A única forma de permanecer afastado de todas as noticias negativas que nos chegam da Europa em geral e de Portugal em particular seria (e mesmo aí ? ) viver numa ilha isolada no meio do Pacífico.
Quando lemos que os funcionários públicos portugueses vão ter os seus salários reduzidos em média de 5%, não podemos deixar de pensar na situação que tivemos aqui no início da década de oitenta do século passado. Governava nessa altura a província (espero que estas crónicas consigam pelo menos o desiderato de levar os que nos lêem a ver este país como uma mistura de províncias e não um todo uno e indivisível; por outras palavras, o que se passa no Québec, não tem obrigatoriamante correspondência nos vizinhos do Ontário) o partido quebecois, que defendia e defende a independência.
O primeiro ministro da altura, René Levesque (o único com carisma para tal) vendo que o défice já andava então próximo dos 100% do PIB, e sentindo que a população em geral aceitava mal o facto dos funcionários públicos, uma vez fazendo parte dos quadros, além de beneficiarem dum emprego para a vida (como se diz aqui) ganhavam em média mais do que os privados, decidiu passar à acção. Hoje, se o dito emprego para a vida dos funcionários se mantém, os proventos são no entanto geralmente inferiores.
Assim e numa altura em que as taxas de inflacção eram da ordem dos 15 a 18% os funcionários públicos da chamada «Belle Province» viram os seus ganhos salariais reduzidos 20% em média. As diversas greves que se seguiram, levadas a cabo pelos sindicatos dos professores e outros, foram anuladas através da promulgação de leis especiais. Com os números que aqui deixei as contas são fáceis de fazer. O trabalhador que vê os seus salários serem reduzidos em 20% e tem de enfrentar uma inflacção de 15% está definitivamente a ser muito mais penalizado do que aquele que num contexto de 0% de inflacção vê o seu cheque semanal ou mensal reduzido de 5%.
Foram realmente épocas dificeis para todos (nós incluídos, pois a companheira já na altura fazia parte dos quadros da função pública quebequense), mas antes de chegarmos a esta situação houve todo um trabalho de informação da parte do governo. Assim e ao contrário de Portugal, onde apenas nas últimas semanas se sentiu uma verdadeira sensibilização da população para o facto de se estar a viver acima das reais possibilidades, nós nesses dificeis anos de oitenta éramos aqui constantemente bombardeados com informações do tipo:
-cada criança que nasce, já está a dever determinado montante à nascença, ou através de comparações permanentes entre a nossa percentagem de dívida pública, ou soberana, como agora se diz, com a dos nossos vizinhos.
Os nossos lideres sindicais, devo dizê-lo, também não se saiam com maravilhas do género que ouvi ultimamente da parte do senhor Jerónimo de Sousa quando afirma nos écrans da TV que o governo está a tomar as medidas erradas, pois em vez de continuar refém dos mercados financeiros e diminuir o poder de compra dos portugueses deveria era pensar em criar emprego e investimento , sic!. Será que o secretário geral do PCP sabe mesmo donde vem o investimento? Como tenho a certeza disso, só não compreendo como continua a ter alguma credibilidade.
Esses difíceis anos para o Québec, correspondiam à época em que os meus clientes, canadianos e portugueses, vinham de férias completamente seduzidos pelo ambiente que si vivia na altura em Portugal, onde tudo nadava numa abundância que parecia caída do Céu e para a qual, habituados que estávamos a contar tudo até ao último cêntimo, não viamos explicação. A culpa aqui vai toda para os governantes que andaram por São Bento neste últimos anos. O único que teve a coragem de dizer já há alguns anos que, e cito, o país estava de tanga, partiu para Bruxelas.
Hoje o Québec, e o Canadá no seu todo, vêem esta crise passar, como sói dizer-se, ao lado. O valor das acções dos 5 grandes bancos canadianos nunca desceram para níveis próximos do zero, e já estão hoje acima dos valores de antes da crise. O que está a acontecer neste momento nesse pequeno cantinho é afinal algo com que, todo aquele que segue mais ou menos a situação económica global já previa. Agora, daqui para a frente com o trabalho de todos a situação apenas pode melhorar. Para terminar e continuando a utilizar linguagem dos mercados, Portugal está no que se chama, uma situação de «bottom fishing». O mais dificil é saber exactamente onde estará localizado o «bottom»!
J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca