O fantástico lay out ferroviário do professor Cabrita

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A maquete ocupa uma área de 36 metros quadrados e tem 130 metros de linhas que correspondem a 11 quilómetros à escala real

Aos 52 anos António Cabrita ainda gosta de brincar aos comboios. E fá-lo com uma paixão – comum a centenas de modelistas no país inteiro – que o leva a investir tempo e dinheiro numa enorme pista ferroviária que ocupa todo o seu sótão e onde se podem ver comboios de todo o mundo a atravessar cidade e aldeias, montanhas e vales, numa escala de miniatura que reproduz fielmente a realidade.

 

“Pelo menos uma hora por dia passo-a aqui. É o meu mundo, a minha paixão. Serve para relaxar, para combater o stress”. Estamos no sótão da vivenda de António Cabrita nas Caldas da Rainha e mal há espaço para duas pessoas. Esta divisão da casa mede 44 metros quadrados, mas o lay out que este professor de Inglês e Alemão ali montou mede 36 metros quadrados, sobrando muito pouco para uma pequena bancada e área para estar de pé em frente às mesas de comando.

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À nossa frente estão 130 metros de linhas de caminho-de-ferro em miniatura (correspondendo a 11 quilómetros na escala real) que serpenteiam por paisagens diferentes, das quais se podem distinguir os Alpes suíços, com túneis, pontes e viadutos, uma zona portuária e industrial com as suas características gruas, porta-contentores, refinarias, guindastes, e uma espaço central de planície.

As cidades têm uma arquitectura típica do Império Austro-Húngaro, que se deve ao facto de os maiores fabricantes de modelismo ferroviário serem alemães e austríacos, explica António Cabrita, que aponta para a grande estação terminal ao centro e as sete “estações de passagem” espalhadas pela maqueta.

Este mundo fantástico possui ainda oficinas de manutenção do material ferroviário, uma rotunda (garagem de locomotivas) e um terminal de mercadorias. Nas zonas urbanas as ruas e avenidas estão povoadas de pessoas, automóveis, camiões, autocarros, bicicletas, e não faltam os pormenores dos semáforos e da iluminação pública. “Procuro ser o mais perfeccionista possível”, diz o entusiasta do modelismo.

À noite, no escuro, a maqueta ganha vida com as luzinhas todas acesas e pode seguir-se o percursos dos comboios pelo rasto de luz que deixam na paisagem.

E que comboios são esses? Há de todos os géneros. Vê-se ali o ICE alemão, um Intercidades holandês, o Capitol francês, automotoras espanholas, uma locomotiva eléctrica portuguesa, o TGV, um comboio suíço com uma locomotiva dos anos 70, a Big Boy (a maior locomotiva a vapor de todos os tempos) a rebocar uma composição de passageiros dos anos 30 do século passado, um suburbano alemão, o Talgo espanhol, uma típica composição sueca, um ronceiro tractor de manobras e comboios de mercadorias estacionados no porto.

OS ACIDENTES PODEM SAIR CAROS

Para pôr tudo isto é mexer António Cabrita dispõe de mesas de comando com tecnologia analógica e digital, a partir das quais faz a gestão do tráfego. Ao todo são dois circuitos de via dupla electrificada e várias linhas de via única não electrificada onde convém que as composições circulem sem bater.

O risco de acidente não é displicente pois pode haver prejuízos graves quando os comboios descarrilam ou chocam. Não tanto pelo embate, que pode estragar os veículos, mas sim pelos curto-circuitos que podem queimar o decoder (equipamento que transforma o sinal digital em mecânico) das máquinas.

Uma locomotiva pode custar entre 100 a 700 euros e as carruagens têm também preços muito variados. António Cabrita possui mais de 600 peças (não estão todas no lay out porque simplesmente não cabiam…), das quais 171 são locomotivas, 270 são carruagens e o resto vagões de mercadorias. No seu sótão, contando infra-estrutura e material circulante, este entusiasta dos comboios tem investidos mais de 70 mil euros.

