Padre Filipe Sousa deixa as Caldas após 13 anos como pároco e capelão do Hospital

0
742
O capelão deu missa na Igreja do Pópulo nos últimos anos. Diz que terá saudades deste templo

Filipe Sousa vai mudar-se para a Grande Lisboa, após 13 anos nas paróquias de caldenses e também deixa a capelania do Hospital. Veio com 26 anos e parte agora para outras paragens com o sentido de dever cumprido

Filipe Sousa, 41 anos, é natural do concelho de Vinhais, veio para as Caldas a pedido do bispo de Lisboa, em 2009 quando foi nomeado pároco de Salir de Matos e do Carvalhal Benfeito. É um dos cinco padres que partem agora para novas paróquias, após 13 anos de vivência no concelho das Caldas.
Em 2011, o também caldense e cardeal patriarca, D. José Policarpo pediu-lhe que assumisse funções na capelania do Hospital, sucedendo ao padre Eduardo Gonçalves. O pároco deixou o Carvalhal e, em 2015, passou a assumir a paróquia do Coto, até agora.
Por cá celebrou casamentos, batizados, bençãos e fez “muitos mais funerais”, disse Filipe Sousa à Gazeta das Caldas. O pároco conta que ao longo destes anos pôde constatar “a dedicação das pessoas à terra e à comunidade…Aprendi muito com gente genuína”.
Salir de Matos é a paróquia que conhece há mais tempo e que tem uma grande festividade. É a festa do Santo Antão que acontece em janeiro. Nesta festa, também ligada à paróquia, “houve anos em que chegámos a vender acima de quatro mil quilos de chouriço…É algo avassalador”, disse sublinhando que experienciou nesta localidade o espírito comunitário e de entrega da população local à paróquia “na preparação das mais variadas tarefas necessárias para a execução dos chouriços”.
Já no Carvalhal Benfeito a festa da localidade é organizada pela paróquia, decorre em agosto, e tem como atração o frango assado. “Vendem-se 500 frangos assados por noite. Nas boas noites até se supera tal número!”, afirmou o padre.
O salão enche-se com grande facilidade e os locais estão a servir os convivas “sem receber nada em troca, só na perspetiva de ajudar para a terra e para a paróquia”.
As pessoas da localidade vivem da agricultura e da apanha da fruta e, depois de um dia de trabalho, “ainda vão ajudar na festa, a servir às mesas e no bar”. O adro da Igreja enche-se de gente que vem participar nas festividades.
Nas duas freguesias, Filipe Sousa considera que “a paróquia agrega as pessoas”.
O mesmo acontece no Coto, onde também a paróquia organiza a festa do chouriço pois foi necessária a angariação de fundos para a construção de uma nova igreja. Hoje na festa do Coto chegam a ser transacionados cerca de mil chouriços.

No Carvalhal, o pároco acompanhou a manutenção e consolidação da Igreja e dos espaços que são partilhados pelo Centro Social e Paroquial.
Em Salir de Matos, Filipe Sousa acompanhou a consolidação da área onde se faz a festa e a criação de um centro pastoral, tendo começado pela aquisição de terrenos em volta da igreja pois antes “não havia espaço para crescer”.
Conta que existia um projeto prévio para um centro pastoral, que foi reformulado, e hoje possui uma grande cozinha, sala e refeições e um espaço multiusos onde além da festa, serve para atividades da população como, por exemplo, para prática desportiva.
“Foi uma obra importante pois durante vários anos, fez-se a festividade numa tenda onde tudo funcionava lá …no mês de janeiro”, contou Filipe Sousa acrescentando que aquela “era uma obra urgente e conseguimos fazê-la”.
Ainda em Salir, além da remodelação do centro paroquial foi agora remodelada a capela mortuária que reabriu em junho passado. Teve várias obras de melhoramento numa intervenção que custou 40 mil euros. Segundo o padre, a paróquia de Salir de Matos também se envolve nas tasquinhas, na organização mensal de almoços e na venda de pão ao domingo. “Esperemos que esta se consiga manter pois não está fácil…. “. Faltam pessoas para ajudar a fazer e a vender o pão ao domingo que são feitos em fornos da paróquia. E deixa um alerta: as aldeias estão a perder população. “E mesmo os casais novos que vivem nestas terras têm o seu trabalho noutras localidades”, referiu. Há alguns grupos de estrangeiros que aparentemente trazem vida às localidades mas são poucos em relação aos que saem para viver nas cidades.

