
A proximidade entre os jornalistas dos meios regionais e as fontes pode ser uma vantagem no acesso à informação, mas também existe um efeito pernicioso nesse relacionamento. Afinal, o visado de uma qualquer notícia pode viver no mesmo prédio ou fazer compras na mesma loja…
A presidente da Câmara de Torres Vedras foi professora de Joaquim Ribeiro, mas o diretor do “Badaladas” garante que essa ligação não se reflete nas páginas do jornal e que a própria Laura Rodrigues, com quem aprendeu Biologia no secundário, nunca lhe ligou “por causa de uma notícia”. Porém, esta pode ser a exceção à regra, pois a relação entre os jornalistas dos meios regionais e as fontes, sobretudo as políticas, tem um longo histórico de confronto.
No “Badaladas” raramente há “problemas”, mas o excesso de proximidade pode ser, ele mesmo, um risco acrescido para quem quer fazer jornalismo à porta de casa. “Proximidade há muita, não sei se é em excesso, mas acaba por ser normal, porque as pessoas conhecem-nos e damos notícias de vizinhos para vizinhos”, explica o recém-nomeado diretor de um dos jornais de maior circulação no Oeste, explicando que os leitores se deslocam à redação ou, então, encontram os jornalistas “no café ou nas compras”.
“Desde que façamos bem o nosso trabalho, não temos nada a temer”, considera o jornalista, que iniciou a carreira depois de frequentar um curso de jornalismo regional no Cencal (1986), e que diz que “as fontes mais complicadas são sempre as que têm a ver com política”. “O partido A diz que damos mais atenção ao partido B e o C diz que damos mais atenção ao B, mas deve ser assim em todo o lado”, sublinha Joaquim Ribeiro, que já foi alvo de processos, tal como o jornal, mas acabou sempre absolvido. Claro está que, ao longo destes anos, ficaram episódios e “pessoas que reagiram mal”. Mas nada que não se ultrapasse com parcimónia. “Já recebemos mensagens duras, mas nada de ameaças. Mas recordo-me de um candidato de um partido que media as notícias com uma régua”, relembra o jornalista, que fica mais incomodado com as teorias da conspiração. “Na campanha eleitoral senti alguma injustiça, mas o que mais custa é cometermos um erro e pensarem que o fazemos de propósito”, frisa.
Mexer com a vida política local foi o que fez o jornal digital Médio Tejo, fundado em 2015 por uma jornalista que tinha vasta experiência em meios nacionais, mas que decidiu voltar às origens, no Tramagal. Depois de fazer grande reportagem e conhecer o mundo, Patrícia Fonseca queria “fazer a diferença” na região onde nasceu e, dois anos depois de criar um jornal que serve 17 concelhos, conseguiu uma… proeza. “Em Ferreira do Zêzere nunca tinha havido um debate autárquico e conseguimos encher um cine-teatro, porque as pessoas queriam ouvir os candidatos”, explica a antiga editora da “Visão”, que dirige uma equipa com mais seis jornalistas e, nas últimas autárquicas, voltou a organizar debates em todos os concelhos que cobre, procurando cumprir esse papel de pluralismo que tantas vezes falta, sobretudo no interior.
Foi ao lado do irmão, Mário Rui Fonseca, jornalista da Lusa, que Patrícia Fonseca desenvolveu o Médio Tejo. Em paralelo com a função de repórter da “Visão”, que desempenhou até abril de 2020, quando decidiu demitir-se, porque queria fazer a diferença “no quintal” onde nasceu. “Diziam-me que estava maluca, mas acredito que esta profissão, para ser vivida como entendo que tem de ser, precisa de uma certa dose de loucura, pois fazer notícias não é o mesmo que fazer sapatos. O jornalismo tem de ter um sentido de missão e dedicação. É uma profissão que não tem horários e há, inclusive, riscos físicos”, sublinha a jornalista, que obtém a grande recompensa quando percebe que aquilo que faz, “com todas as limitações, faz a diferença na vida das pessoas”.
A sustentabilidade financeira de um projeto digital é um dos maiores desafios que o Médio Tejo enfrenta, mas foi um risco calculado, pois os custos de impressão e distribuição inviabilizaram a opção pelo papel. “Além disso, não temos investidores”, nota a diretora, que é o “faz-tudo” de uma empresa que também edita livros sobre história local, por forma a obter mais receitas. E como é o relacionamento com as fontes?
