Relegada para segundo plano devido às autárquicas, o Orçamento de Estado e os incêndios, a situação na Catalunha continua incerta, não se sabendo como terminará o braço de ferro entre os governo catalão e o do estado espanhol.
Gazeta das Caldas falou com dois jovens da região que residem em Barcelona e que nos dão a sua visão sobre os dias épicos que se vivem na capital daquela região. São só dois testemunhos, mas é provável que o título que escolhemos se aplique à maioria dos portugueses que ali vivem e que inevitavelmente se deixarão contagiar pelo ambiente ali vivido.
Gonçalo Brito é da Benedita e vive há 10 anos em Barcelona |DR
“O que está errado é impedir as pessoas de se pronunciarem”
A viver em Barcelona há dez anos, Gonçalo Brito, natural da Benedita, diz que se habituou à questão catalã e sempre coexistiu com ela sem problemas. “Há dez anos que oiço falar neste desejo da independência e que assisto às manifestações, aos encontros e desfiles e decorrem todos de uma forma pacífica, com gente a cantar e sem qualquer agressividade” disse à Gazeta das Caldas, acrescentando que só há problemas quando Madrid responde.
Ele próprio, e até porque está casado com um catalão, costuma participar no dia 11 de Setembro na Diada, a grande manifestação que celebra a Catalunha. “É o Dia da Catalunha, não é o Dia dos Independentes. O que se passa é que grande parte dos manifestantes são independentistas e quem está fora pensa que é uma manifestação pela independência”, refere, sublinhando que nestes dez anos esta manifestação de exaltação nacionalista foi sempre pacífica e vivida de forma simpática e alegre.
“Mas ultimamente comecei a pensar mais neste tema porque as coisas complicaram-se. Como não sou catalão nem espanhol não tenho uma opinião definitiva, mas acho que deveria haver o direito de votar. Não concordo que o tenham proibido. Afinal houve dois milhões de pessoas na rua a gritar pelo “sim” à independência e há países com menos população. Mas também é certo que os que são a favor do “sim” manifestam-se mais do que os do “não”. Por isso, até pode acontecer que se houver um referendo o “não” ganhe. Não sei. Mas o que está errado é impedir as pessoas de se pronunciarem”.
Apesar destas convulsões na Catalunha, Gonçalo Brito não teme pelo futuro. Designer gráfico de profissão, trabalha em Terrassa, a uma hora de Barcelona. Na viagem diária de uma hora de comboio que o leva ao emprego, nota que as pessoas estão agora mais apreensivas, agarradas aos telemóveis e tablets, suspensas nas notícias. Mas diz que não teme pelo futuro. Diz que ele e o marido já pensaram em vir viver para Portugal, mas não devido ao problema político na Catalunha. Essa questão, diz, não condiciona para já o seu futuro.
Carlota Figueiras, do Bombarral, vive em Barcelona há oito anos DR
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“Uma luta emocional de pessoas e famílias que nunca se sentiram parte de Espanha”
A bombarralense Carlota Figueiras, de 29 anos, vive há oito em Barcelona e começa por dizer que “tudo isto é muito mais emocional do que político”. Para si, para o seu dia a dia, as vicissitudes que a Catalunha atravessa não a têm afectado muito, a não ser as perturbações normais das manifestações pois trabalha no centro da cidade, na Praça da Catalunha, que é o palco do muito que acontece em Barcelona. “É claro que tudo isto, as manifestações, a greve geral, têm impacto e criam incerteza, mas nunca medo. Aqui em Barcelona as pessoas sempre se manifestaram de forma pacífica. Foram os meios de comunicação espanhóis (os não catalães) e internacionais os que passaram uma imagem errada da situação”.
A viver com o namorado desde há seis anos, Carlota Figueiras admite que o facto de o seu companheiro ser pró-independentista a pode influenciar na sua opinião pessoal sobre a independência da Catalunha. “Mas procurando ser imparcial, por aquilo que oiço e leio, e pelo que é comentado dentro do meu grupo de amigos e de trabalho, eu não sou a favor nem contra. Sendo estrangeira não posso pôr-me na situação dos catalães que nasceram e viveram toda a vida na Catalunha. Isto não é só um tema económico e político, é também uma luta emocional de pessoas e famílias que nunca se sentiram parte de Espanha. Acho que todos têm direito a ser ouvidos de uma forma correcta e respeitadora. Por isso, é necessário realizar um referendo legal que tire a prova dos nove e a partir de aí poderemos falar de maiorias”.
No entanto reconhece que o actual governo de Espanha, pela sua intransigência, não é propriamente o mais indicado para dialogar e para gerir um processo deste tipo.
A sua experiência de oito anos na Catalunha diz-lhe que é preciso perceber as pessoas e as suas emoções. “Se a nossa História tivesse sido diferente, se nós portugueses tivéssemos perdido a independência, se calhar também sentiríamos o mesmo que os catalães têm sentido ao longo de todos estes anos… Não julguemos o que não vivemos”, diz.
Carlota Figueiras trabalha numa empresa internacional de eventos que, curiosamente, se chama 0034Spain (34 é o indicativo de Espanha). Um nome que dificilmente sobreviveria numa Catalunha independente. A empresa já teve alguns eventos cancelados devido à instabilidade que se vive na região, mas a jovem não receia pelo futuro porque, seja qual for o desfecho desta crise, Barcelona será sempre a cidade com mais visitantes de Espanha e com mais eventos. Quanto muito poderá é mudar a sua sede para Madrid. “Mas os postos de trabalho não estão em risco porque continuaremos a trabalhar aqui”, diz.