A caldense Irina Ribeiro e o alentejano Guilherme Pires começaram a namorar a 22 de Julho de 2009, na altura ambos figurantes no Mercado Medieval de Óbidos. Exactamente sete anos depois casam no Santuário do Senhor Jesus da Pedra, num ambiente medieval, com a presença de familiares e muitos amigos, todos trajados a rigor.
A festa acabou, como se adivinha, no Mercado Medieval de Óbidos com a festa a durar noite fora.
Os jovens, que agora são padeiros, regressaram domingo à noite a Almodôvar, onde residem, para na madrugada seguinte voltarem a fazer pão e a distribui-lo pela vila e pelos montes alentejanos.
Um aro de uma porta no adro do Santuário do Senhor Jesus da Pedra (por onde haveriam de passar os noivos), alguns fardos de palha enfeitados e pessoas vestidas com trajes medievais, intrigavam os turistas que, na tarde de sexta-feira, por ali paravam. Perguntavam o que se passava e, perante a resposta de um casamento medieval, ficavam também eles à espera do que iria acontecer.
Dentro da igreja, o diácono Raul Penha ultimava os preparativos no altar para dar início à boda. Foi a primeira vez que celebrou um casamento medieval, mas já antes tinha feito um baptizado.
Um músico dos “sete instrumentos” animava a espera com a sua flauta de cana, que combinava com guizos e sinos de diversos tamanhos. As vestes quentes que envergavam levava as damas a procurarem os locais com sombra, enquanto as crianças brincavam pelo recinto.
Pouco depois da hora marcada, 17h30, chegava o noivo, envergando as vestes de cavaleiro. Chamado a entrar na igreja, ainda teve que esperar largos minutos pela noiva vestida de verde e dourado, que chegaria num transporte nada medieval – uma limusine – juntamente com os padrinhos, também eles trajados a rigor.
Depois do padrinho entregar a noiva ao futuro marido, a cerimónia começa. O diácono pediu aos presentes (damas e nobres, mas também monges, bobos, cavaleiros e músicos) para deixarem o papel de convidados e serem testemunhas do amor do casal. E, citando “O Principezinho”, de Saint-Exupéry, enfatizou que o “essencial é invisível aos olhos, sente-se com o coração”, para se referir ao amor de Irina e Guilherme. E esse amor foi oficializado com a colocação das alianças, compradas de véspera numa ourivesaria de Óbidos e também elas originais e que substituíram os anéis que têm usado nestes sete anos de compromisso.
À saída, ao invés do tradicional arroz, foram atiradas pequenas flores. E se a opção parecia estranha a alguns convidados, outros prontamente explicaram que na Idade Média ainda não havia arroz por estas paragens pois os primeiros registos da produção deste produto em Portugal datam do séc. XVIII.
Tiradas as fotos da praxe, os noivos e convidados seguiram para o restaurante e, já de noite, continuaram os festejos no Mercado de Medieval, junto dos amigos que, por estarem de serviço no evento, não puderem assistir à cerimónia. Houve lançamento de lanternas chinesas (balões de ar quente) e Guilherme fez a dança da espada, uma tradição medieval dos cavaleiros, onde mostra a sua destreza e capacidade de coordenação, com o intuito de agradar e seduzir a noiva.
Amigos preparam a boda
A ideia do casamento em Óbidos foi da amiga Alice Henriques, das Caldas da Rainha. Sabia que o casal já há algum tempo queria oficializar a relação e sugeriu que o pudessem fazer no local onde se conheceram. Tratou de arranjar cabeleireira, esteticista, o bolo de noiva e as flores, e foi ela, costureira de profissão, quem fez o vestido da noiva, uma “obra de arte”, digna de uma qualquer corte medieval, das suas duas filhas e da mãe do noivo.
Desde há dois meses que estão a decorrer os preparativos “a mil à hora”, conta Alice Henriques, que nos últimos dias teve que fazer directas para estar tudo pronto. Contou para isso, com a ajuda de outros amigos para fazer, por exemplo, os arranjos florais ou os bonecos colocados em cima do bolo de noiva, feitos em cerâmica, com 16 e 14 centímetros de altura, e com um fato feito em tecido, igual ao dos noivos.
Padeiros nos montes alentejanos
A sair de uma relação difícil e com uma filha pequena, Irina Ribeiro, decidiu, no Verão de 2009, dar uma “volta” na sua vida e inscreveu-se como figurante no Mercado Medieval de Óbidos, trabalhando com a companhia de teatro Viv’Arte, que na altura fazia a animação do evento. Integrado na mesma companhia de teatro, estava Guilherme Pires, que há três anos percorria o país, de feira em feira, a participar nos torneios ou a actuar como malabarista. Foi nesta altura, mais propriamente a 22 de Julho de 2009, que começaram a namorar e, depois de Óbidos, ainda participaram em várias feiras de norte a sul do país.
“Fazer as feiras medievais era uma experiência espectacular, mas era complicado porque eu tinha uma filha pequena e ele [Guilherme] queria constituir família”, pelo que deixaram a companhia de teatro e fixaram-se em Almodôvar.
Em terras alentejanas Irina e Guilherme acabaram o 12º ano e fizeram formação em técnica de museus e técnico de recursos florestais e ambientais, respectivamente. Mais tarde, já com duas crianças (Lara, de um primeiro relacionamento de Irina, e Aurora, filha do casal), os jovens aproveitaram umas férias de Verão para vir ao Oeste apanhar fruta e assim arranjar dinheiro para a carta de condução, que também foi tirada nas Caldas.
Conseguiram trabalho na Câmara de Almodôvar, ao abrigo dos programas ocupacionais, mas este foi temporário. Irina voltou a arregaçar as mangas e pôs-se à procura de trabalho, que conseguiu numa padaria, em Setembro de 2014. Começou por aprender a fazer pão alentejano em forno de lenha e agora anda, numa carrinha, a distribui-lo de monte em monte, às pessoas de idade que lá moram. Entretanto também Guilherme se lhe juntou e agora são ambos dois padeiros em Almodôvar.
“Desde que estamos a trabalhar nunca nos faltou ovos caseiros, legumes. As minhas filhas nunca tinham tido tantas prendas debaixo da árvore como no Natal passado, porque as pessoas que visitamos [a vender o pão] oferecem-nos, agradecidas pelos momentos de convívio que lhes proporcionamos”, conta à Gazeta das Caldas.
O casal está agora a pensar mudar-se para Beja, que, por ser uma cidade, tem mais ofertas de trabalho. “Precisamos de tempo para estar com as filhas e a vender pão é muito complicado”, explica Irina, acrescentando que naquela cidade existem vários grupos de teatro e poderão conciliar com o trabalho a paixão que os une pela animação medieval.