
São 80 pessoas, entre ingleses, irlandeses, alemães e holandeses e têm idades entre os 20 e os 70 anos. A maior parte são ingleses e daí a designação deste comboio especial, alugado por um grupo de entusiastas da ferrovia para percorrer Portugal de norte a sul. Na passada sexta-feira (29 de Junho) esta composição fez a linha do Oeste e esteve nas Caldas da Rainha, onde o grupo almoçou.
Em conversa com a Gazeta das Caldas todos acham que a decisão de fechar o troço entre Caldas e a Figueira da Foz é um “erro” e que mais cedo ou mais tarde o país acabará por se arrepender por fechar linhas férrreas pois estas são a alternativa viável às estradas.
“O comboio dos ingleses já chegou?”, questionou Gazeta das Caldas à chegada à estação. “Dos ingleses não, o comboio é nosso, eles é que o alugam”, esclareceu o chefe da estação poucos minutos antes de se avistar ao longe a composição, vinda de Coimbra, que dá entrada na linha três.
De facto, a locomotiva 1408 que reboca as três carruagens de passageiros, foi construída em Inglaterra em 1966 pela English Electric. Faz parte de um conjunto de 67 locomotivas da série 1400 que a CP adquiriiu naquela década, das quais as dez primeiras foram fabricas no norte da Inglaterra e as restantes na então Sorefame, na Amadora.
Quem o diz é Bernard Donough, 66 anos, um ex-ferroviário britânico que é um verdadeiro entusiasta da sua profissão e que há 20 anos faz férias de comboio, em vários países, incluindo Portugal.
Prontifica-se a prestar declarações à Gazeta das Caldas, não sem antes olhar para o relógio pois têm pouco mais que uma hora para almoçar. São 11h50 e a partida decorrerá às 13h15, sharp (certinhas).

“As 1400 são máquinas um pouco barulhentas, já têm quase 50 anos, mas nós adoramos noisy machinery! [engenhos ruidosos] ”, contou o inglês. Os carris estão no sangue dos Donough, já que Bernard faz parte da terceira geração de ferroviários. “São velhas senhoras e estas serão as últimas voltas pois não há recursos para manter esta máquinas operacionais durante muito mais tempo”, explica o viajante que durante 43 anos trabalhou para a British Railways.
Mas que viagens são estas? “São viagens especiais em comboios especiais. Por exemplo, estas carruagens são de design americano, foram construídas em Portugal há mais de 20 anos e esta será provavelmente a última viagem que fazem”, contou. Uma das características destas carruagens é que as suas janelas ainda se podem abrir durante o percurso. As novas já não permitem aberturas por causa do ar condicionado.
Curiosamente, esta composição (uma locomotiva 1400 a rebocar três carruagens Sorefame) fez parte da geografia ferroviária da linha do Oeste durante várias décadas. Só há poucos anos é que a CP as substituiu por automotoras, igualmente velhas, mas modernizadas e equipadas com ar condicionado.
E o que pensa este ferroviário sobre o encerramento do serviço de passageiros entre as Caldas da Rainha e a Figueira da Foz?
“É uma vergonha, mas na verdade se não há dinheiro o que se pode fazer? Tivemos muita sorte em conseguir alugar este para as nossas férias!”. Bernard Donough diz que em Ingltaerra “também já aconteceu fecharem linha e a culpa é sempre de não haver dinheiro para a manutenção”. No caso de Portugal acha que estes cortes estão relacionadas com a crise do euro. “Há muitas decisões que já não estão nas vossas mãos, são decisões superiores. É uma pena …mas às vezes acontece”.
Outro dos passageiros deste comboio é Brian Elliott, 67 anos, que teve um negócio relacionado com gelados e está agora reformado. Viaja com a sua esposa, Sylvia, e elegem o comboio como prinicipal meio de transporte nas férias. Aposentado há sete anos, lamenta que não seja possível voltar a viajar neste tipo de locomotivas “e desta forma os caminhos de ferro portugueses vão perder o dinheiro de gente como nós, disposta a pagar bem por este tipo de viagens, é uma pena”, disse o turista que não concorda nada com a encerramento da Linha do Oeste.

“É uma pena realmente que o sistema de comboios esteja a morrer e que seja necessário fechar as linhas férreas. Em Inglaterra também aconteceu e em Portugal daqui a 20 anos vão querer repor as linhas outras vez, rematou o turista.
Para a esposa, Sylvia Elliott, as viagens de comboio “são muito mais confortáveis e permitem-nos conhecer o country side [o campo]”.
Na sua opinião, os comboios são “maravilhosos”, até porque passam em locais que não é possível conhecer de uma outra forma. “Não sou uma entusiasta da ferrovia, como muitos desta viagem, simplemente gosto de viajar de comboio”, disse.
Sobre o encerramento da Linha do Oeste, esta turista diz que são “decisões que são estão relacionadas com dinheiro” e que daqui a uns anos “vão sair muito caras ao país pois será muito dificil voltar ao ponto que estão hoje”. Sylvia Elliott considera que esta decisão “é uma vergonha” e que os portugueses “vão arrepender-se destas decisões”, rematou.
Férias de comboio, iniciadas no Douro, tornaram-se num negócio
Este grupo de entusiastas já realizar viagens de comboio em Portugal desde finais dos anos 90, preferindo, naturalmente, composições em que o material circulante (sobretudo as locomotivas) é inglês. “A adesão das pessoas foi crescente e acabou por se transformar num negócio”, explicou Andrew Donnelly, inglês que vive em Portugal há 12 anos e que organiza estas viagens em Portugal.
Tudo começou com viagens na linha do Douro nos comboios a vapor. Este tipo de viagens oferecia a oportunidade de “conhecer o país real, longe das grandes cidades e hóteis”, comentou o organizador. Em cada ano organizam-se seis ou oito viagens diferentes (de 10 dias ou duas semanas) e acabou por se transformar num estilo de férias diferente.
Sobre esta viagem com paragem nas Caldas, Andrew Donnelly comentou que houve um óptimo atendimento com a CP e que foi possível alugar o comboio durante vários dias. “Será a ultima vez que estas carrugens andam sobre carris e foi muito bom ter tido a oprtunidade de fazer esta última visita”, disse.
Sobre o encerramento da Linha do Oeste, Andrew Donelly, que conhece bem as problemáticas do caminho de ferro em Portugal, considera que “é um erro encerrar as linhas férreas”, mas compreende que agora são necessários “cortes e ganhos em eficiencia”.
Considera que se tem vindo a perder o interesse e o hábito de usar o comboio, “o que é uma pena sobretudo se vivermos em cidades como Lisboa, Porto ou Coimbra”. A longo prazo estas decisões são “um erro pois em poucos anos as cidades não terão alternativa às estradas”.
A viagem destas férias teve início em Tomar de onde partiram para o Porto e Guimarães. Depois regressaram ao Porto, passaram por Aveiro e chegaram a Coimbra. Foi das margens do Mondego que partiram para as Calda da Rainha, onde almoçaram, seguindo para Setúbal (um dos pontos altos foi a travessia do Tejo pela ponte 25 de Abril). A viagem prosseguiu por Praias Sado, Vendas Novas, Coruche, Santarém, Entroncamento, Elvas e Badajoz. Depois, regressaram outra vez ao Entroncamento e viajaram para Alcácer e porto de Sines.
Natacha Narciso
nnarciso@gazetadascaldas.pt