Na ESAD há estudantes de norte a sul do país, e alguns até do estrangeiro. A maioria sai da casa dos pais para vir viver para as Caldas da Rainha. O Parque D. Carlos I é um dos espaços de eleição dos alunos, até porque fica no centro e relativamente perto da escola. À noite encontram-se na Praça dos Bares, uma designação que está a sobrepor-se à Praça 5 de Outubro e que deixa cada vez mais longe a antiga nomenclatura de Praça do Peixe.
Todos os estudantes com quem falámos levam das Caldas da Rainha boas recordações, apesar de não encontrarem na região boas perspectivas de emprego.
“Nunca tive uma experiência que ensinasse tanto tão depressa”
Soraia Martins
20 anos – Wiltz (Luxemburgo)
Soraia Martins, de 20 anos, está no 2º ano de Artes Plásticas na ESAD. Filha de emigrantes, nasceu em Wiltz, no Luxemburgo, onde viveu até há um ano. Depois fez uma viagem de mais de 2000 quilómetros até às Caldas.
Quando chegou, na segunda fase do concurso, já tinha um mês de atraso nas aulas em relação aos colegas, o “que não ajudou nada”.
Na altura o pai veio trazê-la e ajudou-a a encontrar uma casa: um T1, onde vive sozinha desde então. Veio para as Caldas, primeiro porque “na cidade onde vivia não havia curso de artes”, o que a levou a ponderar vários locais, como a Alemanha ou a França, e depois porque “queria uma experiência diferente do Luxemburgo”. Por isso escolheu Portugal.
Foi a primeira aventura fora de casa dos pais. “No início foi hiper difícil pois só estar separada já era muito, ainda para mais num sítio que não conhecia e onde não conhecia ninguém”.
Morar sozinha trouxe como novidade a gestão das despesas, o ter de ser ela a pagar as contas. De resto, na gestão de uma casa diz que “já sabia fazer tudo”.
A renda é o que lhe leva mais dinheiro, mas a jovem estudante diz que gere bem o seu orçamento. Para isso poupa, por exemplo, cozinhando. Costuma fazer as compras no supermercado mais próximo de casa.
“Nos tempos livres adoro ir ao Jardim da Água e passear pela cidade”, disse a estudante, que nas Caldas encontrou “uma cidade artística, onde além das galerias e dos museus, há arte pelas ruas”.
No último ano foi a casa apenas no Carnaval. Nas férias de Verão também, mas para trabalhar. Quando vai, de avião, demora duas horas e meia e gasta entre 200 a 300 euros por voo.
A família veio passar a época natalícia com Soraia, que assim deu a conhecer as Caldas à mãe e à irmã. “E até já levei um requeijão para o meu pai porque lá não há destes”, contou.
Confessa que ainda se está a adaptar a “este estilo de vida, porque é totalmente diferente… O clima, os horários, a maneira como as pessoas se comportam e se vestem, o ambiente… É tudo novo!”.
Nas pessoas a maior diferença que sente é que “aqui ajudam-se mais e são mais abertas, não são tão isoladas quanto lá, onde há mais competição”.
Admite, assim, que está a gostar da experiência: “cá as pessoas são mais calmas e menos frias, sentem menos stress”. Já quanto à comida, “é diferente, mas eu gosto mais da de cá, é mais saudável”.
A tecnologia ajuda a matar as saudades, pelo que usa frequentemente o Skype para falar com família e amigos.
Num balanço da aventura, afirmou nunca ter tido “uma experiência que ensinasse tanto tão depressa: aprendi sobre mim, sobre o mundo, as pessoas…”
“A Praça da Fruta é um milagre”
Diogo Aguiar
21 anos – São Miguel (Açores)
A ligação do açoreano Diogo Aguiar às Caldas começou em 2011, quando fez uma viagem para percorrer Portugal. Na altura ficou alojado nas Gaeiras, em casa de uns amigos dos pais. Pouco tempo depois, ainda nos Açores, teve uma professora no secundário que havia acabado de se formar na ESAD. Além disso, um amigo dele que tinha tirado um curso de teatro cá, também lhe tinha falado “muito bem da escola e da cidade”, contou.
