Município e oposição reconhecem que os serviços não foram afetados no primeiro semestre, mas alertam para impossibilidade dos SMAS se candidatarem a apoios
Há seis meses que os Serviços Municipalizados das Caldas da Rainha (SMAS) estão a trabalhar com a dotação orçamental do ano passado, na sequência do chumbo do Orçamento para 2024. A discordância, que levou o PSD a votar contra o documento apresentado para este ano, no valor de 1,4 milhões de euros, prende-se com a aplicação da taxa de saneamento aos munícipes que possuem fossa, que o executivo começou a cobrar, justificando tratar-se de uma imposição legal da ERSAR (Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos), mas que os sociais-democratas entenderam tratar-se de uma cobrança “imoral” e defenderam, inclusive, a sua suspensão.
Meio ano depois, os serviços municipalizados continuam a trabalhar com o orçamento do ano anterior, mas o presidente da Câmara, Vítor Marques, admite que “daqui para a frente será mais complexo”, referindo-se ao valor de 1,4 milhões de euros que não podem utilizar. “É um prejuízo efetivo para o trabalho dos próprios SMAS”, refere o autarca, realçando que uma das preocupações dos serviços municipalizados tem sido a resolução do problema das águas pluviais. No caso da obra na zona da Quinta da Cutileira e Cidade Nova, esta está em curso pois já vinha do ano passado. A intervenção na Estrada de Tornada, que tem criado alguns constrangimentos na circulação, deverá estar concluída nos próximos dias, e a obra prossegue na zona do Campo, onde será feita uma passagem hidráulica. No entanto, no outro lado da cidade, está prevista também um intervenção entre a entrada da Mata Rainha D. Leonor e o Chafariz das 5 Bicas, para prevenir as inundações que se verificam na zona da Praça da Fruta e Rainha. “O estudo foi feito, temos o caderno de encargos para lançar concurso, mas não o poderemos lançar pelos SMAS porque não temos Orçamento. Estamos a avaliar lançá-lo pela Câmara, mas causa-nos embaraço”, explicou Vítor Marques, referindo-se à obra que terá um valor estimado entre os 300 a 400 mil euros.
Outra obra que o executivo gostaria de começar é a da construção de uma ETAR. O caderno de encargos está pronto a ser lançado e aguarda a decisão ministerial de interesse público nacional, para poder ser construída em zona de Reserva Ecológica Nacional (REN). “Era importante que acontecesse agora porque a intervenção está calendarizada na Agência Portuguesa do Ambiente (APA) como prioritária. Abriu um aviso, no valor de 30 milhões de euros, para estas intervenções. Na área de abrangência da OesteCIM há apenas duas ETARs abrangidas e uma delas é a nossa”, disse o autarca sobre a obra que custa cerca de seis milhões de euros.
Vítor Marques admite que, da parte do executivo, a haver nova proposta para aprovação do Orçamento do SMAS para este ano será para conseguir apoio para a obra da ETAR. “Gerimos nas condições que nos criaram, mas lamentando, porque poderíamos fazer melhor”, reconheceu à Gazeta das Caldas.
Para os líderes das bancadas do PSD e do PS na Assembleia Municipal, Paulo Espírito Santo e Pedro Seixas, respetivamente, os últimos seis meses de funcionamento dos SMAS não diferem daquilo que tem sido o seu funcionamento habitual, destacando o “empenho e competência” dos seus trabalhadores.
Paulo Espírito Santo diz mesmo que “não se fez mais em 2022 e 2023, anos em que existiam orçamentos aprovados, do que aquilo que se está a fazer agora”, destacando que “continuam a existir condições para assegurar o fundamental da sua atividade, bem como para a execução de investimentos como aquele que está a ser realizado junto da entrada Norte da cidade”.
Pedro Seixas (PS) considera que a rejeição fez “desacelerar a política de investimento nos serviços, nomeadamente a construção da nova ETAR das Caldas da Rainha”, que considera ser um grande investimento para o município. “Sendo esse investimento plurianual, ficam comprometidas as políticas e estratégia assumidas anteriormente”, entende.
Para o líder da bancada VM, António Curado, o chumbo do orçamento dos SMAS teve impacto, “criando incertezas e instabilidade, com repercussão negativa na imagem pública desse organismo”, que diz não ser merecida. “A boa gestão e o rigor das contas públicas do SMAS não deviam merecer esse voto contra da oposição PSD, como aconteceu por duas vezes na Assembleia Municipal”, considera, acrescentando que, se em termos de gestão dos serviços não houve grande impacto até agora, o mesmo “pode não acontecer no segundo semestre do ano”. Já a capacidade de investimento ficou prejudicada, dando como exemplo as candidaturas em aberto para a construção da nova ETAR. “Isso implica seguramente uma solução que não se compadece com um mero orçamento de gestão corrente. Penso que nenhuma das forças políticas quererá que esses investimentos fiquem prejudicados”, concretizou.
Tentativas de entendimento?
