Neste 51º aniversário desta data recordamos, em sua homenagem e a vários camaradas do RI5 que já não estão entre nós, algumas passagens do seu testemunho presencial naquele que foi a tentativa de golpe antecipada do 25 de Abril de 1974. No preâmbulo desse testemunho do Capitão Novo publicado em março de 1976, referíamos que havíamos “conseguido obter um relatório bastante circunstanciado, de autoria do Capitão Novo, elemento que interveio conjuntamente com outros oficiais, diretamente no 16 de Março e em todo o processo de formação do MFA e da conjura que iria abater o regime ditatorial caetanista-salazarista”.
Dizíamos nesse preâmbulo, que naquele tempo havia “uma certa vergonha em relembrar o acontecimento”, tendo na altura o assunto passado em branco na quase totalidade da imprensa, valendo o deputado da Assembleia da República Jaime Gama, que “recordou aquela data em intervenção feita antes da ordem do dia”.
Começava assim o testemunho do então Capitão Novo: “Tentando livrar-me de demagogias, vou tentar, dar uma ideia geral sobre as causas que deram origem ao Movimento das Forças Armadas, sua sequência lógica e explicar o que foi o 16 de Março de 1974, uma vez que passado que foi dois anos, ainda há muito por dizer.
Causas Remotas
“O Fascismo”
Assim o Capitão Novo considerava duas causas fundamentais:
1 – A existência de um Governo Fascista.
2 – A existência de condições desprestigiantes para o Exército.
Relativamente à primeira causa considero que durante o Governo Fascista, todo o Povo era sujeito à acção exploradora de uma minoria, que desenfreadamente abafava a voz de todos os que denunciavam tal injustiça, através de medidas repressivas, de modo a tentar transformar o Povo Português numa massa amorfa e acéfala.
Relativamente à segunda causa, considero que a existência de condições desprestigiantes para o Exército, num Governo absolutamente centralizador e fascista, onde cada um valia consoante as cunhas que conseguia ter, onde ao contrário dos diversos Exércitos do Mundo, os Militares profissionais eram mal pagos, e considerados responsáveis pelas consequências da execução de ordens mal dadas, considerados responsáveis pela guerra que lhes obrigavam a fazer, quando na mente dos governantes de então se misturavam actos heróicos com actos de defesa pessoal, em que reinava a lei do “matar ou morrer” sem saber bem porquê, em que se martelava na cabeça dos militares a obrigação de defender os Territórios Ultramarinos, a todo o custo, sem se saber de que lado está a razão, só porque em vez de resolverem pacificamente a questão ultramarina, decidiram fazer uma guerra injusta, sem pensar nos próprios militares, que tudo arriscavam, nas famílias que ficavam em dificuldades quando eles morriam (se eu tivesse morrido em combate nas colónias, minha mulher ficaria com uma pensão da ordem dos 300$00 mensais).”
Causas Próximas “A desagregação do Exército Colonial”
Referindo-se às causas próximas explica que em “1962 o então Brigadeiro Barreira Antunes, diretor da arma de Engenharia aumenta o número de vagas do Curso de Engenharia da Academia com o intuito do seu filho ter acesso.
Em 1963 os decretos lei 42151 e 42152 de 12 de fevereiro que estruturam e reformam a Escola do Exército são alteradas cerceando a saída de cadetes a seu pedido, dando retroatividade e prejudicando os alunos já entrados na Academia.”
No seu testemunho continua a descrever uma série imensa de legislação criada prejudicando os militares do quadro, terminando com a descrição do “Rastilho”, que foi o último impulso para o desencadear da contestação direta.
Assim “em 13 de Julho de 1973 foi publicado no Diário do Governo o Decreto Lei nº 353/73, que provocou reacções imediatas e significativas, em virtude de abalar o prestígio da instituição Militar. Este decreto foi urdido pelo Gen. Viana Rebelo, prejudicando os oficiais do Quadro Permanente oriundos da Academia Militar.
Em 14 de Agosto o então Ministro do Exército proferiu na EPI um discurso dizendo reconhecer o erro cometido e prometendo emendá-lo e tentando dar uma justificação da sua razão de ser. Em 20 de Agosto foi publicado o decreto lei nº 409/73 também urdido pelo General Viana Rebelo, em cuja introdução satisfazia apenas o problema de ultrapassagem dos Oficiais Superiores, continuando o mesmo problema a vigorar relativamente a Capitães e Subalternos, não aflorando o problema fundamental do prestígio da Instituição Militar.
É descrita a seguir uma série de reações havidas no seio dos militares do quadro das FA, descrevendo depois o conjunto de reuniões clandestinas havidas sucessivamente em Évora, Óbidos (onde foi escolhida a Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães), a tentativa de golpe de Estado de extrema direita do General Kaulza, o plenário da Costa da Caparica, a publicação do livro do General Spínola “O Portugal e o Futuro”, o golpe das Caldas a 16 de Março com as consequências para todos os militares, oficiais, sargentos e praças, acabando o Capitão Novo por descrever afinal o que havia sido o 16 de Março.
Afinal o que havia sido o 16 de Março?
Nessa sua descrição, o Capitão Novo faz uma apresentação metódica e pormenorizada de todos os momentos desde a insurreição, viagem até Lisboa, regresso ao quartel, cerco e rendição.
Nestas condições termina com as palavras que significaram os propósitos verdadeiros dos militares do RI5 afirmando que “para que não restassem quaisquer dúvidas à Nação que o Movimento de 16 de Março de 1974, não foi uma iniciativa provada dos mais exaltados oficiais do RI5, mas sim o imediato cumprimento de ordens recebidas de Lisboa, vindas dos nossos camaradas do MFA, de acordo com o plano de acção anteriormente traçado. A acção foi executada com a firme determinação de alcançar os objetivos do MFA, que lhe tinha sido confiados dentro do plano de acção já referido e planeado em Lisboa.
A razão de saída, foi o facto de a Unidade estar fortemente mentalizada, e permanentemente pronta, e ainda o facto de ter sido recebida a ordem de Lisboa já anteriormente prevista. Era, pois, a missão do RI5.
Por parte dos militares do RI5 não houve qualquer enfeudamento a Spínola, conforme alguns camaradas de má fé têm apregoado.
Estava sim em causa a Dignidade e o Prestígio do Exército e não o enfeudamento a qualquer chefe, pois que a ordem veio diretamente segundo nos foi dito, dum núcleo de Oficiais do MFA, que faziam parte da Comissão Coordenadora e nos quais nós sempre confiámos.
Se o 16 de Março de 1974 foi realmente um Golpe Spinolista então ele estaria somente no pensamento dos camaradas que determinaram a sua execução e não nos militares do RI5 que sempre tudo arriscaram pelo movimento e a ele se dedicaram de alma e coração.”