Vivemos um tempo de enorme incerteza e perplexidade. Muitos temem pelo futuro e sentem medo, a emoção que mais inibe os circuitos da racionalidade, colocando as pessoas à mercê dos costumeiros vendedores de ilusões. A enorme iliteracia económica, social e política, impede a maioria de compreender com rigor o que se passa, como se chegou aqui e quais as soluções para superarmos as dificuldades. Inevitavelmente, o debate é pobre, ainda por cima numa sociedade com uma reduzidíssima confiança social e uma elevadíssima emocionalidade negativa: quando um português inicia um diálogo, o outro manda-o logo calar-se; se o diálogo prossegue, passa-se à fase do insulto; quando esta é superada, desagua-se numa pobreza de argumentos, que até mete dó – nem a cultura mediática futebolística ajuda, também ela poluída por uma linguagem rasca e insultuosa.
O que falhou desde a última crise, a qual exigiu também o recurso à intervenção do FMI? Desde logo, não tomámos as necessárias medidas preventivas para que os erros não se repetissem, nomeadamente combatendo a corrupção e estabelecendo limites constitucionais à dívida e ao défice. Depois, não realizámos a imperativa reforma do Estado e da administração pública, com realce para o sector da Justiça, respeitando a sua natureza e ajustando-os à realidade do país e às exigências do desenvolvimento. A seguir, não implementámos as recomendações de Michael Porter e do Fórum para a Competitividade (1993), ficando à mercê de uma união europeia alargada aos países do leste e de um mundo globalizado, com a China a emergir. Ainda, desviámo-nos do caminho da exigência e do rigor, esbanjando o fraco pecúlio acumulado pelo Estado, em sucessivos desmandos e fantasias, por preconceitos ideológicos e interesses espúrios. Finalmente, deixámo-nos sequestrar por gangues de políticos corruptos, incompetentes e mentirosos, que arruinaram definitivamente o nosso património financeiro, económico e social.
Como superar esta nova crise? Tem de ser o FMI a dizê-lo? Não, nós sabemos bem, há muito tempo, o que é preciso fazer. O problema é que não queremos fazê-lo voluntariamente, porque nos comportamos como crianças irresponsáveis que colocam o prazer à frente do dever, fingindo de conta que não se passa nada. Por isso, a primeira coisa a fazer é mudarmos de atitude, aceitarmos ser mais autónomos, responsáveis e exigentes, ou seja, menos dependentes de quem quer que seja e mais disponíveis para prestarmos contas do que fazemos. A segunda coisa é valorizarmos mais o mérito do que o compadrio e proteccionismo, aceitarmos que vençam os melhores e deixarmo-nos de invejas, de desculpas e de falsas justificações e incriminações. A terceira coisa é sermos mais produtivos, inovadores e empreendedores, arriscarmos mais, aquém e além fronteiras, com maior mobilidade, proximidade e confiança nos outros. A quarta coisa é sermos mais focados no essencial, termos um sentido estratégico de longo prazo e sermos mais organizados e assertivos, deixando de fazer de conta e de mentir. Finalmente, a quinta coisa a fazer é valorizarmos e defendermos o que temos, poupando e respeitando mais cada euro que se gasta, sobretudo quando é dos outros.
É preciso mudar de vida, mas a sério. Como consegui-lo? Agindo simultaneamente em dois planos: por um lado, consciencializando a sociedade para a necessidade de uma mudança cultural profunda; por outro, adoptando medidas normativas que condicionem o comportamento dos indivíduos, levando-os a agirem de acordo com um quadro de referência que promova os melhores valores de vida e de trabalho em sociedade. Os comportamentos, a começar pelos indivíduos que ocupam os mais altos cargos de responsabilidade no Estado e na sociedade, não pode depender da boa vontade de cada um, têm de ser garantidos por rigorosos critérios de selecção, avaliação e prestação de contas. O exercíco de cargos de responsabilidade não pode ser uma questão de merecimento, tem de ser um compromisso de serviço para com os outros, por parte de quem reunir as melhores condições paraa o fazer. Tudo isto é fácil? Tudo isto é difícil? Não sei, mas como diz o Pedro, é preciso fazer o que ainda não foi feito.