

Mais de cem anos separam estas duas fotografias!
Muito se passou desde então, nesta histórica vila, que a faz ser um ícone do turismo nacional.
Com efeito, nos finais do séc. XIX Óbidos era uma vila quase ao abandono, depauperada, por um lado, pelas mutilações do terramoto, nunca devidamente reparadas e reconstruídas e por outro pela falta de dinheiro e poder, já que Óbidos não se deu bem com as correntes mais democratas, liberais e parlamentaristas após a guerra civil entre D. Miguel e D. Pedro.
A Vila de Óbidos estava, pois, num estado profundamente degradado (que eu ainda conheci, no que respeita ao casario). Lembro-me de meu pai dizer que na própria Rua Direita cresciam ervas de altura (ele nasceu em 1917).
A partir de 1921 (Lei 1.152 de 30/8/1921) foi possível uma certa organização local (comissões de iniciativa e turismo) . Antes, em 1918, já tinham sido classificadas as “terras de turismo” de que Óbidos era exemplo. Ora foi nesta altura que um grupo de notáveis de Óbidos, presididos pelo Ten. Cor. Luís Torcato de Freitas Garcia da Silveira Botelho, fundaram a primeira Comissão de Iniciativa de Turismo de Óbidos com fins de valorização turística da vila.
Esta comissão fez bastantes melhoramentos na vila, entre as quais a demolição de uma casa setecentista em ruínas que havia na entrada do burgo, transformando o local num pequeno Largo, com o Padrão Camoneano. Por baixo deste largo foram construídas duas casas de banho para apoio aos turistas. Outra demolição efectuada foi o campanário do relógio (que se vê na foto) que, sem qualquer razão aparente, tinha sido construído em cima da Torre. Foram feitas grandes limpezas e pequenos restauros no castelo, possibilitanto a visita às ruínas do palácio. É desta altura a publicação do famoso Guia do Visitante, de autoria do Ten. Cor. Luís Torcato de Freitas Garcia da Silveira Botelho, com prefácio de Marcelo Caetano (1929).
Entre os anos 30 e 40 do séc. XX é instalada na Vila a rede eléctrica e a distribuição de água ao domicilio, o que vem facilitar, em muito, o conforto e a oferta dos serviços turísticos. Com a colocação da rede de água ao domicílio, foram colocadas na Rua Direita as célebres “Lages de Pedra” que muitos julgam ser antigas (passeio das rainhas), mas na verdade são desta altura.
Foi nos anos 40 do séc. XX que com António Ferro se iniciou a verdadeira recuperação da Vila. Primeiro o pano de muralhas que estava completamente arruinado e sem ameias (vê-se na foto), e a recuperação das torres do castelo. Mais tarde o interior do Palácio e posteriormente a recuperação da Igreja Matriz de Santa Maria.
As décadas de 40 e 50 foram as de maior intervenção na requalificação do burgo. A Pousada do Castelo foi a primeira instalada em edifício histórico. A entrega da sua gestão a Luíza Satanella (atriz italiana, radicada em Portugal desde 1916, e que fora famosa nos teatros e revistas) trouxe grande prestigio à pousada, sendo a casa de visitas do gabinete de Salazar, para embaixadores e visitas de Estado. A abertura desta Pousada marcou, na realidade, o início de um “novo” turismo para Óbidos. No consulado do Prof. Albino de Castro e Sousa, então presidente da Câmara, foram convidadas personalidades para comprar as velhas casas em ruínas de Óbidos a fim de as restaurar, tornando a vila mais bonita, de casario branco e cheia de flores (como se vê hoje).
Em 1970 a Fundação Gulbenkian apoia financeiramente e tecnicamente a implantação do Museu de Óbidos no edifício da praça, que fora Câmara Municipal nos tempos de D. Manuel I.
De início esteve para ser um grande museu de peças da Guerra Peninsular, da importante colecção doada por Frederico Pinto Bastos. No entanto acabou por ser maioritariamente de peças de arte sacra.
Em 1972 abre em Junho o Posto de Turismo, na Rua Direita, com duas salas, uma de atendimento e outra de exposição de produtos locais. Foi aqui, que a partir de Setembro ingressei ao serviço do turismo, numa vocação que já vinha de família, para não mais parar até aos dias de hoje.
Com Pereira Júnior iniciaram-se os contactos com a UNESCO para a preparação do processo de classificação de Óbidos a património Mundial (foi um processo em que estive envolvido com o Arq. Jorge de Brito do IPPAR). Foi neste consulado que se fez o restauro da Casa da Música (ex teatro Lina de Moel ou SMRO).
Este restauro não foi pacifico. Foi criada a Comissão de Melhoramentos da Vila de Óbidos, de que fui presidente e que recolheu fundos públicos e da Comunidade Europeia para a sua reconstrução. Infelizmente o IPPAR não nos autorizou a implementar o projecto original, do Arq. Garcia dos Remédios que daria uma muito mais bonita entrada à Vila, e melhores condições para espectáculos. No entanto, foi um grande avanço no equipamento disponível para eventos e conferências.
Vê-se ainda na fotografia o antigo edifício que foi adquirido, nos anos 60 por um casal de franceses, onde instalaram a Estalagem do Convento, unidade hoteleira de 4 estrelas e que rivalizava com a Pousada.
A zona despida que se observa em primeiro plano na foto antiga, está hoje bem diferente, com a Escola Primária nova (hoje desactivada), a Albergaria Josefa de Óbidos, e a Caixa de Crédito Agricola (no lugar do antigo Grémio).
Acentuando o sucesso como atracção turística de Óbidos, a abertura da A8 contribuiu de forma decisiva, para este desenvolvimento. A diferença entre os “arrifes” antigos e a actual rotunda de entrada na A8 mostra bem a alterações efectuadas.
Luís Manuel Garcia