A fruição da arte

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Stendhal foi um conhecido escritor francês do século XIX, que descreveu em livro a forma como se sentiu emocionalmente perturbado ao contemplar a enorme beleza da basílica de Santa Cruz, em Florença. Nessa igreja, no interior da qual se destacam os frescos de Giotto e onde estão também os túmulos de italianos ilustres como Dante, Maquiavel, Galileu e Michelangelo, Stendhal chegou a um tal ponto de emoção que, ao sair, tinha batimentos cardíacos irregulares, caminhava com medo de cair e sentia-se tão mal como se a vida se estivesse a acabar.
Perturbações semelhantes terão acontecido mais vezes e a muitos outros, de tal forma que uma psiquiatra italiana, Graziella Magherini, em 1979, publicou uma casuística de dezenas de casos e chamou Síndrome de Stendhal a esse quadro psicossomático que se manifesta numa pessoa de forma transitória no momento em que observa obras de grande beleza. Precisamente a essa síndrome também se chama Síndrome da beleza, Síndrome de Florença ou Stress do viajante. De facto, viajar também é procurar o belo.
A existência desta síndrome não recolhe a unanimidade da comunidade científica e a Organização Mundial de Saúde não a reconhece como entidade clínica.
Existindo ou não como doença propriamente dita, a verdade é que não é difícil conceber que se fique perturbado perante um quadro de Botticelli na Galeria dos Ofícios, em Florença, siderado ao admirar os frescos de Michelangelo na Capela Sistina, atónito ao contemplar um quadro de Rembrandt em Amesterdão, já para não falar da emoção de chegar perto da escultura de Vitória de Samotrácia, no Louvre, em Paris.
Ao nível da apreciação da arte e das grandes obras de criação humana, eu colocaria a beleza que a própria Natureza nos oferece, lembrando o êxtase e o deslumbramento de observar de perto o Monte Branco coberto de neve, as cataratas de Niagara ou as lagoas verdejantes da ilha das Flores, nos Açores.
Voltando à fruição da arte, dizem as estatísticas que os portugueses são dos primeiros a ter preocupação com a preservação do seu património (será verdade?) e a ter orgulho nele, mas são dos últimos a frequentar museus. Dados de um Eurobarómetro de 2017 mostram que os portugueses estão entre os europeus que menos consomem cultura e são os que menos visitam com regularidade monumentos e museus ou vão a eventos como concertos e festivais, com 17% a terem respondido afirmativamente à pergunta, face a uma média europeia de 31% e a um pico de 81% na Suécia ou 78% na Holanda.
E temos tantas coisas belas para visitar no nosso país e até na nossa cidade. O belo está ao pé da porta.
Pela minha parte, não excluo eventuais oportunidades de revisitar os grandes museus da Europa. Ambiciono voltar a Florença ou perder-me, de forma mais demorada, nas grandes salas e corredores do Hermitage. Ou repetir e tonar a repetir, em Portugal, visitas a Serralves ou ao Museu Nacional de Arte Antiga. Mas não podemos esquecer e desvalorizar, por ser acessível, aquilo que temos, porque temos grandes obras, grandes criações e grande beleza nos vários museus da cidade, seja no Museu Malhoa, no Museu da Cerâmica ou no Museu da Cidade e do Hospital.
A síndrome de Stendhal ocorre mais em estrangeiros, os autóctones são praticamente imunes e os médicos também não precisam de mais trabalho. Por isso, se possível sem perturbações emocionais excessivas, vamos lá fruir a arte presente nos nossos museus, vamos orgulhar-nos do nosso património, procurar que cuidem bem dele, que seja valorizado e… muito visitado!

António Curado

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