Uma bonecreira (a pessoa que manipula a marioneta) coloca dois bonecos à escala real às costas. Das colunas ouve-se um grupo coral feminino alentejano (as Papoilas do Corvo, de Castro Verde) a cantar o “Zuca Zuca”.
Os bonecos são dois meios corpos (apenas da cintura para cima), um feminino e um masculino, ambos com trajes folclóricos, como manda a tradição. Xico e Xica são os nomes.
Rompe o “Vira” e, num instante, a bonecreira esconde-se na saia da senhora e, com pés e mãos no chão, dá corpo aos dois bonecos.
As pernas e pés da artista completam o tronco do homem e os braços e mãos dão forma às pernas e pés da senhora. Ao som da música dançam como manda a tradição, com o Mosteiro de Alcobaça como pano de fundo e rodeados de dezenas de pessoas de várias gerações, desde as crianças aos mais velhos.
A actuação termina com um beijo entre o casal e uma valente salva de palmas. Depois, a filha da bonecreira, vestida a rigor, entrega ao público quadras portuguesas impressas, da autoria de Camões, Pessoa, Carlos Andrade, ou do cancioneiro popular.
Trata-se do espectáculo “Ai Xico Xica”, de Sofia Pimentão que, há cerca de três anos, em Vila Real de Santo António, iniciou este projecto. Apenas um ano e meio depois começou a apresentá-lo.
Trata-se de uma manipulação de corpo todo, usando as duas mãos e os dois pés para dar vida a dois bonecos.
Em conversa com a Gazeta das Caldas, Sofia Pimentão, explicou que o modo como manipula os bonecos “é muito mais duro fisicamente, pelo que não posso fazer actuações muito extensas”.
A artista salientou a preocupação que teve com a tradição. “É um espectáculo muito etnográfico que utiliza todo o cenário e música tradicional”, disse.
Esta actuação “é também um truque de magia, porque apesar de eu mostrar tudo, há um momento em que as pessoas se esquecem que está ali uma pessoa”, notou.
A terminar afirmou gostar muito do festival Marionetas na Cidade. “É mágico!”, resumiu.
Mas esta foi apenas uma das formas de marionetas apresentadas no festival que decorreu entre 3 e 9 de Outubro em Alcobaça. Durante a tarde do passado sábado, na Praça 25 de Abril, o português Fernando Cunha apresentou “O Barbeiro” e “A Tourada” e o napolitano Bruno Leone a “Pulcinella”. Clive Chandler trouxe “Punch & Judy Show” de Inglaterra e Thierry o “Polichinelle” de França.
José Gil, um dos directores artísticos da companhia S.A. Marionetas, que desde 1998 organiza o festival, disse à Gazeta das Caldas que este foi um ano “positivo, com pessoas de todo o país a perguntar se era preciso reservar, quando isto é maioritariamente um festival de rua”.
Em jeito de balanço afirmou que tiveram muito mais público do que estimavam. “O festival tem vindo sempre a crescer e para o ano será já o 20º”, fez notar.
A descentralização, com espectáculos em três freguesias fora da cidade, “foi bastante e bastante positiva”, afirmou, mostrando-se esperançado que para o ano ainda mais freguesias se juntem ao festival.
José Gil destacou ainda “a presença de vários programadores de outros festivais a ver os espectáculos para comprar” e estimou a média diária de espectadores acima do milhar.
MELHOR MANIPULAÇÃO NA POLÓNIA
A companhia S.A. Marionetas conquistou o prémio para a melhor manipulação no World Puppet Carnival, em Lodz (Polónia). “Foi muito gratificante levar o teatro português tradicional e moderno a um concurso com 32 países e trazer de lá o prémio”, disse José Gil. “Melhor era impossível”, exclamou, acrescentando que isso representa “o reconhecimento internacional do nosso trabalho”.
Os portugueses apresentaram “Dom Roberto” na rua principal e “Etc…” num teatro da cidade. A próxima ida é a Shangai (China), em Novembro, com este último espectáculo.