“Para pôr isto a andar, ou entregava a gestão a um computador ou fazia-a eu próprio, que é o que eu prefiro porque me dá mais gozo”, conta. Todos os dias há manutenção a fazer e comboios para pôr a circular. E cálculos a efectuar para construir as curvas e as pendentes sem provocar descarrilamentos. Os comboios circulam até à velocidade máxima de dois metros em 2,2 segundos, o que corresponde a 280 Km/hora na escala real.

As máquinas têm luzes e estão equipadas com tecnologia digital que imita o seu ruído característico. Numa locomotiva a diesel começa por se ouvir o ribombar dos motores quando ela é ligada e depois os compressores, as descargas de ar comprimido, o apito, tudo isto à medida que ela se vai pondo em movimento, rebocando um pesado comboio de mercadorias. E – pasme-se! – há locomotivas a vapor com uma tão fiel reprodução do som que até se ouve o raspar da pá quando o fogueiro lhe mete carvão na fornalha.

 VERGONHA DE BRINCAR COM COMBOIOS AOS 52 ANOS?

Brincar com este lay out é um prazer. António Cabrita instalou uma mini câmara de filmar num vagão e guarda DVDs com imagens em movimento de todo o percurso, que representam a visão que o maquinista teria ao conduzir os comboios na maqueta.

“Vergonha de brincar com comboios aos 52 anos? Não. E cada vez gosto mais. Esta paixão começou quando tinha cinco anos, no Natal de 1964, quando o meu pai me ofereceu uma locomotiva e cinco vagões e um conjunto de dez linhas rectas e dez curvas”.  António Cabrita diz que nunca mais parou de ampliar a maqueta que começou ali mesmo com uma configuração oval.

Nascido no Barreiro e filho de ferroviário, Cabrita passava horas, em miúdo, nas oficinas de comboios. A paixão vem-lhe quase do berço. E hoje é com um misto de tristeza e raiva que fala da decadência do complexo oficinal do Barreiro e da quantidade de atentados ao património que a CP permitiu, deixando destruir peças únicas da história dos caminhos-de-ferro em Portugal.

A residir nas Caldas da Rainha desde há oito anos, este professor é um dos mil sócios da APAC (Associação Portuguesa dos Amigos dos Caminhos-de-Ferro) e é nas viagens organizadas por esta associação que encontra os seus amigos modelistas. As conversas sobre as diferentes filosofias de encarar o modelismo ferroviário e os pormenores das suas maquetas podem durar horas.

O apeadeiro do Campo-Serra

Luís Gaspar reside em S. João da Talha (Loures), mas passa muitos fins-de-semana no Campo, a terra natural da sua mulher. E foi à sua mulher que dedicou esta maquete do apeadeiro que serve aquela povoação, a qual fez em conjunto com o seu amigo, Mário Fernandes.

A construção desta miniatura demorou cerca de dois meses e não terá custado mais de 75 euros, gastos sobretudo em madeiras, parafusos, tintas, cabos eléctricos e linha férrea à escala.

Este entusiasta do modelismo tem 38 anos e é fiel de armazém. O gosto por este hobby vem desde miúdo, mas tomou-o mais a sério desde há oito anos.

Ao saber que a linha do Oeste poderá encerrar ao serviço de passageiros a norte das Caldas, diz que se sente “triste” e que esta é “mais uma asneira entre tantas outras de quem nos governa”.

A apeadeiro do Campo-Serra é a primeira paragem logo a seguir às Caldas da Rainha. Foi construído para servir o Campo e as povoações da freguesia da Serra do Bouro.

Ao contrário de uma estação, um apeadeiro não tem, por princípio, venda de bilhetes, sendo o título de transporte adquirido no comboio. Mas nos anos 60 e 70 do séc. XX, em dias de feira nas Caldas da Rainha, havia um funcionário desta estação que se deslocava a pé pela linha fora para ir vender bilhetes à multidão que se acumulava no apeadeiro para apanhar o comboio.

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