Mestre Manuel Cargaleiro e o cantautor Fausto Bordalo Dias estiveram ligados, ambos, a iniciativas locais
Num curto ápice de pouco mais de um fim de semana Portugal perdeu dois vultos da cultura nacional e internacional, Mestre Manuel Cargaleiro e o cantautor Fausto Bordalo Dias, que foram respetivamente nomes fortes da cerâmica e pintura como da canção e que estiveram ligados, ambos a iniciativas locais, o primeiro no seu início de vida e depois a exposições da sua obra, e, no segundo caso, à luta antinuclear contra a Central de Ferrel, encabeçada pela Gazeta das Caldas na segunda metade da década de 70 do século passado.
Mestre Cargaleiro deixa-nos aos 97 anos, num momento de consagração nacional e mundial, enquanto ceramista e pintor de grande mérito, de que temos uma forte recordação pelas suas passagens por Óbidos e Caldas da Rainha, onde fez exposições que não esquecemos.
Ainda quando da sua passagem por Óbidos, da segunda metade da década de 80, teve uma incursão no CENCAL em Caldas da Rainha, que gostosamente partilhei, quando realizou, com o apoio técnico do ceramista galego Xohan Viqueira, uma peça curiosa e de referência, que permanece no património daquele Centro mas que integra o catálogo das obras de cerâmica do artista. Ficou na minha memória como um artista de eleição e extremamente simples e simpático, permitindo-me conhecer depois a sua vasta produção artística quer em Portugal como no estrangeiro.
Antes, na década de 50, Manuel Cargaleiro, enquanto professor da Escola António Arroio, acedeu ao convite de Leonel Sotto-Mayor, diretor da Escola Industrial e Comercial das Caldas da Rainha, para lecionar algumas aulas aos professores de cerâmica da escola. Nessas vinda conheceu e contatou de perto com a ceramista Hansi Stael na Secla.
Mestre Cargaleiro deveria ser distinguido no 51º Congresso da Academia Internacional da Cerâmica, que se realizará em Alcobaça e Caldas da Rainha, na 3ª semana de Setembro, como ceramista emérito a nível mundial. Os deuses, com quem ele tanto dialogava na sua obra não permitiram, mas ficará na memória coletiva pelo seu mérito.
Por sua vez, e neste curto espaço de desaparecimento de figuras inesquecíveis, chegou a notícia também da partida de Fausto “por esse rio acima, deixando para trás” memórias infindas daquele que, benevolamente com Zeca Afonso, Sérgio Godinho, Vitorino e outros cantores de intervenção, disseram sim à Gazeta das Caldas e ao movimento antinuclear contra a instalação da Central Nuclear de Ferrel, num canto livre realizado no Parque em Janeiro de 1978, no âmbito do Festival Pela Vida.
Fausto também seria indispensável estar presente, como o voltou a estar em 2006 em Ferrel, quando se comemorou o 30º aniversário da primeira manifestação popular contra a Central de Ferrel, com a sua “rosalinda se tu fores à praia, se tu fores ver o mar…” afirmando poeticamente “em Ferrel lá p´ra Peniche vão fazer uma central que para alguns é nuclear mas para muitos é mortal, os peixes hão-de vir à mão. um doente outro sem vida…”.
Duas personagens que partiram mas que vão permanecer entre nós na memória coletiva como protagonistas do seu tempo para todo o tempo. ■