Crónica do Québec (Canadá) – «Le blues de l’hiver»

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notícias das CaldasO título da crónica de hoje, na língua de Camões, poderia traduzir-se por:
–  as depressões do Inverno.
Para quem está habituado às amenas temperaturas de Portugal, esta segunda crónica consecutiva focando o tema inverno e frio, poderá ter alguma dificuldade em entender o porquê de dar tanta importãncia ao que afinal, para muitos, é apenas mais uma estação do ano, apenas um pouco mais fria que as outras. Para quem vive no Canadá em geral ou na cidade de Montreal em particular, falar de temperaturas e frio durante os meses de Janeiro e Fevereiro é lugar comum e praticamente ninguém passa aqui ao lado deste tema. Senão vejamos. Um dos canais de televisão com maiores audiências nesta época do ano é precisamente o canal do serviço meteorológico, no ar 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Como a nossa vida se passa sobretudo no interior das casas aquecidas com temperaturas médias que variam entre os 20 e os 23 graus celsius, o conhecimento da temperatura no exterior chega até nós pelos diversos media. Não se pense no entanto que, pelo facto das temperaturas variarem em poucas horas de 0 para menos 20 graus centígrados, vamos enfiar mais uma ou duas camisolas de lã. Quantas vezes, durante a meninice e adolescência nas Caldas, ante de sairmos de casa a nossa mãe nos dizia para vestirmos mais uma camisola de gola alta para proteger a garganta, durante as muito frias manhãs do mês de Janeiro, sempre que a temperatura descia abaixo dos dez graus positivos.
No Québec praticamente ninguém usa camisolas de gola alta, que se tornariam inconfortáveis  nos interiores aquecidos. Em termos de número de peças de vestuário, podemos mesmo dizer que não usamos mais em Janeiro do que em Junho ou Julho. A diferença situa-se nas matérias-primas usadas na fabricação dos diversos vestuários que usamos, e na forma como os mesmos são confeccionados.  Os sapatos, para aqueles que os usam no exterior são fechados e bem isolados, com solas de borracha para aderirem ao gelo e à neve, mas a maioria de todos nós usa inestéticas mas quentes (sobretudo os homens) botas, perfeitamente adaptadas ao nosso clima, que tiramos e substituímos por sapatos quando chegamos ao escritório.
Quando conduzimos, um dos passatempos favoritos de qualquer habitante do Québec é tentar adivinhar as marcas e as chapas de matrícula das viaturas que seguem, duma forma geral , cuidadosamente ao nosso lado, sem as constantes mudanças de via tão habituais noutras partes do globo, tal a sujidade que as cobre, resultante duma mistura pastosa de sal, areia e neve sobre o alcatrão, e que nos obriga a manter o recipiente do líquido especial de limpa-vidros, que se mantém em estado líquido até temperaturas de menos 50 graus, sempre cheio, para não corrermos o risco de perca total de visibilidade quando cruzamos as outras viaturas, ou pior ainda, quando algum mais apressado nos ultrapassa rapidamente deixando um rasto de porcaria em suspensão na rectaguarda.  Nesta altura do ano pode dizer-se que nenhum carro que circule nas nossas estradas é bonito, pois a côr original é ocultada por uma camada de sujidade, e até a simples acção de determinar o dia em que finalmente decidimos passar pela lavagem tem que ser bem planeado. E aqui de novo, os serviços de meteorologia são mais uma vez importantes, pois tentamos sempre fazê-lo no início de dois ou três dias de Sol, e de preferência não muito frios, ou seja, com temperaturas não inferiores a menos de 12 graus negativos, para evitar outro problema, que é o das portas geladas que teimam em não se querer abrir, e o descolar de algumas borrachas de protecção.
São dois longos meses de temperaturas constantemente abaixo de zero, num sobe e desce permanente, com amplitudes de dez a quinze graus no curto espaço duma noite ou duma tarde, mas que dão também azo a algumas brincadeiras, quando ao telefone falamos com os nossos contactos em Portugal, que se queixam dos «duros» Invernos das Caldas ou de Lisboa. Este já é o nosso trigésimo-sexto Inverno quebequense, mas tanto no longínquo mês de Janeiro de 1976, como hoje, a sensação de inconforto é a mesma, e pensamos que as probabilidades de alguma vez nos habituarmos são mínimas. Não se pense no entanto que tal se deve ao facto de termos nascido noutras latitudes, pois ao falarmos com os nativos desta terra, fica-se com a certeza que este é um problema que a todos atinge, independentemente do sitio onde se vê pela primeira vez a luz do dia. É definitivamente durante os curtos dias, dos longos meses de Janeiro e Fevereiro que o poema do grande escritor Gilles Vigneault, « o meu país não é um país, é o Inverno », justifica o seu título.

J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca

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