ontem & hoje

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Postal Ilustrado, década de 1920 Espólio da Biblioteca Municipal das Caldas da Rainha (col. V. Trancoso)
Joaquim António Silva - 2013

Recordar é viver! O que dista entre a Foz do Arelho dos anos trinta e o tempo corrente constitui uma miscelânea de sentimentos e História, com estórias cujo significado não cabe na palavra saudade.
A rua que divide a Vila em toda a sua extensão tem atualmente um nome inolvidável, sendo a Rua Francisco Almeida Grandella uma justa homenagem ao Homem que em 1881, em Lisboa, foi o fundador da Loja do Povo que deu origem aos armazéns Grandella, e entre várias obras na Foz do Arelho, mandou construir a escola primária desta terra que hoje é Vila, local do seu perecimento a 20 de Setembro de 1934.
No início do século XX, também na Foz do Arelho, como ilustrado, havia a “Loja do Povo”, então propriedade de Manuel Pereira, o Manuel das Cebolas, que mais tarde emigrou para o Brasil, tendo vendido o estabelecimento em meados na década de vinte a Francisco Luís da Silva e este a Joaquim Fernandes dos Santos, ali estabelecido mas oriundo da Maia, recordado ainda como Pereira, nome dos rivais dos andrades.
Ali fazia-se as compras de mercearia, mas o pão era iguaria exclusiva da Padaria, como durante décadas na Padaria do António Maria, em rua oposta à da Loja do Povo. Se hoje tanto se fala em horário de trabalho com queixume, o que dizer daquele tempo cuja loja abria ao raiar do dia, encerrando de inverno cerca das dez da noite e no Verão à meia-noite. De madrugada, antes do duro trabalho do campo, havia lugar ao mata-bicho, que habitualmente consistia num traçadinho de bagaço com ginja. A atração das crianças era o pirulito, um refrigerante que tinha um berlinde como rolha, tendo de ser empurrada para baixo e só após se ter bebido tudo se conseguia obter o prémio, ou seja, o berlinde.
Mudou-se o nome para “Central”, assim como se dividiu em Mercearia e Taberna. As noites, devido à inexistência de eletricidade, eram alumiadas inicialmente com candeias de azeite, mais tarde pelo Petromax, um candeeiro a petróleo usado na iluminação pública, doméstica e até na pesca ao candeio.
Hoje somos metralhados com todo o tipo de publicidade, sobretudo nas embalagens, mas naquele tempo tudo era a peso. Nas tulhas, divisórias de madeira onde se colocavam os produtos, o cliente solicitava o peso desejado de cada bem, retirado por medidores e embrulhado em cartuchos de papel pardo.
Por detrás da Loja do Povo, havia festa, sendo tradicional a presença de acordeonistas que tocavam noite dentro. Nestes bailes havia a particularidade do acordeonista parar de tocar uma a duas vezes, levantar-se e dizer “damas ao bufete”. Damas ao bufete consistia na obrigação do homem levar o seu par ao bar e oferecer-lhe uma bebida.
O edifício ao fundo, à esquerda, já na zona da curva, o “salão de Chá” Caravela, que nos tempos de Francisco Almeida Grandella era frequentado pelas elites, incluindo o Rei D. Carlos, entre outras personalidades políticas e maçónicas. Depois de ser café, foi bar irlandês, mas já não resistiu, tal como muita da cultura e tradição tipicamente portuguesa, que parece já não servir os interesses de parte da sociedade.
O burro era o meio utilizado no transporte do cultivo, que servia para matar a fome, mas também para comercializar, permitindo fazer grandes distâncias. Desde a Foz do Arelho até Caldas da Rainha, Alfeizerão, Ferrel e outras localidades mais distantes, muitos eram os quilómetros percorridos a pé para as feiras, até que vieram os veículos e o alcatrão.
Os correios funcionavam com uma funcionária do Estado, numa casa contígua à Quinta da Foz, que lia em voz alta o destinatário do correio. Depois funcionou na taberna do Zé da Adega, de José Alexandre, para em finais dos anos 50 passar para o edifício imediatamente antes do Caravela, fixando-se atualmente na Junta.
Apesar da inegável multiplicação de espaços sociais, muitos padecem de um frio sentimento de perda de sentido coletivo das pessoas e lugares, onde a memória, apesar dos avanços tecnológicos, parece apagar-se lentamente, não restando mais do que um murmúrio de outros tempos…


Jorge Santos

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