Vulneráveis no hospital
Filipe Sousa tem um quotidiano bem preenchido nas Caldas. Dá duas a três missas por dia e, durante a semana, vai ao Coto (à Igreja Paroquial e às capelas) e em Salir de Matos, onde passa pelas igrejas e capelas. Vai a Barrantes, às Trabalhias, Casal da Areia e também aos lares.
Também cumpriu o seu papel como capelão do Hospital das Caldas, lembrando que os sacerdotes tiveram sempre uma presença assídua e histórica no hospital termal, desde tempos idos com a presença de frei Jorge de S. Paulo que pertencia aos Loios.
“Hoje a sociedade mudou e nos hospitais já não é prioridade ter um padre…Veja-se… Se nem há médicos suficientes…”, ironizou Filipe Sousa acrescentando que há pacientes que continuam a pedir para chamar o capelão.
No hospital, as pessoas “estão muito vulneráveis” e segundo Filipe Sousa as equipas de profissionais “têm feito um trabalho de grande humanidade, que vai muito para além da técnica”. As pessoas confiam no outro e “sabem que podem falar, depositando as suas vidas e histórias no padre ou no pessoal que as acompanha”.
Nestes 13 anos, constatou grande dedicação das equipas que tentam que o hospital possa ser mais próximo de uma casa. “Não é um lugar tenebroso com seringas e de onde só vêm as más notícias”, referiu acrescentando que é antes um lugar “onde somos tratados por boa gente, preocupada com o outro”. Mesmo com todas as lacunas que existem, “a entrega das pessoas supera, de facto, as falhas”.
O início do seu trabalho na capelania não foi fácil e o padre Filipe Sousa ainda se lembra da primeira pessoa, uma mulher que acompanhou e que foi vítima de doença oncológica.
“O sentir da despedida da pessoa foi algo que acompanhei pela primeira vez…”, disse o capelão recordando que a morte é uma rutura e “é sempre algo para a qual não estamos preparados”. Depois teve que arranjar forma “de fazer o que me era pedido e, depois, mentalmente, remeter para Deus o resto da tarefa…”.

“As pessoas não têm rótulos”
Filipe Sousa é defensor da família tradicional e também considera que deveria existir mais apoios para estas terem filhos.
Constata que hoje há muitas separações e divórcios e até “a própria catequese teve que se adaptar pois os pais nem sempre vivem na mesma localidade”, contou.
Sobre o Papa Francisco, Filipe Sousa referiu que este “segue a linha de seus antecessores, tem grande empatia e facilidade em chegar às pessoas, como vimos na Jornada do ano passado”. Na sua opinião, o Santo Padre não tem fechado as portas ao diálogo. Tem recebido e aberto aos fieis homossexuais por exemplo, algo que Filipe Sousa concorda pois desta forma o Papa Francisco tem mostrado que “a misericórdia de Deus é maior do que as diferenças”.
Para o pároco, “a Igreja não discrimina, mas antes reúne e agrega”. Seja quem for, para Filipe Sousa “as pessoas não têm rótulos e todos são bem vindos na Casa de Deus”.
Para Filipe Sousa, a pedofilia é crime e, na sua opinião, houve grande avanço com o seu reconhecimento na Igreja. “Acordamos para o problema que está na sociedade e deu-se um grande passo no assumir da culpa”, disse o pároco. “A Igreja reflete aquilo que vive o mundo, não está à parte dele”, disse o sacerdote que, no entanto, reconhece que “a comunicação pode não ter sido a mais feliz por parte da hierarquia”.
Foram dados passos importantes em relação ao assumir o problema “que é uma vergonha, um grande escândalo que não deveria existir”. De qualquer modo, “não podemos ter a presunção de que vamos acabar com a pedofilia, temos é que criar estruturas para prevenir”.
Questionado sobre o casamento dos padres, Filipe Sousa não concorda mas vê como fulcral o apoio entre pares e a vida em comunidade com outros padres, o acompanhamento de bispos e vigários episcopais. Uma boa memória que leva das Caldas foi quando viveu na casa dos padres, entre 2009 e 2015 pois “nunca me senti desamparado”.
Acha que as mulheres devem ter um papel ativo na paróquia e na Igreja sem ter propriamente que passar pelo sacerdócio. “Creio que podem exercer os mais variados cargos ligados à Igreja sem serem padres”, disse.
Ao longo destes 13 anos, as problemáticas que encontrou foram idosos a viver isolados e preocupa-o que algumas pessoas percam os laços familiares por causa de zangas.
Filipe Sousa foi pároco, capelão e também vigário nesta região do país. “Muita da minha vida enquanto pároco foi passada aqui nas Caldas”, disse à Gazeta acrescentando que poderia ter feito mais atividades pois “podemos sempre fazer mais coisas”.
Diz que leva boas memórias desta região, que passará por cá mais vezes e crê que agora o principal “é acolher bem o meu sucessor”, disse Filipe Sousa.
O novo pároco, José Dionísio irá viver na “casa dos padres”, próximo do Tribunal, que é algo que Filipe Sousa considera como uma das boas memórias já que viveu nessa habitação entre 2009 e 2015 com outros párocos.
“Guardo boa memória de viver em comunidade com os outros sacerdotes, acho que há ali uma família que acabamos por formar”, rematou o sacerdote. ■