima de tudo, uma oportunidade para uma renovação e reestruturação da União Europeia, pois este é um projecto que, apesar dos seus defeitos, continua a ser um forum e um modelo relevante na cena política e económica internacionais. Agora, é esperar para ver.
Sara Machado
“O Brexit aconteceu e a Inglaterra parece estar virada ao contrário”
Estou a viver em Inglaterra hà três anos e três meses com a minha namorada Ana Sofia.
Realmente o Brexit veio trazer alguma agitação por estes lados. Qual o nosso espanto quando na passada madrugada de sexta-feira, pelas 4h00, percebemos que a alta percentagem a votar “Leave” já dava este resultado quase como certo. A partir daí uma mistura de sentimentos e preocupações fizeram-se sentir, uma vez que somos cidadãos europeus e tememos pela incerteza que esta decisão nos poderá trazer.
Em parte sentíamos que este resultado poderia acontecer. Contudo, os nossos colegas de trabalho faziam-nos acreditar na permanência do Reino Unido na União Europeia. A verdade é que o Brexit aconteceu e que a partir daí a Inglaterra parece estar virada ao contrário. De acordo com os noticiários, é frustrante perceber que muitas das pessoas que votaram “Leave” não estavam conscientes do que realmente isso poderia significar para o país. Deixa-nos bastante desiludidos perceber que um dos motivos do Brexit tem que ver com a emigração, quando este país precisa de nós, emigrantes, para poder colmatar as suas necessidades.
Em conversa com os nossos colegas enfermeiros portugueses sobre toda esta situação, conseguimos sentir a revolta de alguns e a frustração por parte de outros. Muitos de nós, já pais, e com projetos de vida neste país, neste momento sentimos que tudo pode desabar. Não é certo o que poderá vir a acontecer; resta-nos apenas aguardar para saber o que o futuro reserva para nós e para este país.
Por parte do hospital em que nos encontramos, recebemos todos um email da Diretora Executiva com algumas palavras de apoio, tentando demonstrar que irão fazer de tudo para salvaguardar os nossos direitos.
Enquanto jovens emigrantes a primeira dificuldade já foi ultrapassada, no momento em que deixámos o nosso país e a nossa família. Sabemos que o nosso lar estará sempre pronto para nos receber e que o mundo estará também de portas abertas com novas oportunidades.
Gonçalo Ferreira
“Não estou receoso, mas apreensivo”
Estou no Reino Unido há perto de 10 anos com a minha esposa. O meu filho veio ter comigo há três anos e todos estamos a trabalhar. Quando vim para o Reino Unido, estive em Londres a trabalhar com a minha esposa durante quatro meses a limpar escritórios, o qual em conjunto recebíamos 400 libras por mês, e nunca quis receber benefícios, apesar de ter direito a eles devido ao meu ordenado. Mas eu vim para este país para trabalhar e não para receber benefícios.
Por duas vezes, há dois anos atrás, fui saber como pedir permanência neste país, mas disseram que não tinha que o fazer porque pertencia a União Europeia. Agora neste momento não sabemos o que fazer porque as leis estão feitas com este país ainda a pertencer à União Europeia. Nem os políticos sabem o que fazer. Sei que o Reino Unido no princípio vai sofrer um pouco e que vamos ser afectados, mas o meu sentimento é que este pais vai dar a volta e sinto que irá ser uma nova Suíça, no qual os mercados, os ricos deste mundo vão confiar aqui o seu dinheiro porque não estou a ver os americanos e outros a meterem dinheiro na Alemanha, a qual é rei absoluto da Europa. Acredito que tudo se vai resolver e não tenho receio porque estou aqui há 10 anos a trabalhar e com a minha idade não farão nada. Mas tenho mais trabalho para ir tratar da papelada para ter o visto de permanêcia, que antes não havia necessidade. Não estou receoso, mas apreensivo.
Mário Mártires
“Nem é bom para a Inglaterra nem é bom para Portugal”
“Votei. Mas perdemos, não é?”. Ao telefone desde Romsey (Southampton), Gentil Costa, 43 anos, disse à Gazeta das Caldas que agora não sabe o que vai acontecer. Ninguém sabe. Mas há uma pequena certeza que este caldense, assinante do nosso jornal, tem: “isto nem é bom para a Inglaterra nem é bom para Portugal”. E não precisa de grandes reflexões políticas para concluir que “todos nós precisamos de ajuda e a Inglaterra sem a União Europeia não é nada”.
