O populismo assenta no medo e na ignorância e por isso os políticos que por estes dias falaram no Folio defenderam que é através das ideias de liberdade e de respeito pelo próximo que se combate esse medo que aduba os pensamentos da extrema-direita. O Presidente da República, que não deixa de o ser mesmo quando faz uma visita privada ao evento literário obidense, citou Mia Coto para alertar que há muitos poderes que têm medo que o medo acabe.
“A grande causa hoje é impedir que a moda dos populismos acabe por ter lastro para se alargar na sociedade portuguesa”, afirmou o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas, na noite de domingo, quando questionado sobre qual o seu maior medo.
Contudo, Marcelo Rebelo de Sousa destacou que este problema não se pode encarar pelo lado do medo, mas pelo lado da sua causa, sob pena de se perder o combate contra esse medo.
“Têm que se resolver os problemas que possam constituir razões do reforçar de posições que sejam a negação da racionalidade, da liberdade, do respeito pelo outro e da diferença. E isso faz-se criando a liberdade, a diferença e respeitando o outro” defendeu.
Horas antes, convidado a intervir no final de uma conversa entre os escritores Lídia Jorge e Nuno Júdice, o Presidente da República, já tinha feito uma reflexão política onde criticou a instrumentalização do medo pelo poder, que considera estar “um bocadinho na ordem do dia”. Considera que, em muitos casos, o medo é uma maneira de diminuir, limitar e acorrentar. “O grande problema é haver demasiados poderes que têm medo que o medo acabe”, prosseguiu, citando Mia Coto.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu que é de uma geração que gostava de converter medos em lutas, em causas. Considera que o medo faz parte da natureza humana, mas que também tem um lado criativo na sua superação.
“Combater a ignorância é combater o medo”
Desencarcerar a política do medo só pode ser feito através de um novo discurso e de um novo humanismo, que junte política e economia, num novo quadro global e discutido à escala planetária. Esta a tese de Rui Tavares, que com Maria Fernanda Rollo, dinamizou uma tertúlia na segunda-feira, na Livraria do Mercado.
O historiador diz que é errado pensar que o combate ao desemprego e à desigualdade social são um meio para acabar com os preconceitos, o racismo, a xenofobia ou a homofobia. Há países com elevados níveis de bem estar social (Suécia e Holanda, por exemplo) e outros que viram diminuir a desigualdade (Brasil), mas nem por isso deixaram de sucumbir ao nacional populismo, quer seja pela simples representação da extrema-direita nos seus parlamentos ou pela conquista do próprio governo.
Por isso Rui Tavares defende que a economia não é tudo, mesmo que através dela se incuta medo às pessoas de que não há dinheiro para tudo. A solução, diz, “é resolver os medos globais através de uma Democracia para lá dos estados nacionais”.
O também dirigente do Livre diz que para persuadir as pessoas a não ter medo, é preciso dar-lhes boas razões, fazer-lhes um discurso generoso, activo e optimista.
Em sintonia, a historiadora Maria Fernanda Rollo disse que “a educação em sentido lato é a democratização do conhecimento, e a ferramenta que nós temos para combater as desigualdades e as ignorâncias”. Rui Tavares concordou: “combater a ignorância é combater o medo”. Mas para tal, só a informação não basta, pois essa está por todo o lado e, só por si, não é solução. “Há a informação, há o conhecimento e há a sabedoria”, disse, defendendo o regresso desta última ao debate político-social.
“Quem protesta não tem medo”
Protestar é também vencer o medo. E quando se veste o protesto no corpo, compromete-se mais do que a cabeça, usa-se o corpo como meio de expressão. Este o mote da exposição “Quem protesta não tem medo”, que reúne t-shirts alusivas a causas diversas, desde a extrema esquerda à extrema direita. Estendidas pela sala de exposições do Museu Abílio há camisolas com slogans como “Que a força de lutar contra a troika esteja connosco”, “Ninguém é ilegal” ou “lutar contra o imperialismo”, numa recolha de material de diversos países, feita pelos voluntários do arquivo Ephemera, de Pacheco Pereira. Há protestos de natureza política, laboral, cívica e ambiental.
Neste espólio é possível ver uma t-shirt com o rosto do Presidente russo, Vladimir Putin, que ali está porque veio de uma manifestação da comunidade russa que, anualmente, comemora em Lisboa o Dia da Vitória da II Guerra Mundial. Outra, com a frase “Books not bullets” (livros, não balas) alude a uma manifestação feita por estudantes de uma escola na Flórida na sequência de um assassinato nesse estabelecimento de ensino. O próprio Presidente do governo da Catalunha enviou para a biblioteca de Pacheco Pereira a urna usada no referendo pela independência daquela região espanhola, juntamente com vário material catalão.
A Ephemera possui também uma grande exposição, no Porto, de cartazes artesanais, “que as pessoas fazem em casa e levam para as manifestações”, explicou Pacheco Pereira, durante a inauguração da mostra em Óbidos, acrescentando que este arquivo “não conta com um tostão do Estado e só vive dos voluntários”. Tem cerca de 150 pessoas em todo o país e 24 mil pastas publicadas na internet com documentação que vai desde manuscritos, panfletos, a posters. “São eles quem digitaliza e recolhem a informação. Constituem equipas que vão às manifestações para trazer os cartazes e as t-shirts”, rematou.