As festas de Santo Amaro, em Alfeizerão, têm mais de 300 anos e já chegaram a ser das mais badaladas da região. Mas para que a tradição se cumpra a preceito é preciso haver quem as organize. A cada ano é criada uma comissão de festas, liderada pelo juiz, que fica encarregue de tratar de todos os pormenores para que a parte religiosa e profana da festa decorra na perfeição.
Gazeta das Caldas falou com alguns desses voluntários, que partilham memórias dos tempos em que a festa atraía convivas gente das aldeias, vilas e cidades em redor.
A cada ano Alfeizerão celebra o Santo Amaro a 15 de Janeiro, mas os festejos começam uns dias antes da efeméride e terminam já depois. No último dia faz-se a entrega da bandeira, uma cerimónia onde fica logo decidido quem fará a festa do ano seguinte.
José Pereira, actualmente com 89 anos, é há décadas a pessoa responsável pela entrega da bandeira. “Quem fica com ela é considerado o juiz da festa e terá que arranjar um grupo de pessoas para, com ele, tratar de todos os pormenores”, conta, acrescentando que há sempre uma juíza. A tradição já não é o que era e as atribuições dos festeiros também não. Há umas décadas atrás competia à juíza garantir a limpeza da capela, a organização dos andores e o fabrico e oferta das fogaças (que eram leiloadas durante a festa), bem como a decoração dos tabuleiros.
“Lembro-me da juíza ser do Casal Pardo e da banda de música ir buscá-la a casa, a pé, para a acompanhar até à festa”, diz José Pereira, acrescentando que a mulher trazia o tabuleiro à cabeça desde aquela aldeia até Alfeizerão.
Mas a preparação dos festejos começavam muito antes, com o peditório que era feito pelos festeiros por toda a freguesia. Iam a pé, juntamente com a banda de música, e apontavam num caderno o valor que cada pessoa estava disposta a dar. Depois, no dia da festa, a pessoa ía ter com os festeiros, que tinham um espaço próprio para o efeito junto à capela, e entregavam os contributos. “Cada pessoa que desse cinco escudos levava um foguete para casa pois essa era a oferta que se fazia há 50 anos”, recorda José Pereira, que participou em diversas comissões de festas.
Os foguetes e fogo de artifício também não podiam faltar nos festejos e tudo era feito no local. Os fabricantes vinham de longe e permaneciam em Alfeizerão durante os dias da festa. “Arranjavam-lhes um barracão e ficavam cá de um dia para o outro a fazer os foguetes. Tinham que deitar a alvorada às 7h00 da manhã, o que não era agradável para quem estava no baile até de madrugada”, recorda Gracieta Simões Machado, que também participou em diversas festas da terra.
A alfeizerense recorda também a quermesse, que nunca faltava no arraial e onde as raparigas vendiam as rifas e “logo ali catrapiscavam pares para dançarem à noite no baile”. Para além disso, era uma boa fonte de rendimento pois normalmente os festeiros tinham boas relações com as fábricas de cerâmica e vidro na região e conseguiam bastantes peças, algumas delas valiosas, que leiloavam durante os festejos. No último dia da festa era usual convidar os representantes dessas empresas para um pequeno lanche, como forma de lhes agradecer a colaboração.
Lucros repartidos pelas instituições da terra

Carlos Bonifácio, de 78 anos, divide o tempo entre Alfeizerão e os Estados Unidos, para onde emigrou em 1998. Como bom filho da terra, integrou a comissão de festas do Santo Amaro entre 2003 e 2007. Os lucros que conseguiam eram repartidos entre as várias instituições da terra que também colaboraram e o restante ficava para a festa do ano seguinte.
Actualmente as receitas já não são tão generosas e também há mais dificuldade em conseguir pessoas disponíveis para organizar os festejos. Exemplo disso mesmo é o facto do juiz que fica encarregue da Festa de Santo Amaro, também ser responsável pela festa de Setembro, ao passo que antigamente era organizações completamente autónomas.
Joaquim Inácio, de 98 anos, lembra com saudade os festejos de outrora. Em jovem era músico e, juntamente com a sua banda “Os Alfanges”, chegou a abrilhantar muitos bailes da terra. “A festa antigamente era grande, toda a gente da região vinha aos festejos de Santo Amaro e nós tocávamos até de manhã”, recorda.
Nessa altura os bailes decorriam à volta do coreto, mas entretanto a festa já mudou se local, realizando-se agora no largo da vila.