Paula Ganhão
Gestora de Projetos
Nas vésperas das eleições, as cidades parecem acordar mais cedo. Buracos nas ruas tapam-se, praças recebem flores e fachadas ganham nova camada de tinta. Mas essa beleza dura apenas o tempo de uma promessa — evapora-se rapidamente, como o orvalho de uma manhã apressada.
Quando o eco das urnas se apaga e os rostos recém-eleitos ocupam os corredores do poder, tudo regressa ao seu compasso habitual. Bandeiras recolhem-se, cartazes amarelecem ao sol e o murmúrio da cidade retoma o seu ritmo. É nesse silêncio discreto que o lugar se revela — despido da euforia, devolvido ao seu movimento diário.
Marco Polo contou a Kublai Khan que as cidades só existem enquanto alguém as olha. Chamou-lhe “A Cidade e os Olhos”. Esse olhar, frágil e humano, molda cada espaço em cada época. Há quem veja apenas o passeio novo, o retrato do político eleito ou o reflexo de si mesmo numa montra vazia. Cada olhar ajuda a desenhar a cidade à sua medida. Da multiplicidade de olhares nasce a verdadeira cidade — nunca fixa, sempre em transformação, feita de miragens e de memórias partilhadas.
Durante as eleições, o olhar coletivo tenta imaginar uma cidade invisível — aquela que cada um gostaria de habitar. Uns sonham com ruas limpas e comércio ativo, outros com cultura, árvores e sombra. Mas há também os que já não olham ou olham sem ver: vivem numa cidade adormecida, onde o tempo corre em círculos e as palavras se gastam como pedras roladas pelo rio.
Ainda assim, a cidade não se faz apenas de votos ou programas. Faz-se de pequenas ações: o vizinho que varre o passeio, o artista que pinta, o jovem que abre uma porta nova. Cada gesto é uma semente lançada em terreno incerto. Os políticos prometem regá-las; o resto cabe a nós — cuidar, insistir, permanecer atentos.
Chegamos a um tempo de atenção renovada: não para escolher, mas para acompanhar, perceber e sentir a vida que pulsa em cada recanto da cidade. O olhar que antes sonhava deve permanecer desperto — atento ao que surge, ao que desaparece, ao que se transforma e ao que permanece. Talvez o verdadeiro voto seja este: continuar a ver, imaginar, cuidar e reconhecer nos gestos simples a energia que mantém a cidade viva.
Quando fechamos os olhos, a cidade adormece. Mas quando olhamos de verdade — atentos, sem pressa e sem cinismo — ela desperta, invisível e nova, como se acordasse a cada olhar.
É então que percebemos: uma cidade é o espelho dos olhares que a habitam — feita tanto de promessas por cumprir como da esperança que resiste a morrer.


































