Revolução! – disse o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a uma pergunta colocada pelo Presidente da Câmara, Humberto Marques, sobre qual seria o tema mais adequado para a edição do Folio – Festival Internacional de Literatura de Óbidos próximo ano. Recordando, logo depois, que a revolução é interessante como tema genérico, mas 2017 é ainda mais oportuno por se assinalar a passagem de um século da revolução Russa, que viria a transformar e influenciar o mundo por muitas décadas até ao final do século passado.
Este presidente tem-se revelado melhor que a encomenda. No seu esforço de desanuviamento da política nacional, que tem conduzido deste o inicio do seu mandato, e que tem marcado um contraste profundo com o seu antecessor, e como confessou no Folio tem conseguido a sua “utopiazinha” de por a esquerda e a direita a falar uma com a outra, e nos mesmos quadrantes as diferentes esquerdas e direitas e falarem umas com as outras. Nisso tem prestado um inestimável serviço republicano ao país, viabilizando uma solução de governo, que, por exemplo, com o já citado antecessor seria absolutamente impossível. Que tem tido a virtude de viabilizar uma maioria parlamentar, que tem conseguido aliviar o país da malfadada austeridade em que as direitas portuguesas e europeias tinham amarrado o país a uma trajectória de empobrecimento generalizado e continuo, para a classe média e sobretudo para quem vive exclusivamente do seu trabalho.
Dai a propor a Revolução como tema do próximo festival, devemos aqui assumir a nossa surpresa, ainda maior com a referência explícita à revolução russa de outubro de 1917. No entanto, os temas assim tratados não estão isentos de problemas. Bem sabemos que nada melhor que uma efeméride para abrilhantar tematicamente um evento cultural, mas “festivalizar” a utopia ou a revolução não deixa de as transformar em algo de performativo, que entra na voragem do simulacro, de todas as opiniões e interpretações – as mais ambíguas e contraditórias entre si mesmas, até sofrerem um esvaziamento do seu sentido mais profundo que deveria ser interiorizado por cada um, leitor e cidadão, linha a linha como dizia Jorge Luís Borges que cada um deveria ler o D. Quixote, mais do que ouvir comentá-lo.
Não deixará, porém, de ser muito positivo, no mesmo ano que vem o Papa Francisco a Portugal e a Fátima, assinalar outro centenário, que se debata amplamente a revolução. Para lá dos problemas que encerram certos formatos e da mediatização extrema de alguns acontecimentos, há muita partilha e muita troca que sobrevive à marketização. Umas boas conversas sobre as mudanças sociais e politicas de outros tempos e de outras latitudes podem ser algo de muito inspirador em ano de eleições autárquicas.
A importância da cultura mede-se também pela sua capacidade transformadora, ou libertadora. Seja em termos individuais ou colectivos. Por isso é muito importante quando pronunciamos ou ouvimos a palavra cultura sabermos exactamente do que é que se está a falar. Há actualmente uma tentação de instrumentalizar a cultura, ou o que se convencionou designar como alta cultura, e reduzi-la a uma ferramenta de marketing, ou a mais um produto de consumo, que não serve qualquer desígnio transformador, muito menos libertador. A cultura como algo de totémico, que se venera – só por se pronunciar, que não se discute nem se questiona está longe de ser um caminho libertador, está distante de um horizonte de utopia, está mais afastada de um futuro de emancipação. Pelo contrário, transforma-se num sofisticado – pior, num dissimulado, instrumento de controle do poder. É quando se chega colectivamente a este entendimento que se dá a revolução. E a consequente mudança.