Empresa implementou modelo ímpar no país, no qual o treino desportivo é apenas uma das componentes. Representação das marcas premium NBA Basketball School e Juventus Academy vão conduzir à internacionalização
Em Rio Maior, nasceu há seis anos um projeto que tem vindo a mudar o paradigma da formação desportiva. Chama-se MVP Academy e combina treino intensivo, acompanhamento académico e desenvolvimento pessoal num modelo que integra, por enquanto, basquetebol, natação e futebol. Fundada por Nuno Tavares e João Rosa, a academia tornou-se uma referência nacional e internacional, atraindo jovens de vários países lusófonos e europeus que procuram um espaço onde o desporto e a educação caminham lado a lado.
Nuno Tavares, treinador de basquetebol com três décadas de experiência, passou parte da sua carreira em diferentes países entre os quais, entre 2006 e 2008, nos Estados Unidos, onde teve contacto direto com uma “estrutura de basquetebol de topo”, a NBA. De regresso a Portugal, pensou que existiam condições para acolher um projeto semelhante, que unisse exigência, método e formação humana.
A primeira concretização dessa ideia surgiu em 2008, sob o nome de Campos MVP. O técnico queria criar algo diferente dos habituais campos de férias, um evento totalmente dedicado ao treino intensivo de basquetebol, onde a formação técnica e física fosse acompanhada por um acompanhamento rigoroso da alimentação, da fisioterapia e até da educação física. Durava 14 dias e seguia um modelo exigente, com treinos de manhã e à tarde, em regime de internato. “Percebi que os eventos de cinco dias não chegavam. Os primeiros dois ou três são de adaptação e, quando o atleta está finalmente no ritmo certo, já está a ir embora”, recorda.
Durante os primeiros anos, o projeto foi ganhando forma no Algarve, uma vez que Nuno Tavares é de Portimão. Mas em 2014, após nova passagem pelos Estados Unidos e quatro anos no Belenenses, a ideia conheceu um novo rumo. Por intermédio de amigos comuns, Nuno cruzou-se com João Rosa, então ligado ao projeto do Rio Maior Basket, que o convidou a integrar o projeto sénior do clube. João Rosa via nas infraestruturas desportivas da cidade um potencial ainda por explorar, com pouca utilização sobretudo no verão. Dali nasceu uma parceria que transformaria o conceito dos Campos MVP numa estrutura permanente.
Foi, no entanto, apenas em 2019 que a MVP Academy se tornou realidade. A inspiração veio de Itália, onde Nuno Tavares trabalhou numa academia semelhante em 2016 e percebeu, novamente, que o modelo podia ser replicado em Portugal. Com o apoio de João Rosa e o capital de confiança acumulado junto de famílias e atletas ao longo dos anos, nasceu a academia em Rio Maior, reunindo num mesmo espaço treino desportivo, acompanhamento académico e desenvolvimento pessoal. “O maior desafio foi convencer os pais. Pedir-lhes que deixassem filhos de 14 ou 15 anos viver numa cidade que não era a deles, com três treinos por dia e escola ao mesmo tempo, foi um trabalho quase hercúleo”, conta Nuno Tavares.
A primeira geração da MVP Academy teve 21 atletas – 15 internos e 6 externos – e começou sob o olhar ‘desconfiado’ de parte do mundo do basquetebol. Era a primeira vez que o setor privado entrava numa estrutura desta natureza em Portugal. Poucos meses depois, a pandemia veio pôr à prova a resiliência da equipa e dos jovens. “O projeto já era difícil, e de repente ficámos fechados em casa. Mas foi também nessa altura que percebemos a força da nossa ideia: queríamos mostrar que era possível ter boas notas e bons resultados desportivos ao mesmo tempo”, sublinha o fundador.
Rio Maior revelou-se uma escolha decisiva. O modelo de cidade compacta, onde tudo fica a curta distância – o pavilhão, a escola, a piscina, o restaurante -, permitiu criar uma rotina disciplinada e segura. “Mais nenhuma cidade tem isto”, diz Nuno Tavares. Essa proximidade, aliada à falta de estruturas semelhantes nos clubes, fez da academia um destino natural para jovens que queriam treinar mais e melhor.
A filosofia da MVP Academy baseia-se num tronco comum que atravessa todas as modalidades: alojamento, alimentação, preparação física, psicologia, nutrição e apoio académico. A modalidade é, nesse sentido, apenas uma expressão diferente do mesmo princípio. “Os atletas fazem tudo juntos e depois, no fim do dia, uns vão para a piscina, outros para o campo de futebol, outros para o de basquetebol”, explica o técnico. A aposta na qualidade dos recursos humanos foi essencial: um psicólogo desportivo e um preparador físico a tempo inteiro, além de uma tutora académica, fazem parte da estrutura fixa.
A entrada na natação, curiosamente, não estava prevista. Surgiu em 2023, quando um pai contactou a academia para perguntar se a filha podia treinar em Rio Maior. “Pensei que, desde que tivéssemos acesso à piscina, era possível, porque o resto já tínhamos”, recorda. A oportunidade coincidiu com a redução de atividade do centro de alto rendimento de natação da cidade, o que deixou vários atletas sem local de treino a meio de um ciclo escolar. Com a piscina olímpica coberta de 50 metros disponível, a MVP entrou nesse espaço e rapidamente consolidou uma nova frente. Hoje, tem sete nadadores a tempo inteiro, entre eles jovens angolanos e cabo-verdianos.