Como não queria ir estudar para uma grande cidade como Lisboa ou Porto, decidiu vir para as Caldas naquela que foi a primeira experiência fora de casa dos pais.
Quando chegou, a mãe ajudou-o a encontrar casa. Viu três diferentes e encontrou a solução. Ficou alojado com três alunos de terceiro ano, bem em frente ao Parque. “Foi espectacular viver na Rua de Camões”, confidenciou. Este ano mudou-se para perto da Rainha, em busca de melhores condições. Quanto aos preços, acha que são razoáveis.
Em termos de alimentação diz que nas Caldas “não há razão nenhuma para ficar mal alimentado”. Isto porque “a Praça da Fruta é um milagre, com produtos de óptima qualidade a baixo preço”.
O jovem, que costuma cozinhar, anda a pé pela cidade. “Comecei a restaurar uma bicicleta, mas ainda não acabei…”, contou.
A escola “oferece todas as condições”, afirmou, defendendo que a distância que existe entre a ESAD e a cidade é “apropriada”. Crê que “muito pelo trabalho dos estudantes, a cidade tem portas abertas para expor os trabalhos porque reconhece potencial na ESAD”.
Considera que “visualmente, as Caldas é o parque” e é lá que passa grande parte do seu tempo livre. Mas também gosta de ir à esplanada do café Central. De noite, às quintas-feiras o destino é a praça dos bares. Acerca da falta de espaços de diversão à noite, considera que “a calma nocturna beneficia o trabalho dos estudantes”.
Diogo Aguiar destacou o espírito estudantil das Caldas. “É uma coisa que eu nunca tinha experienciado”, disse.
O orçamento não é um problema. “Sou uma pessoa simples e tenho muito respeito pela oportunidade que me estão a dar para estudar aqui”, disse. Além da renda e despesas com gás, luz e água, vive com cerca de 60 euros por semana para alimentação e material. No entanto, admite, “na altura de finalizar os projectos é mais difícil gerir porque tem um impacto forte na rotina”.
A bolsa, que ajudou a pagar as propinas, foi uma ajuda importante para um jovem que vai a casa apenas no Natal e no Verão, gastando cerca de 250 euros por viagem de ida e volta. Dos Açores traz queijos, licores, enchidos e chá, entre outros produtos.
Este estudante acha que as Caldas é uma cidade artística pela História e pelas actividades que os jovens aqui dinamizam. E possui um conjunto de infraestruturas culturais e obras de arte no espaço público que gosta de conhecer.
Ainda assim, “as Caldas são três anos de licenciatura, é só uma etapa”. Pretende voltar para os Açores, fazer um estágio e depois um mestrado noutro país da Europa.
“As Caldas é uma passagem”
Bruno De Marco
21 anos – Cruzeiro do Oeste (Brasil)
Bruno De Marco nasceu no Brasil, mas desde os 14 anos que vive em Portugal. Fixou-se em Lisboa, onde frequentou a escola António Arroio. “Lá chamamos a ESAD de Segunda Arroio porque há muitos estudantes de lá a virem para a ESAD, tal como da Soares dos Reis, no Porto”, contou.
Por isso já conhecia a escola de nome e tinha colegas que já aqui haviam estudado. “Vim mesmo pela escola, as Caldas foi uma surpresa, porque não tinha noção da importância histórica da cidade”, afirmou.
Antes de vir para as Caldas já vivia há dois anos sozinho, pelo que a mudança não foi um choque.
Veio viver com dois colegas para perto da ESAD, mas este ano mudou de casa para mais longe da escola, mas mais perto do centro.
“Encontrar casa nas Caldas é uma batalha”, contou o jovem, que viu mais de 20 apartamentos antes de se fixar num. “Ou não aceitam estudantes, ou não aceitam animais, ou pedem muito dinheiro por casas com poucas condições”, fez notar.
