Ciclismo: João Almeida faz história com pódio inédito

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Torna-se o primeiro português a terminar o Giro no pódio e apenas o segundo a fazê-lo numa das três grandes voltas, algo que só Joaquim Agostinho tinha feito. Também foi o primeiro português a ganhar a camisola branca numa grande volta

É sábado, 27 de maio. João Almeida, que na terça-feira tinha quebrado o enguiço e vencido pela primeira vez uma etapa do Giro, não teve vida fácil nas etapas seguintes e perdeu não só o segundo lugar, como alguns preciosos segundos para Primoz Roglic e Geraint Thomas. Corre-se, então, o contrarrelógio que vai decidir tudo e isso leva-nos à terra natal do ciclista para acompanhar as emoções da corrida, onde elas se vivem de forma mais intensa.

É na sede da Sociedade Instrução Musical, Cultura e Recreio de A-dos-Francos que a população se junta para ver a corrida, os decisivos, e brutais, 20 quilómetros de contrarrelógio. Numa das salas estão os avós, maternos e paternos, de João Almeida, as tias, a afilhada, que repartem este momento com quem se lhes quis juntar.
O relógio aproxima-se das 16h08, hora da partida de João Almeida, que surge no ecrã da televisão, o que provoca um imediato “bruá”, aplausos e palavras de incentivo ao ciclista, que à hora prevista inicia a sua prova, o que faz soltar um sonoro “vai João!”.
A transmissão da Eurosport não foi amiga dos a-dos-franquenses. Nos primeiros 10 minutos de prova pouco se viu do caldense. Por isso discutem-se os tempos dos corredores que vão chegando à meta. E as perspetivas são boas. Jay Vine faz o melhor tempo e só é destronado por Brandon McNulty, ambos companheiros de João Almeida na Emirates. É um bom sinal “e é importante para a classificação coletiva”, ouve-se alguém comentar.
Depois Sepp Kuss, da Jumbo, rouba-lhes a liderança por apenas dois segundos. “Se não fosse ele, o Roglic tinha perdido mais de um minuto quando o João ganhou”, recorda-se. Enquanto a transmissão se concentra em Primoz Roglic, que vai a voar, e Geraint Thomas, perde a passagem de João Almeida no primeiro ponto de cronometragem, onde iguala o melhor registo e rouba alguns segundos a Caruso, rival pelo terceiro posto. É o primeiro motivo de festa. Mas três minutos depois, Roglic passa no mesmo local a ganhar-lhe tempo.
Cada vez que João Almeida aparece no ecrã o entusiasmo aumenta e as palavras saem das bocas com a força que o ciclista precisa para pedalar montanha acima. É nesta altura que há golpe de teatro. Roglic tem uma avaria e tem que trocar de bicicleta. Fazem-se contas de cabeça. “Quanto tempo perdeu?”. “Será que dá para o João ganhar?”. “Vai João!”.
Já poucos aguentam sentados e a avó Luísa é a mais efusiva. O João aparece no ecrã, a percorrer as últimas centenas de metros. “O tempo é bom”, exclama-se. Não é só bom, é o melhor. João Almeida corta a meta com o melhor tempo, garante imediatamente a camisola branca e o pódio no Giro, o primeiro de sempre de um português no Giro, o primeiro numa grande volta desde Joaquim Agostinho, no Tour de 1979. Em A-dos-Francos festeja-se como se João Almeida tivesse ganho o Giro. Não ganhou – porque Primoz Roglic esteve imparável no contrarrelógio e Geraint Thomas nas etapas de montanha mas, em A-dos-Francos, é como se tivesse mesmo ganho.
“Foi uma grande emoção. É sempre um motivo de orgulho o que ele faz”, dizem os avós paternos Júlio e Luísa Gonçalves. “Quando ele está cá, almoça connosco. Quando corre em Portugal acompanhamos sempre, desde pequenino. Acompanhamos o dia-a dia dele, o que ele come, como ele descansa. E esta adrenalina que ele vive, nós vivemos também, é uma alegria que não tem explicação”, atira a avó Luísa.
O avô Júlio não tem dúvida que o neto “já está entre os melhores, está a acompanhá-los, mesmo estes que são bastante mais velhos do que ele, têm muito mais experiência”. “Mas o mérito é todo dele, trabalha muito para conseguir e faz tudo com muito rigor e força de vontade”, complementa Luísa, que não tem dúvidas que o neto “um dia vai ganhar muito mais provas”.
Albino Almeida e Maria Alzira Almeida, avós paternos, também sentem um enorme orgulho pelo percurso do neto. “Vê-lo a fazer estas provas e a conseguir estes resultados, é do melhor”, dizem. Albino tinha esperança que o neto vencesse o Giro, mas valoriza o terceiro lugar. “Já é muito bom, para a idade dele”, diz o avô Albino, que afirma com certeza: “Temos homem!”
A ver a etapa esteve também o presidente da Junta de Freguesia, Paulo Sousa. “Para nós é motivo de extremo orgulho, acho que não só para nós, aqui em A-dos-Francos, mas em todo o país”, afirma. O autarca salienta que, apesar de estar a atingir o estrelato, o ciclista mantém a humildade quando vem à terra. “Continua a ser a mesma pessoa que era antes do Giro de 2020, que circula pela terra, vai buscar a irmã à escola, fala com qualquer pessoa. Faz uma vida perfeitamente integrada e toda a gente gosta muito dele”, conclui.
À chegada a Portugal, João Almeida teve uma grande recepção no aeroporto de Lisboa, onde disse sentir-se “bastante concretizado” com o resultado. “Era o objetivo, sabia que tinha capacidade e que conseguia, lutei muito por isso e consegui”, comentou. O caldense acredita que tem capacidade para, um dia, ganhar esta ou outra grande volta. “Tenho evoluído bastante, é preciso dar tempo ao tempo e continuar o trabalho árduo, porque com isso o nível vai subindo”, apontou. João Almeida vai, agora, de férias. Para este ano tem ainda programada participação na Vuelta, nos nacionais e nos mundiais de estrada, e ainda na Volta à Polónia, onde ganhou em 2021. ■

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