“O Processo de Camilo”, “Rafael Bordalo Pinheiro e Maria Visconti” e “A Festa dos Caçadores” são três livros da autoria, respectivamente, de Carlos Querido, Isabel Castanheira e Henrique Fialho, que vão ser lançados neste fim-de-semana nas Caldas da Rainha no âmbito do festival literário “Abysmo nos arredores do Imaginário”.
O evento é organizado pelo Casal da Eira Branca (que fica, de facto, nos arredores do Imaginário) e pela Abysmo, a editora lisboeta que tem vindo a desenvolver uma intensa relação com a região Oeste.
O programa (ver cartaz ao lado) inclui uma feira do livro, debates, sessões de poesia, concertos e o lançamento destes três livros de autores locais
Camilo, o adúltero, na cadeia
Acusado do crime de adultério, Camilo Castelo Branco esteve preso na cadeia da Relação do Porto entre 1 de outubro de 1860 e 16 de outubro de 1861: durante 383 noites, como declara nas Memórias do Cárcere. Numa outra cela encontrava-se Ana Plácido.
O processo questiona a justeza da criminalização do amor, mesmo quando leva à perdição dos amantes, mas a sociedade da época manifesta apoio maioritário ao marido traído. Nas cartas desesperadas que escreve na prisão o escritor exprime poucas dúvidas sobre a condenação final.
Para espanto do povo da Invicta, o rei D. Pedro V visita Camilo na prisão, por duas vezes. Jovem, romântico e gentil, este rei amado pelo seu povo morre cedo, como todos os que os deuses amam. Talvez a sua presença tenha sido decisiva para a forma como passou a ser encarado o processo de escritor.
As condições de vida na cadeia, que antes era más, mudam entretanto. Nas Memórias do Cárcere, Camilo conta um curioso episódio de “poesia sanguinária” ocorrido com um seu grande amigo Vieira de Castro, que pede ao infortúnio que mate o amigo, para que este conquiste a imortalidade: «Que belo espetáculo para a posteridade se tu morresses agora! […] Que livro no futuro! Que romance magnífico! Que sepultura tão sagrada a tua! […] A prisão é uma desgraça vulgar, a morte seria um relevo, uma imortalidade […]». Diz-nos Camilo: «Ouvi maravilhado o meu amigo, e perguntei-lhe se queria almoçar. Depois vesti-me e saímos a jantar na sua hospedaria».
Na fase final da reclusão, para grande escândalo da cidade conservadora, Camilo, o adúltero, saía para jantar e para ir às compras.
Realizado o julgamento, o escritor surpreende-se com a absolvição. Não tinha preparado a mudança de residência, como conta Aquilino Ribeiro. Além disso, e como era habitual, estava falho de recursos.
Em carta ao visconde de Ouguela, refere: «Já sabes que eu, quando estive preso, por fim não me dava mal com o conforto do quarto, e fui intimado para sair pelo procurador régio».
Este pequeno ensaio será apresentado amanhã, sábado, às 11h00 junto à Igreja de São Sebastião (Praça da Fruta), podendo ser transferido para local próximo ao ar livre se o tempo o permitir.
A amante de Bordalo
Uma vez concluída, a obra artística liberta-se do criador e tem existência para além dele, imortalizando-o sempre que perpetua a sua memória.
A obra do criador não é imune às suas paixões, e ninguém poderá compreender a arte de Picasso, sem atender à influência das suas amantes, como a célebre Marie-Therese Walter.
Rafael, não foi tão longe, mas há uma mulher no seu caminho, uma jovem e bela atriz italiana, de seu nome Maria Visconti, por quem se deslumbrou, e de quem nos deixou um busto que registou a sua beleza para memória futura.
Isabel Castanheira, eterna apaixonada pela figura de Rafael Bordalo Pinheiro, foi à procura dos amantes, e descobriu cartas de amor e outros papéis esquecidos no pó dos museus, que lançam uma curiosa luz sobre este autor, caldense por adopção, com revelações que irão surpreender os seus leitores.
A autora não fez esta viagem sozinha e contou com a companhia solidária de Miguel Macedo, designer gráfico de qualidade reconhecida, docente na ESAD, de imaginação fértil e traço seguro a honrar a memória do mestre, de Pedro Maia, sócio da Gracal, empenhado em reabilitar a tradição gráfica caldense, responsável pela impressão e produção da obra, e de Mário Reis, ceramista da cidade, que gosta de gatos e que recriou num azulejo, numa edição especial de 30 exemplares, dois felinos do mestre em posição alusiva ao tema.
“Rafael Bordalo Pinheiro e Maria Visconti – Una piccola storia d’ amore”, será apresentado nas instalações da Gracal, no domingo, dia 15 de Abril, às 15h30.
A Festa dos Caçadores
O livro de Henrique Fialho é uma recolha de contos pautados por três ambientes distintos. Num primeiro momento, sobressaem a infância e a adolescência em ambiente rural. Num segundo momento, a deslocação para a cidade e o desenraizamento. Por fim, o regresso às raízes. Mas já nada é como era. O humor, por vezes picaresco, dá lugar a um absurdo marcado pela deriva e pela solidão. As personagens destes contos são comuns, quotidianas, instigam-nos a descobrir o que possa haver de invulgar por detrás da sua aparente vulgaridade.
“A Festa dos Caçadores” será apresentado no Museu José Malhoa, amanhã, sábado, às 16h30.