Um estudo entregue à troika, elaborado pelo Ministério das Finanças e o das Obras Públicas e Transportes do governo anterior, preconiza o encerramento da linha do Oeste entre Torres Vedras e Louriçal, deixando Caldas da Rainha e Leiria sem comboios. O documento considera o encerramento de 800 quilómetros de linhas férreas em todo o país como forma de diminuir o défice da Refer e da CP tendo em conta o mau estado das finanças públicas.
Este documento transitou para o governo de Passos Coelho, que deverá decidir se executará ou não o encerramento de grande parte da rede ferroviária nacional.
Na região, e em todo o país, as críticas são unânimes na condenação desta proposta.
Entre Louriçal e Torres Vedras são 127 quilómetros de via férrea que poderão encerrar caso o governo de Passos Coelho aceite como boa uma proposta entregue à troika pelo governo de Sócrates que propõe o encerramento de 794 quilómetros de linhas de caminho-de-ferro no país.
Na prática isto significa que a linha do Oeste ficaria reduzida ao troço Lisboa – Torres Vedras, com algum potencial futuro em termos de tráfego suburbano, encerrando (pelo menos para serviço de passageiros) o resto da linha até à Figueira da Foz. Deste modo, Bombarral, Caldas da Rainha, Marinha Grande e Leiria ficariam afastadas da geografia ferroviária nacional, havendo, quanto muito alguns comboios de mercadorias a circular na linha.
Esta proposta faz parte de um estudo elaborado por uma equipa conjunta de técnicos do Ministério das Finanças e do Ministério das Obras Públicas e Transportes do governo anterior e foi feita à revelia da Refer que, por seu lado, tem em curso um estudo mais modesto de encerramento de linhas que mantém aberta a linha do Oeste.
Na proposta do governo PS desaparecem, além do troço Louriçal-Torres Vedras, as linhas do Vouga (Espinho-Águeda-Aveiro) e do Leste (Abrantes-Elvas), a linha do Douro entre Régua e Pocinho, o ramal de Cáceres (Torre das Vargens-Marvão) e a linha do Alentejo entre Casa Branca e Ourique. As linhas do Corgo, do Tâmega e do Tua, bem como os troços Figueira da Foz – Pampilhosa e Guarda-Covilhã, que se encontram já encerrados aguardando obras de modernização, acabam por não reabrir. Ao todo são 794 quilómetros de vias férreas a abater.
Já o estudo que a Refer tem em curso debruça-se sobre 240 quilómetros de linhas a encerrar e não toca na linha do Oeste, sobretudo devido à sua importância no tráfego de mercadorias e por servir de alternativa à linha do Norte no caso de interrupção desta.
O fecho das linhas férreas tem um duplo impacto nas contas das duas empresas públicas – Refer e CP – visto que diminui os custos de manutenção das linhas na primeira e alivia a segunda do pesado encargo do serviço regional, que é muito deficitário. Em 2010 os comboios regionais da CP tiveram um défice de 59 milhões de euros, o que representa 77% do défice corrente da empresa.
Uma opção possível – se se mantiver a visão economicista sobre a linha do Oeste – é o seu encerramento para passageiros, deixando a infra-estrutura aberta para mercadorias. Neste cenário, o grau de exigência na manutenção da linha não seria tão elevado, uma vez que esta se destinaria apenas aos comboios de carga, sendo a sua conservação mais barata.
É que estações como Ramalhal, Pataias, Martingança, Leiria e Louriçal são entrepostos de mercadorias que necessitam de estar ligados ao caminho-de-ferro, acabando o país por ficar a perder se estes transportes forem efectuados em camião pela A8 e outras estradas.
Louriçal, uma pequena povoação do concelho de Pombal, aparece no mapa ferroviária por ser nesta estação que se inicia a parte electrificada da linha do Oeste e por dela partirem dois ramais para duas empresas de celulose.
Quanto ao serviço de passageiros, este já é hoje pouco relevante, pelo que não surpreenderia se uma visão neoliberal do transporte ferroviário levasse ao seu fim na linha do Oeste, ignorando o potencial de mercado desta região se houvesse bons comboios a circular.
Foi, aliás, esta a razão que levou o governo anterior a prometer que a modernização da linha do Oeste iria mesmo avançar, até como contrapartida pela deslocalização do aeroporto de Lisboa da Ota para Alcochete. No pacote de compensações incluía-se ainda a construção de uma linha transversal entre Santarém, Rio Maior e Caldas da Rainha.
Mas perante a derrapagem das finanças públicas, o pedido de ajuda externa e as exigências da troika, o mesmo governo não hesitou em defender o encerramento, puro e simples, da linha do Oeste.
