Consumação do futuro: 7.Presente

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João dos Santos
professor

Um dia de nevoeiro na praia é um dia sem esperança de linha no horizonte.
Ontem, no nevoeiro de uma praia, falou-se de bruma e, com ela, da ideia, tangente e por isso presente, da perca do horizonte como uma aproximação à morte. Uma aproximação curiosa, se pensarmos a morte como limite, como o lado errado do contorno da vida, ou o último presente, que se precipita entre instantes – o desaparecimento do tempo no presente.
Dentro do nevoeiro os contornos são difusos, indefinidos e a luz é bonita. Ao chegar à praia, do lado de fora, é possível ver a bolha de nevoeiro que encerra a vida e interrompe a linha do horizonte.
A bruma é um confinamento. A covid-19 (de 2019!) atirou-nos para muitas brumas, infelizmente sem horizonte e com uma luz, que não se quis bonita, mas no fim do túnel. Com 18 meses de presentes, quantos túneis parece este confinamento?
Mounira Al Solh é uma artista libanesa que vive entre Beirute e os Países Baixos e que se encontrava em Beirute há um ano, quando parte da cidade, de repente, perdeu o contorno. Em maio do ano passado escrevia assim na Artforum: “Agora, as pessoas não são capazes de ver os seus pais ou avós, nem de enterrar os entes queridos. Isto está sempre a acontecer noutro lugar qualquer; consigo ver algumas semelhanças com a minha infância, durante a guerra civil. Por isso, estar preso ou confinado num lugar pode ser a normalidade para uma pessoa como eu.”
Na bruma, tudo se equivale porque o ar é espesso e a indefinição aí projetada provoca uma sensação de precipitação suspensa – não é uma angústia, só uma incerteza. Dentro da bruma, se estivermos muito atentos, conseguimos distinguir e sentir mais do que queremos – somos frágeis e ainda bem. O confinamento são muitas normalidades. Confinados na bruma deixamos o mundo correr fora dela, sem o vermos, suspensos e vulneráveis aos seus choques inevitáveis. Os novos confinados voluntários do espaço perturbam-nos ou impressionam-nos, enquanto o extraem à humanidade, ao mesmo tempo que nos revoltamos e repugnamos com as brumas do Afeganistão, que confinam involuntariamente as mulheres, os homens e as crianças que não têm outro horizonte e esperam ajuda do céu.
A bruma é um buraco no presente. ■