No futebol, a academia deu este ano um passo decisivo com a entrada da Juventus Academy, uma das estruturas internacionais da histórica equipa italiana. A parceria permite que os atletas treinem sob metodologia da Juventus de segunda a sexta e joguem pelo clube de Rio Maior ao fim de semana. “Gostámos da forma como eles colocam a pessoa no centro, antes do jogador. É exatamente a nossa filosofia”, explica João Rosa. A Juventus Academy já conta com 130 jovens, dos cinco aos 17 anos, e inclui atletas de Moçambique e do Brasil.
Mas a grande viragem chegou para a MVP Academy chegou antes, em 2022, quando assinou uma parceria com a NBA para abrir em Portugal a NBA Basketball School, um dos produtos premium da liga americana. “A credibilidade que isso nos trouxe foi inacreditável”, reconhece Nuno Tavares. O sucesso da experiência abriu portas à internacionalização e a MVP prepara-se para lançar academias da NBA na Hungria e no Luxemburgo. Essa será uma porta de entrada nesses mercados, prevendo depois fazer o mesmo com a Juventus Academy.
O crescimento, contudo, trouxe novos desafios. A questão do alojamento é um dos principais. “Os pais ficam maravilhados com as infraestruturas desportivas e com a escola, mas os apartamentos onde os jovens vivem não correspondem às expectativas de quem vem de contextos médios ou altos”, admitem os promotores do projeto. A solução passa pela construção de uma unidade própria, com 50 a 60 camas, refeitório e salas de apoio, que permitirá também dar início a uma nova área de negócio: a hotelaria desportiva.
Para João Rosa e Nuno Tavares, o sucesso da MVP mede-se em percursos e não em medalhas. “O sucesso desportivo não é a nossa métrica”, afirmam. A academia trabalha para que os seus atletas consigam bolsas de estudo, entrada em universidades ou oportunidades no estrangeiro. Mas também há objetivos desportivos. No basquetebol, o objetivo é manter presença nos campeonatos nacionais, num projeto que tem também ligação a um clube local, o Rio Maior Basket. Na natação, colocar atletas em competições europeias. E no futebol, o projeto mais recente, que arrancou apenas esta época, é fazer crescer a base até aos 300 praticantes nos próximos três anos.
Mais do que uma escola de desporto, os fundadores da MVP Academy querem que esta seja uma escola de vida. “Primeiro fora do campo, depois dentro do campo. Primeiro a pessoa, depois o atleta”, resume Nuno Tavares. “Os valores que orientam o nosso dia-a-dia são cooperação, autonomia, disciplina e liberdade com responsabilidade. Os jovens aprendem a gerir o tempo, a organizar o quarto, a cuidar do corpo e da mente. O segredo não são as três horas de treino diário, são as outras 21. É aí que se criam hábitos, disciplina, liberdade com responsabilidade, autonomia, cooperação”, diz o treinador.
Essa aposta na autonomia vai desde o cumprimento dos horários e organização do quarto até à gestão do tempo, sono, alimentação e estudos. “Eles desenvolvem hábitos de responsabilidade e independência”, diz Nuno Tavares. “No primeiro ano, muitos têm um choque, quebram rotinas, sentem falta da família. Mas depois de superada essa fase, ninguém quer sair. É raro termos um jovem que não se alinhe com esta cultura”, acrescenta.
O corpo técnico é composto por profissionais com experiência internacional. Alexei, ex-atleta da seleção brasileira e da Euroliga, é um dos treinadores de basquetebol; o caldense Rodrigo Batista, antigo técnico do centro de alto rendimento de natação, lidera a equipa nesta modalidade; e Luca Corona, coordenador da Juventus Academy, orienta o futebol com formação contínua dos treinadores locais.
Atualmente, a MVP Academy tem cerca de 40 atletas internos e externos, além dos 130 ligados ao projeto da Juventus. O staff inclui mais de 20 pessoas, entre treinadores, nutricionistas, preparadores físicos, psicólogos, tutores e técnicos de apoio. Em 2019, eram apenas quatro. “A base é sempre a qualidade das pessoas. É isso que garante o nível da estrutura”, explica Nuno Tavares. Entre os nomes associados está também o do professor Carlos Barroca, antigo vice-presidente da NBA na Ásia, cuja ligação dá “um peso institucional de credibilidade muito grande”.
Outro parceiro estratégico é a Escola Superior de Desporto de Rio Maior, que os responsáveis querem que tenha duas vias. Por um lado, é uma oportunidade para os alunos do curso de treino desportivo poderem realizar estágios. Por outro, a própria empresa pretende realizar cursos de formação aproveitando o potencial das marcas que representa. “Já abrimos uma porta com a ESDRM e a Juventus para inclusivamente levar alunos a Turim, para poderem ver uma semana de treinos da primeira equipa”, refere Nuno Tavares. “A escola tem recursos humanos de qualidade, nós damos a nossa empresa quase como um laboratório para estágio, porque temos todas as áreas que a escola superior tem”, complementa.
Apesar do crescimento, há barreiras estruturais que continuam a dificultar o caminho. A falta de apoio do município e de incentivos para empresas investirem no desporto são apontadas como fragilidades do sistema português. “Em países como Itália, há cultura desportiva, estádios cheios e empresas que veem valor em apoiar projetos destes. Aqui ainda falta isso”, lamenta Nuno Tavares.
Mesmo assim, o modelo tem atraído jovens de países como Angola, Cabo Verde, Brasil, França, Croácia e Áustria. Muitos vêm pela segurança do país, pela qualidade das infraestruturas e, no caso dos lusófonos, pela facilidade da língua. “Procuram na MVP Academy o que os projetos dos seus países ainda não oferecem: estrutura, acompanhamento e exigência a um custo acessível”, conclui.


