A cobrança de uma taxa aos munícipes com fossa sética, sem ligação do saneamento à rede pública, continua a ser a base da discordância entre PSD e o executivo, do VM. Paulo Espírito Santo (PSD) lembra que fizeram algumas propostas para “solucionar” a questão, como uma recomendação de suspensão da cobrança desta taxa (acompanhados pelo PS), que, “apesar de aprovada na Assembleia Municipal, nunca foi considerada e muito menos executada pela Câmara Municipal, que continuou a optar pela sua cobrança”. Também proposta foi a redução da taxa cobrada, que baixou à comissão do Ambiente e continua a aguardar a sua discussão no plenário da Assembleia Municipal. Após o chumbo do Orçamento existiu mais uma reunião da 3.ª comissão da Assembleia Municipal, onde o PSD manteve a sua posição e solicitou que “fosse pedido um parecer jurídico independente sobre a legalidade da aplicação desta taxa, que até à data não temos conhecimento de ter sido solicitado pela Câmara Municipal”. Paulo Espírito Santo reitera que para o PSD “continua a ser fundamental uma avaliação através de um parecer jurídico sério e independente”.
Na opinião do socialista Pedro Seixas, o presidente da Câmara, que é também o presidente do Conselho de Administração dos SMAS, deveria encetar todos os esforços para uma tentativa de entendimento. Lembra que o PS tem vindo a alertar para a necessidade de “criar convergências e, sobretudo, diálogo sobre este tema”, fazendo notar que o município “não pode chegar ao final do presente ano e estar na iminência de um novo chumbo do Orçamento”.
Para o Partido Socialista, que se absteve no orçamento, é “evidente que não haver uma resposta objetiva legal sobre a aplicação desta taxa de saneamento a quem não tem o serviço, é uma injustiça” para os munícipes que a têm de pagar. “A inércia criada em torno deste assunto pelo executivo, prejudica as pessoas e sobretudo as populações das freguesias rurais e alguns territórios das freguesias urbanas”, concretiza Pedro Seixas.
António Curado (VM) salienta as reuniões, esclarecimentos (nomeadamente vindos da direção do SMAS) e procura de soluções e contactos com as entidades reguladoras nacionais (ERSAR) como tentativas de entendimento por parte da Câmara. Considera que as diretrizes da ERSAR, na altura, foram desconsideradas pelo PSD e que foi uma “oportunidade perdida” não ter sido tudo esclarecido na devida altura com as autoridades competentes. Acredita, no entanto, que se vierem a ser necessárias conversações para que, sob alguma forma (orçamento retificativo, autorização única de investimento, o que seja), se possa avançar com os investimentos necessários, nomeadamente na ETAR, “que o PSD não se oporá e que não quererá pôr em causa esses investimentos”, concretiza António Curado. ■
“É muito preocupante o número de fossas sem o tratamento devido”
Das 4000 fossas séticas existentes, cerca de 2500 não estão a ser limpas, estimam os serviços municipalizados caldenses
Em 2023 os serviços dos SMAS realizaram 1.199 despejos em fossas sépticas. Este ano, até 15 de junho, já foram feitos 581 despejos, o que leva os serviços a acreditar que o número poderá ultrapassar o do ano passado, e muito superior ao de 2022, ainda no regime anterior, em que foram limpas 477 fossas. De acordo com os SMAS atualmente existe um incremento 2,5 superior ao que se verificava quando alguns clientes estavam isentos. E foram isentados do pagamento da tarifa variável 71 clientes por terem fossa séptica biológica devidamente licenciada.
No concelho estão identificadas 4000 fossas e, ainda que algumas casas não estejam habitadas, “em relação às limpezas, se estimarmos 1500 durante este ano, ainda há um grande número, cerca de 2500, que não são tratadas”, reconhece Vítor Marques. O autarca salienta que é “muito preocupante o número de fossas que não estão a ter o tratamento devido”, tendo em conta que única entidade com competência para garantir o serviço são os SMAS. “Continuamos a ter fossas que estão a ser descarregadas para os terrenos e outras que são despejadas por entidades que não têm competência para o fazer”, denuncia, acrescentando que as entidades competentes, nomeadamente a APA, PSP e GNR estão a agir nas situações que vão sendo detetadas. “A nossa intenção é corrigir uma coisa que está a ser mal feita”, insiste o autarca, reiterando que os que estão a fazer a limpeza não pagam mais do que pagariam antes. “Só estão a pagar mais aqueles que já antes não faziam limpeza e hoje continuam a prevaricar”.
Atualmente os SMAS possuem 187 funcionários (mais 116 do que em 2014) e estão a abrir concurso para mais 12 assistentes operacionais, sendo que três lugares são para motoristas. Para este aumento do número de trabalhadores também contribuiu o alargamento de áreas de intervenção dos serviços que, além da água e saneamento, passaram a ter a seu cargo a recolha dos resíduos sólidos urbanos (RSU). ■