Além disso, no início do ano a oferta é grande, mas “mudar a meio do ano é quase impossível”. Por outro lado, “as residências não têm condições, não há privacidade, são longe do centro e da escola e não são em zonas seguras”.
Em relação ao preço das casas diz que tem subido com o aumento da procura.
Das Caldas realça a Praça da Fruta onde vai “religiosamente uma vez em cada duas semanas, quando não é uma vez por semana”. Costuma cozinhar e ir à cantina e aí aponta melhorias: “antes não havia um prato vegetariano todos os dias, agora já há”.
Em termos de transportes anda a pé e de bicicleta, até porque “aqui é tudo muito perto e o Toma não é uma opção porque não é barato, muitas vezes está sobrelotado e anda atrasado”.
Quando não está na escola, este também estagiário do Teatro da Rainha, está pelo parque. “Gosto muito do Parque D. Carlos I e trabalho numa das esplanadas ao fim-de-semana, para ajudar a suportar as despesas”, contou.
Quanto à oferta nocturna nas Caldas “é minúscula, o que torna a noite das Caldas muito característica: as saídas à noite são tertúlias em que discutimos vários temas importantes”.
Do seu orçamento, a maior fatia vai para a renda da casa onde vive. O material para o curso de Artes Plásticas, por si só, já “é muito caro”. Acresce a isso que “a ESAD não vende muito do material que é necessário e as lojas que existem nas Caldas têm preços muito elevados e ficam muito longe da escola”, fez notar.
O jovem apontou ainda a falta de organização na escola e a falta de ligação com a cidade. Defende que deveria haver uma maior comunicação e abertura entre as instituições municipais e a ESAD, fazendo notar que há muitos espaços ao abandono que poderiam ser mantidos por estudantes, onde estes pudessem ter a sua zona criativa.
Bruno De Marco disse ainda que há “uma zona de prostituição ao lado de uma escola, um quartel e um canil”.
Depois da ESAD, pretende ir para Inglaterra, onde tem família. “As Caldas é uma passagem”, concluiu.
“Sinto falta da temperatura da Madeira”
Niza Gouveia
21 anos – Machico (Madeira)
Niza Gouveia nasceu em Machico, na Madeira, e veio estudar Design Gráfico e Multimédia na ESAD há dois anos. No primeiro frequentou as aulas em horário pós-laboral, no seguinte em horário diurno. “Foi difícil para mim, que sou muito apegada aos meus pais, vir para aqui sozinha, sem conhecer ninguém”, contou. Por cá encontrou “pessoas muito simpáticas e acolhedoras”.
Vive na residência de estudantes e, apesar de não ser mau, “se pudesse não vivia lá, principalmente porque não podemos receber visitas, porque de vez em quando há roubos de comida e problemas de internet”. Partilha o quarto e a casa de banho com uma colega. A cozinha é apenas uma para todas.
“Tenho-me dado sempre bem com as minhas colegas, tem sido bom”, avaliou.
Ainda assim, viver na residência permite que “nunca fique sozinha, que tenha alguém com quem partilhar as minhas coisas e desabafar”.
Para se alimentar, almoça na escola e cozinha o jantar em casa. “Nas épocas de maior stress é uma comida mais a despachar, não é tão saudável”, contou.
Nas Caldas começou a sentir falta do que tinha em casa. “Chegar a casa e ter os meus pais… e a temperatura da Madeira, que nas Caldas é complicado”, recordou.
Visita a família três vezes por ano (no Verão, no Natal e no fim do semestre). E regressa com comida congelada, batata doce e fruta das árvores da família.
Por cá costuma ir passear ao parque e à noite vai à praça dos bares.
Em termos de gastos, gere a bolsa para que chegue para a alimentação, o alojamento, as propinas e os materiais. “É um curso dispendioso, pelo que temos de gerir muito bem e aqui aprendi a gerir melhor”. O Estado reembolsa uma percentagem das viagens.
“Quando acabar a licenciatura, quero matar as saudades todas da terra e depois fazer mestrado, talvez nas Caldas, ou arranjar trabalho”.