Todos os partidos condenam proposta do anterior governo
Nas Caldas da Rainha, os responsáveis pelos partidos políticos locais não poupam críticas à proposta do anterior Governo, e lembram que foi o executivo liderado por José Sócrates que prometeu requalificar e modernizar a Linha do Oeste no plano de compensações pela deslocalização do novo Aeroporto Internacional de Lisboa da Ota para Alcochete.
BE, CDS-PP, CDU e PS esperam que este estudo agora divulgado caia no esquecimento agora que há um novo Governo à frente do país. Um executivo que conta com uma ministra e uma secretária de Estado que por diversas vezes falaram em defesa da ferrovia que serve a região.
BE – “Caldas não se pode ver vedada à linha ferroviária”
O coordenador do Bloco de Esquerda das Caldas da Rainha, Paulo Jorge Freitas, diz que esta é uma “atitude de submissão cega dos partidos às vontades da troika” que não surpreende os bloquistas. “Isto é absolutamente contra tudo o que se pode defender numa política de transportes”, acrescenta.
Dos actuais governantes o bloquista espera uma atitude diferente da preconizada pelo PS, até porque “há duas pessoas no Governo, Assunção Cristas e Teresa Morais, que assinaram a petição a favor da modernização e requalificação da Linha do Oeste” lançada no início de 2010 e que foi entregue no Parlamento em Outubro do mesmo ano, com cerca de 5.000 assinaturas. Paulo Freitas defende que “uma cidade como Caldas não se pode ver vedada à linha ferroviária”, e que tanto a autarquia caldense como os outros municípios do Oeste serão afectados caso a proposta do anterior Governo avance “terão que saber quanto antes o que se passa”.
CDS/PP – “Linha do Oeste é fundamental”
A reacção do presidente da concelhia caldense do CDS-PP é, também, “claramente negativa”. Para Luís Braz Gil “a linha do Oeste é fundamental à ligação entre populações, quer no transporte de passageiros, quer de mercadorias”, e a supressão do troço Louriçal-Torres Vedras só iria “desvalorizar ainda mais” uma ferrovia que tem sido tão desprezada.
O centrista defende que “o que é básico e fundamental tem que ser sempre feito, independentemente da situação financeira do país. As grandes obras é que têm que ser repensadas”. Por isso espera não só “que o estudo não vá por diante”, mas também “que o novo Governo tenha atenção à Linha do Oeste”.
CDU – “Mais uma mentira de Sócrates”
A CDU é mais crítica. “É uma coisa inconcebível”, diz Vítor Fernandes, reagindo ao estudo. “Anda o PS aqui nas Caldas a defender a Linha do Oeste, que até estava contemplada na compensação pela deslocalização do aeroporto da Ota para Alcochete, e afinal nas costas de toda a gente andava o Governo e José Sócrates a tentarem acabar com ela”, acusa.
Perante o que diz ser “mais uma mentira de Sócrates, que andou a enganar toda a gente”, Vítor Fernandes promete que a CDU vai “lutar para que o novo Governo não vá para a frente com esta medida”. O comunista defende que a Linha do Oeste “devia ser uma prioridade” e que a intenção se fechar centenas de quilómetros de ferrovia só tem uma explicação: “para que os lobbys do petróleo e da rodovia continuem a mandar no país”.
PS – “Seria um crime que prejudicaria os cidadãos“
Já o presidente da concelhia caldense do PS, Delfim Azevedo, acha “incrível que se preveja a possibilidade” de encerramento de 127 quilómetros da Linha do Oeste, que podia ser “um dos pólos de desenvolvimento da região, caso fosse modernizada”. A concretizar-se, esta proposta seria “um crime, que prejudicaria os cidadãos, a região e a sua riqueza”, aponta.
Lamentando que já vários governos nada tenham feito pelo desenvolvimento da Linha do Oeste, Delfim Azevedo diz ter, como todos os oestinos, uma grande expectativa em relação ao novo Governo e ao que este fará na região. “Se o ministro da Economia quiser olhar com atenção para a região, decerto esta proposta não irá avançar”, refere.
AUTARCAS CAUTELOSOS
O presidente da Câmara de Óbidos, Telmo Faria, prefere deixar para mais tarde uma reacção. “A Câmara de Óbidos é uma defensora da Linha do Oeste, no entanto vamos ter que conhecer melhor esta posição para reagir depois”, diz.
O presidente da Câmara das Caldas, Fernando Costa e o presidente de Leiria, Raul Castro, não responderam à Gazeta das Caldas.