“Esta opção de não cobrirmos apenas um concelho deu-nos muita liberdade e uma certa desconfiança inicial foi ultrapassada”, sublinha Patrícia Fonseca, que nunca sentiu, verdadeiramente, pressões sobre o que se escreve no jornal. “O que sentimos, algumas vezes, não é uma pressão, mas quase uma perplexidade, sobretudo quando ligávamos a pedir uma reação a uma notícia”, frisa a repórter, recordando uma peça sobre poluição no Rio Almonda. “Ligámos para a empresa que se suspeitava era a origem do foco e houve uma reação do género: ‘vão fazer notícia com isso?’ Há jornais em Torres Novas, mas ficaram calados…”
Nuno Francisco dirige desde 2013 o “Jornal do Fundão” e também lida, diariamente, com “as vantagens e desvantagens” do jornalismo de proximidade. Mas, no final do dia, faz um “balanço positivo” dessa “moeda com duas faces”. “É extraordinário, porque estamos mais próximos das pessoas e das fontes, mas também estamos próximos daqueles que são visados pelas notícias”, nota o jornalista, observando que “nem todas as pessoas gostam ou apreciam o que sai no jornal”. “Por vezes somos confrontados, de vez em quando há uns telefonemas ou e-mails mais exaltados, mas nunca recebemos ameaças físicas, nem nada do género”, assevera o também professor na Universidade da Beira Interior.
Com uma equipa de sete jornalistas, o “Jornal do Fundão”, que chegou a ver a publicação suspensa por seis meses pelo Estado Novo devido a uma notícia, é uma referência na luta pela liberdade de imprensa. Nuno Francisco garante que os jornalistas que lidera “não são alvo de pressões”, nomeadamente dos políticos. “Ficam muitas vezes incomodados, podem manifestar desagrado, mas nunca houve ameaças físicas, pelo que, apesar de estarmos mais expostos, esta não é uma profissão de risco”. Pelo menos, físico. ■
Abrir o debate em torno do futuro da imprensa regional
Diretor do “Jornal do Fundão” considera que é chegado o momento de discutir o tema
O diretor do “Jornal do Fundão” considera que a imprensa regional “recomenda-se sempre”, mas há “muitos jornais que vivem numa fase económica muito débil, comprometendo a sua função social”. Nuno Francisco diz que é importante abrir o debate em torno do futuro do setor.
“A imprensa regional vive grandes desafios, nomeadamente do digital. No papel sabemos como rentabilizar o produto, mas não há receitas para o online”, sustenta o jornalista, para quem é fundamental que “estas questões se comecem a discutir seriamente”.
A fragilidade financeira das empresas de comunicação social é notória nos despedimentos e encerramentos de títulos, mas não pode haver margem para quebrar certas regras.
Para Patrícia Fonseca, muitas vezes são os jornalistas dos meios regionais “que se auto-censuram”. Mas é preciso combater esse estigma. E dá exemplos de como é possível mudar o paradigma. Para a diretora do Médio Tejo há limites intransponíveis: “Nunca nos cortaram publicidade, nunca nos recusaram uma declaração, mas a porta da ‘palavrinha’ do presidente ou empresário ao diretor nunca se pode abrir”.
O “Badaladas” é propriedade da Fábrica da Igreja Paroquial da Freguesia de São Pedro e Santiago de Torres Vedras, mas o diretor, que é funcionário do jornal há 34 anos, garante que nunca se sentiu pressionado pela administração.
“Regra geral não nos condiciona, só se envolver algum escândalo, mas não omitimos nada”, sublinha Joaquim Ribeiro, recordando que, aquando do referendo pela legalização da interrupção voluntária da gravidez, na década de 1990, o semanário “foi a alguns debates”, falhando apenas aqueles em que “se sabia que o pluralismo não estava assegurado”. O jornal tem duas páginas de noticiário religioso, mas de resto “não há influência” da igreja. De resto, o jornalista só se recorda de um “problema com um anúncio meio erótico”, mas que, ainda assim, “foi publicado”. Apesar das reservas do padre. ■