A Gazeta foi também a “escola de vida” de vários tipógrafos. Eis o testemunho de dois desses artífices.
João Cascão começou a trabalhar na Gazeta das Caldas em Julho de 1961. Tinha 11 anos, “feitos há 15 dias” e, pouco tempo antes tinha acabado a 4ª classe e queria começar a trabalhar. As primeiras tentativas tinham sido as lojas de comércio, mas a tenra idade tinha-se revelado um impedimento, o que o levou, juntamente com a irmã, a procurar emprego junto do namorado da prima, que trabalhava na Gazeta das Caldas.
Foi admitido para fazer recados mas, se chegava alguém às instalações do jornal, na Rua do Montepio, tinha que se esconder porque não podia ali trabalhar. “Nem conseguia chegar ao balcão, que era alto. Tinha que colocar um caixote debaixo dos pés”, recorda, acrescentando que foi ganhar 5 escudos por dia e recebia seis dias por semana. Nessa altura, fazia diariamente o caminho entre as Gaeiras e as Caldas a pé, juntamente com o pessoal que trabalhava na Secla, que entrava às 8h00 e ele meia hora mais tarde. À saída é que era pior: saíam à mesma hora e João Cascão tinha que correr para os apanhar. Normalmente juntava-se ao grupo na zona do quartel, mas quando se demorava mais num recado tinha que ir sozinho, e de noite era difícil, recorda. Depois começou a aprender a arrumar a “caixa” da tipografia e o ofício, tornando-se tipógrafo do jornal. Na altura tinham que juntar manualmente as letras de chumbo até formar uma linha e, com as várias linhas, faziam as colunas e, depois, a página. A máquina de impressão também não era automática e o papel era colocado manualmente.
Um processo moroso e difícil que, por vezes, também dava azo a erros. Um dos que é recordado com um sorriso nos lábios é o da troca de letras que levou a que num sub-título aparecesse “Animal Correia” em vez de “Aníbal Correia” para se referirem ao responsável local e distrital da União Nacional. Usualmente era assim chamado “à boca pequena” pelos trabalhadores e acabou por ser publicado dessa forma. O erro acabaria por ser descoberto quando o jornal estava a ser dobrado e tiveram que fazer um borrão de tinta para tapar a palavra em todos os jornais.
Mais tarde foi comprada uma máquina de impressão semi-automática e depois uma outra, de composição, tornando o processo um pouco mais rápido e fácil. “Sem nunca termos tido material topo de gama, as máquinas adquiridas permitiram uma melhoria no aspecto gráfico e nas condições de trabalho dos funcionários”, lembra João Cascão, que trabalhou na Gazeta até 1978. Salienta que o período pós Abril de 1974 foi conturbado e houve alturas em que não havia dinheiro para pagar o salário aos trabalhadores, fruto da instabilidade directiva mas também da falta de publicidade. À procura de melhores condições, o jovem gaeirense foi inscrever-se em vários locais, entre eles a Secla, tendo logo sido chamado para trabalhar e onde se manteria até ao encerramento da empresa caldense, em 2008.
“Felizmente que, com a chegada do Dr. José Luís a diretor, a situação foi estabilizando e o nosso jornal, aos poucos, atingiu o patamar e prestígio que se reconhece e deixa orgulhosos todos aqueles que “vivem” e “sentem” a Gazeta das Caldas”, rematou.
Enquanto trabalhava no jornal começou por ter duas colunas, denominadas “Nótulas Gaeirenses” e depois passou a garantir a página mensal “Gaeirense”, onde divulgava tudo o que era notícia na terra. Lembra inclusive que a Sociedade Filarmónica e Recreativa Gaeirense estava parada há algum tempo quando escreveu “Para quando a ressurreição da Banda das Gaeiras?”, que deu que falar e, passados poucos meses, a colectividade estava reactivada.
Mesmo depois de ter saído da Gazeta continuou a sua colaboração, sobretudo com notícias relacionadas com o desporto.
“TÍNHAMOS QUE FAZER DE TUDO E QUEM NÃO SABIA, APRENDIA”
António Martins começou a trabalhar na tipografia da Gazeta das Caldas em 1967, mais propriamente a 28 de Outubro. Tinha 17 anos e chegava do Porto, das Oficinas S. José (onde aprendera o ofício de tipógrafo) para responder a um pedido do então director, Carlos Saudade e Silva, que precisava de um profissional para o jornal.
Natural do concelho de Peniche, tinha ido aos 12 anos para o colégio interno para aprender uma arte e nunca mais de lá tinha saído, até apanhar o comboio rumo às Caldas. Recorda que esteve várias horas em Alfarelos à espera e chegou ao destino já passava das 19h00. À sua espera tinha na estação João Camilo, o funcionário da Gazeta que era, simultaneamente, motorista do director, Saudade e Silva. O jovem tipógrafo haveria de ficar na sua casa, num quarto alugado, durante mais de um ano e foi também lá que conheceu a futura esposa, uma jovem que trabalhava num pronto a vestir na cidade.
Na Gazeta António Martins tinha a função de tipógrafo mas, na verdade, fazia tudo o que era necessário. “Compúnhamos, imprimíamos … tínhamos que fazer de tudo e quem não sabia, aprendia”, recorda o trabalhador que começou por receber 75 escudos, por dia. “Naquela altura era bom dinheiro, o problema foi que depois nunca mais aumentou!”, graceja.
A Gazeta não saía sem o visto da censura. “Havia muita coisa que cortavam, mas o director também já sabia o que podia publicar”, conta o tipógrafo, lembrando que os anos mais difíceis da Gazeta foram vividos logo a seguir ao 25 de Abril de 1974. A instabilidade nos vários domínios da sociedade fez-se sentir no jornal, em que se registaram inclusivamente dificuldades de pagamento do salário. “Recebíamos à semana e chegámos a estar duas semanas sem receber, mas também não havia dinheiro, não era por não quererem pagar”, acrescentando que depois “apareceu o Zé Luís [Almeida Silva] e o jornal levou uma volta”.
Este tipógrafo esteve na Gazeta até 1981, altura em que foi para a Gracal – Gráfica Caldense, onde permaneceu durante 31 anos, até se reformar. Esta saída coincidiu com a mudança dos processos de produção do jornal para offset, possibilitando a inserção de fotografias.
Hoje em dia, continua a ler o jornal e confidencia que a primeira coisa que vê é a necrologia. “Acho que é um jornal reconhecido a nível regional e não só”, salienta, destacando que já no seu tempo havia uma grande percentagem de assinantes entre a comunidade emigrante espalhada pelo mundo.
Os antigos trabalhadores destacam, ambos, o espírito de camaradagem que se vivia neste jornal, apesar do trabalho ser bastante o que levava a que, por vezes, tivessem que laborar noite fora.