“É preciso que todos os valores tremam. Um valor que não treme é um valor morto.”
Gaston Bachelard
Vividos que estão alguns dos maiores acontecimentos económico-sociais mundiais, desde logo nos podemos aperceber que passando pela revolução Francesa, a consolidação do capitalismo, a revolução industrial, as duas grandes guerras mundiais, a ascensão económica e social da burguesia, a consolidação do desenvolvimento tecnológico a partir da segunda metade do Sec. XX, bem como a globalização, estes eventos foram determinantes para mudar a forma como passámos a observar o mundo que nos rodeia.
O homem aprende a ter percepção de tudo o que o rodeia, do pavimento das ruas, de sua casa, consegue identificar a fluidez do ar que inala, ou identificar a matéria com que são feitas as paredes da casa que habita. Diferenciando-se dos animais e fazendo uso da sua inteligência e dos seus sentidos, seleciona criteriosamente os espaços que frequenta, seja por prazer, para trabalhar ou simplesmente por puro ócio. Fazendo também uso da sua sensibilidade, motivado ou não, por interesses mais ou menos próprios, ele tem a capacidade de decidir se conquista os espaços ou se os compra. Esses espaços sejam eles resultado de puro devaneio da sua imaginação, ou de qualquer outra coisa, são parte integrante da sua existência, e, cresce com ele o desejo, quase carnal, de o ter, como se fosse um sentimento inato.
Gaston Bachelard em “A Poética do espaço”procede à análise de espaços e lugares, sugerindo que existe poesia em todos os locais de especial predileção do homem: no interior da casa, na cave, no sótão, num cofre, numa simples gaveta, ou mesmo num armário, ele procura compulsivamente poesia em tudo o que possa pertencer ao domínio da casa, sobretudo no intimismo que a casa denuncia assumir a quem nela habita ou trabalha.
Segundo Bachelard, é com os poetas que melhor aprendemos a reviver o passado, são eles que nos ensinam a manter viva a memória mais esquecida, são eles que, fazendo-nos beber de sua sabedoria e refinada psicologia, nos relembram que vivemos a vida com demasiada pressa de chegar, sem que a consigamos apreciar na sua plenitude. Contudo, se nos mantivermos ativos enquanto sonhadores, conseguiremos transpor as nossas memórias mais imediatas, descobrindo na nossa intimidade o desejo de uma liberdade imprecisa, somos os criadores dos nossos próprios sonhos sem âncoras a valores exteriores.
Cabe a cada um de nós pensar na necessidade de convergência para valores que concebemos como impossíveis deixarem de o ser, bastando para isso que os descubramos enquanto valores reais, estabelecendo prioridades, refletindo o mundo e não darmos por certo tudo o que nos é imposto.
E o que nos é imposto, muitas vezes é deliberadamente mascarado precisamente para que não nos apercebamos das reais intenções de quem tenta “arquitetar” o mundo de acordo com uma agenda própria, sem olhar a meios. A casa sonhada por Bachelard pode bem servir de exemplo para estabelecer a ponte entre a casa edificada pela filosofia do séc. XIX, e a casa que considero termos de edificar no Séc. XXI. Pois é meu entendimento que o Séc. XX serviu para
que os grandes arquitetos e engenheiros de um futuro hipoteticamente risonho para todos, pudessem desenhar uma estratégia para nos fazer esquecer a nossa génese.
Paulo Pena, num artigo publicado no jornal “Público” intitulado: “Blackrock” a empresa que está a mudar o capitalismo” faz referência a Lawrence Daniel Fink um dos homens mais poderosos do mundo que na abertura do novo ano da bolsa de valores alemã proferiu a seguinte afirmação: “Os sistemas de pensões têm falhado em preparar os trabalhadores para o futuro, os trabalhadores tendem a ser demasiado dependentes das pensões estatais”, e existe uma razão escondida para Lawrence ter afirmado semelhante coisa: Fink é CEO da maior empresa financeira do mundo, a BlackRock. A BlackRock, apesar de ainda não estar sediada em Lisboa é detentora de quotas significativas da EDP, da Jerónimo Martins, da Galp, do Millennium BCP e da Nos, detendo também participações em várias outras, como a Sonae (sociedade que é dona do PÚBLICO), Navigator, CTT e REN. Ela é dona de partes importantes de 17 mil empresas no mundo – da Microsoft à Apple (tecnologia), da Bayer (farmacêutica e química) à Monsanto (agricultura e biotecnologia).
Segundo o mesmo artigo e com base nos estudos do professor de Economia da Universidade de Navarra, “O problema é que se tantas empresas têm o mesmo dono, então essas empresas funcionam como uma só. E isso é um novo monopólio à escala mundial”, e, havendo um monopólio à escala mundial encoberto, é muito mais difícil tentar encontrar uma solução para os problemas da sociedade.
O professor Einer Eilhauge, especialista em políticas de concorrência da Universidade de Harvard, afirmou que a “propriedade comum em sectores inteiros da economia é a maior ameaça à livre concorrência do nosso tempo” .
Comecei com Gaston Bachelard que nos oferece a “casa ideal” como um local de predileção, um espaço de intimidade e de conforto, estabelecendo também a fronteira entre o real e o irreal sendo simultaneamente indiferente à sua fisicalidade, representa o berço, a concha que protege e defende. Numa outra perspectiva, a economia contemporânea e os grandes atores económicos a funcionar como agentes patogénicos espalhando as suas toxinas com a intenção de anular a autonomia dos próprios estados e consequentemente as sociedades que os compõem, com acordos comerciais pretendendo privar o Homem, não da sua vida, pois dessa dependem eles para a sua existência, mas muito pior que isso, estão a priva-lo do sonho, da fantasia, da terra do nunca, das histórias de Gulliver e de Peter Pan, em suma – da identidade humana.
Termino dizendo que na última década tenho tido o privilégio de ser formador no turismo de Portugal aqui no Oeste e aprender também com todos aqueles que ali ingressam para evoluírem profissionalmente, digo aprender porque na minha óptica a criatividade e a inovação só é possível através da interacção entre seres humanos que a isso se predisponham, tendo por base muito trabalho e motivação, e, este pressuposto tem sido uma constante na Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste.
A Escola tem o condão de ensinar a pensar o “métier” enquanto processo criativo, por muito absurdo que possa parecer o projeto “Forno do Beco” (a pequena unidade de produção de pastelaria e panificação que eu tenho o orgulho e a responsabilidade de gerir) é o resultado, não só da minha experiencia profissional, como de todo o conhecimento e respetivo processo criativo que tenho adquirido na escola de artes desta cidade, bem como na Escola do Oeste. Esta ponte entre as instituições que têm responsabilidades pedagógico profissionais e o mercado
de trabalho, é fundamental para o desenvolvimento consistente de qualquer região. Não precisamos pensar o mundo de uma vez, se cada um de nós se preocupar com a respetiva região, e se por sua vez, cada uma das regiões que compõem o território nacional fizerem o trabalho de casa, gerar-se-ão dinâmicas económicas que potenciarão o bem-estar social, por outras palavras: é a casa ideal preconizada por Bachelard. Pode ser esta a nossa casa ideal global, afinal de contas não é isso que todos almejamos?
Paulo Santos
Formador na área de Pastelaria / Padaria
Escola de Hotelaria e Turismo do Oeste