ASKMEN.COaM ou a aventura de dois jovens nazarenos

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Na altura em que começámos a preparar a crónica desta semana ainda os jornais televisivos do Québec, falavam da mega manifestação do dia 22 de Maio. Há exactamente 100 dias que muitas escolas do Québec estão em greve. O governo provincial,de maioria parlamentar,  decidiu entretanto dar o ano lectivo por encerrado em todas as escolas. Incluem-se aqui obviamente, os estabelecimentos cuja sessão funcionou normalmente, sem aderirem à greve, e os outros, menos de 50% afinal, encerrados há mais de três meses. Para estes últimos, existirá uma sessão encurtada, com início no princípio de Agosto, através da qual, se espera que os alunos afectados pela crise possam recuperar o tempo perdido. Os mais cépticos duvidam do sucesso da ideia e nós ao olharmos para o calendário escolar do fim do Verão, não pudemos deixar de pensar nas famosas passagens administrativas dos anos loucos que se seguiram à revolução portuguesa de Abril, com distribuição avulsa de diplomas, praticamente para todos os inscritos na generalidade das faculdades e institutos da época. A promessa do governo do Québec é de que, apesar de encurtada, a sessão será suficientemente longa e exaustiva para que os estudantes possam absorver as matérias ensinadas.
Com todos estes problemas, e a consequente intoxicação mediática do assunto, pensámos que era altura de falar de coisas mais agradáveis.
Já por várias vezes aqui abordámos o tema da importância dos restaurantes portugueses na nossa cidade. Aliás, geralmente quando se fala de histórias de sucesso no seio da diáspora lusitana, o tema é restauração, esquecendo outros ramos de actividade. Muitíssimo menos vezes se vai à procura de situações de portugueses ou de luso-descendentes, que se demarcam  noutros sectores económicos, em actividades bem mais exigentes em termos de conhecimentos.

Askmen.com é a história de três jovens diplomados em finanças por uma das universidades anglófonas de Montreal. Até aqui nada de extraordinário, não fora o facto de que o início da aventura poderia em parte, ter sido escrita na língua de Camões, quando teve a sua génese na cantina da Universidade Concordia.  Estavam os jovens finalistas descontraidamente sentados à mesa, saboreando a bebida da sua preferência, e tentanto descortinar o que fariam depois da escola. Duma coisa todos tinham a certeza. Não iriam à procura de emprego. Iriam sim, criar o seu próprio emprego. Dois falavam português. O Ricardo Poupada, da Nazaré e o Luis Rodrigues do Norte do País. O amigo de ambos Chris Rovny de origem checa era o terceiro elemento do grupo. Nisto instala-se ao lado, um senhor já de certa idade, impecavelmente vestido, mas que pelo nervoso aparente, denunciava estar na expectativa da chegada da nova eleita do seu coração. Quis as perspicácia dos nossos jovens notar que, afinal, o requintado completo de fato e gravata que servia de indumentária ao vizinho do lado, sofria dum defeito de tal forma imperdoável, que se a bela fosse minimamente observadora, como o são normalmente todas as mulheres, poderia deitar por terra todos os projectos do cavalheiro. É que, por debaixo das calças escuras, confeccionadas a partir dum tecido de rara qualidade, se podia observar a presença dumas inestéticas peúgas tão brancas como são brancas as primeiras neves quebequenses do fim do Outono. E,cúmulo dos cúmulos, tudo se terminava num impecável par de sapatos, de confecção italiana, igualmente pretos, limpos e brilhantes.
Uma vez chegada a bela dos sonhos do nosso cavalheiro, após algumas palavras de circunstância e troca de suaves e inofensivas carícias (tudo isto sob o olhar atento dos três jovens), esta dirige inevitavelmente o olhar para os pés do seu pretendente. O choque foi tal, que não conseguiu esconder um notório mal estar, criado  pelo desconforto causado pela brancura das peúgas do sujeito. E quase tão depressa como chegara, se preparava agora para abandonar a companhia daquele indivíduo que denotava desconhecer um princípio básico da elegância da indumentária masculina.
Os três jovens acabavam de descobrir ali mesmo, na escola, o que iriam fazer. Um jornal que pudesse orientar os homens nas suas diversas actividades, na sua maneira de estar em sociedade e duma forma geral, em tudo que os possa ajudar na relação com os outros, mas sobretudo, com o belo sexo.
Este episódio, passado nos anos loucos das famosas companhias dot com em 2000, foi a fonte de inspiração para o início da grande aventura, que era na altura a criação dum jornal web, especificamente dedicado ao público masculino, situado na faixa etária dos 24 aos 35 anos. Askmen.com é hoje número um do género, a nível mundial, com 23,4 milhões de visitas únicas, no mês de Janeiro de 2012.
Os manos, Ricardo e André Poupada, que se juntara mais tarde à companhia, são da opinião de que o sucesso fulgurante de askmen.com se fica em parte a dever à influência que o estilo de vida de Montreal tem sobre a sua própria visão do mundo que os rodeia. As ideias mestras do site, passam por, ajudar, educar e divertir, e inspiram-se nos gestos da vida quotidiana masculina, tendo por objectivo melhorar a sua aparência.
Depois dos anos dourados do início do século, Ricardo Poupada apercebe-se de que o mundo do Web está em rápida mutação, e em 2005 já só havia dois caminhos a seguir. Investir massivamente, através da dispersão em bolsa de parte do capital, com todas as obrigações legais e custos implícitos, ou vender. Optaram pela última opção, tendo passado a fazer parte do grupo IGN International. Este grupo, cerca de três meses depois, é por sua vez absorvido pela News Corp, a conhecida multinacional de Rupert Murdoch, que deixou aos antigos dirigentes da companhia a escolha da linha editorial, que tão bem os servira até aí. Três meses depois desta última transacção, já o escritório de Montreal passava rapidamente de 9 para 30 empregados permanentes. A estes, junta-se toda uma equipa de vendas nos Estados Unidos e ainda cerca de 300 freelancers um pouco por todo o planeta. Esta história de sucesso comprova afinal que, a história da emigração portuguesa já há muito deixou de ter aquela imagem, eternamente miserabilista, duns desgraçadinhos, quase analfabetos, que um dia decidiram abandonar uma pequena e ingrata pátria que, ontem como hoje, continua a ser mais madrasta do que mãe para uma demasiada grande parcela dos seus filhos.

J.L. Reboleira Alexandre

jose.alexandre@videotron.ca