Gentil Costa diz que a palavra de ordem agora é “esperar para ver” e que esse é um estado de espírito seguido pela maioria dos portugueses no Reino Unido. Aliás, segundo nos conta, a maioria dos seus conterrâneos que puderam votar no referendo, fizeram-no contra a saída do país do espaço político europeu.
Empresário, dono de uma pequena empresa de jardinagem, mas reformado há dois anos, Gentil Costa passa temporadas nas Caldas e na Inglaterra. Para já, diz que a desvalorização brutal da libra lhe é muito prejudicial. “Se eu agora quisesse vender aqui a minha casa perdia dinheiro”, remata. C.C.
“Não acredito que nenhum dos ingleses que vivem em Portugal tenham votado na saída”
A comunidade inglesa que vive na região tem vivido a saída do Reino Unido da União Europeia com grande intensidade, pronunciando-se activamente nas redes sociais, partilhando notícias sobre o Brexit e as suas consequências, bem como sobre o clima de tensão e instabilidade que paira no Reino Unido.
Sheila Chettle, 85 anos, vive há 25 em Portugal (e há 11 nas Caldas) e, por isso mesmo não teve autorização para votar no referendo, já que os ingleses que vivem há mais de 15 anos fora do seu país não têm esse direito. Mas se tivesse votado, a sua opção era clara: contra a saída.
Na sexta-feira passada, quando acordou, Sheila Chettle deparou-se com o resultado que, na sua opinião, foi desastroso. “Não queria acreditar. Só me apetecia chorar”, contou à Gazeta das Caldas, adiantando que “não acredito que nenhum dos ingleses que vivem em Portugal tenham votado na saída”. Dos amigos com quem contactou e que também vivem no nosso país, esta inglesa tem conhecimento que todos votaram a favor da permanência do Reino Unido na UE.
Em sua opinião, o sucesso dos “brexiters” deveu-se ao sentimento de insegurança criado entre a população. “Tentaram convencer as pessoas que os imigrantes estavam a ameaçar o seu modo de vida e que a Grã-Bretanha tinha representantes sem rosto na União Europeia”, disse. Além disso, “convenceram que o dinheiro pago à UE serviria antes para ser aplicado no Serviço Nacional de Saúde do país, o que fez com que a classe operária acreditasse que fora da UE seriam mais independentes e haveria menor poder das elites”, acrescentou.
Para Pamela E Patten os motivos que levaram à vitória da saída prendem-se com razões xenófobas. “Estou muito triste com as notícias que têm sido publicadas pela imprensa que relatam casos de descriminação a pessoas de cor, asiáticos e polacos”, contou.
A inglesa, de 71 anos e que vive nas Caldas há uma década – e exerceu o seu voto por correio – acredita que as pessoas que votaram “out” esqueceram o quadro global da história do Reino Unido e não mediram as consequências que essa decisão acarretaria no futuro. Pamela E Patten recorda os incentivos que foram dados após a Segunda Guerra Mundial a países como a Polónia e ex-colónias da Commonweath para que os seus cidadãos viessem viver e trabalhar para o Reino Unido e ajudassem a recuperar o país.
Tanto Sheila Chettle como Pamela E Patten temem o futuro do Reino Unido fora da UE. Se por um lado existe o risco de ruptura entre os quatro países do Reino Unido (tendo em conta que na Escócia e Irlanda do Norte a maioria pronunciou-se a favor da permanência), as duas inglesas também receiam o crescimento dos comportamentos racistas e o aumento do custo de vida.
DESVALORIZAÇÃO DA LIBRA
“Um dos resultados imediatos foi a desvalorização da libra, em breve as importações serão mais caras e acredito que muitos ingleses não vão ser capazes de pagar umas boas férias no estrangeiro como se têm acostumado”, frisou Sheila Chettle, ironizando que as únicas personalidades políticas que deram as boas-vindas ao resultado do referendo foram Donald Trump e Vladimir Putin.
Pamela E Patten salientou ainda o facto que muitos dos britânicos reformados a viver no estrangeiro – como é o seu caso – verão diminuídas as suas reformas, uma vez que estas são recebidas em libras e a moeda britânica está desvalorizada. Na opinião desta inglesa, um segundo referendo “será um desperdício de dinheiro”. Já Sheila Chettle assinou a petição pelo segundo referendo, “embora não saiba ao certo qual a sua utilidade nem se este poderá efectivamente contribuir para a reversão desta decisão”. M.B.R.