Longe vai o tempo em que a transmissão da informação era um exclusivo dos profissionais da mesma. A geração baby-boomer na qual nos incluímos foi talvez aquela que mais e maiores transformações testemunhou durante a sua existência. No meu caso particular iniciei a minha actividade profissional com um telefone preto que tinha uma rodinha circular no topo que discávamos para compôr o número desejado, e uma barulhenta máquina de calcular com uma manivela. Depois de, em meados dos anos oitenta do século passado, ter visto aparecer e utilizado os primeiros computadores, encontro-me hoje totalmente refém da internet na minha actividade diária.
Fonte inesgotável de informação, uma válida outra nem tanto. Cabe a cada um de nós escolher o que nos interessa. Estava assim há alguns dias lendo um dos blogues que visito com regularidade, o «Águas Mornas» mantido pelo Zé Ventura, antigo colega da Bordalo Pinheiro, quando um dos artigos publicados me chamou a atenção pois tinha a assinatura dum outro ex-colega de escola, o Alfredo Justiça, que nos transmite as suas memórias com uma sensibilidade muito própria e que leio sempre com prazer renovado.
O tema eram os velhos computadores desses tempos heróicos da informática, mas o que mais mais me impressionou naquele texto, foi a constatação das vivências tão distintas entre Portugal e o Canadá ou a América do Norte no seu todo. Contava o meu amigo, que no início da sua vida activa em Lisboa era comensal num restaurante, e que pagava com umas pequenas senhas emitidas pelo dono do comércio. Lembrei-me que, quando estudava em Lisboa entre 1969 e 1973 era cliente regular desse tipo de restaurantes, ali à Rua do Loreto, ou na Calçada da Bica. Aliás creio que, desde que abandonei a escola primária no Chão da Parada sempre almocei em restaurantes até atingir a vida adulta.
Digo até à vida adulta pois considero ter entrado na fase adulta aqui em Montreal nos finais de 1976. A partir dessa altura e até hoje, salvo raras excepções, nunca mais almocei regularmente em restaurantes em 34 anos de trabalho ininterrupto, que se a saúde me permitir tenciono ainda prolongar por mais alguns.
Todos os locais de trabalho na América do Norte estão equipados com as condições necessárias para as pessoas poderem fazer uma refeição dentro do local de trabalho. O álcool não entra obviamente nessa refeição. Note-se, no entanto, que não existe qualquer legislação nesse sentido. Trata-se apenas duma lógica que a sociedade nos impõe. E mesmo, nos chamados almoços de negócios, nunca se bebe álcool durante as horas de trabalho
No entanto, este hábito de levar o almoço para o escritório ou oficina começa bem cedo, pois os nossos filhos desde que se iniciam no ensino primário nunca saem de casa sem terem a certeza que a lancheira que os acompanha diariamente está devidamente preparada. Esta rotina prolonga-se com naturalidade na Universidade para aqueles que lá chegam, e claro, nada mais óbvio que, uma vez no mercado de trabalho, se prolongue. É assim normal ver os nossos médicos ou engenheiros a comerem uma sandezinha ao meio-dia em amena cavaqueira com os subalternos, em ambiente de franca camaradagem. Lembro-me perfeitamente do meu filho mais velho, já no último ano de faculdade nunca sair de manhã sem preparar o almoço em casa quando tinha o dia todo preenchido com aulas, o que aliás, o mais jovem ainda faz.
Numa altura em que as familias portuguesas se queixam de tempos dificeis, devido à crise que todos diziam, começou na América, ao que contraponho, aí apenas se despoletou e tem origens bem mais profundas, não seria possível começar com gestos simples como este, da substituição da refeição diária do meio-dia num dos restaurantes do nosso agrado por algo mais frugal, de forma a que a parte da tarde possa ser tão ou mais produtiva do que foi a manhã ? Quando passamos toda uma vida a ouvir dizer que o índice de produtividade das gentes dos países do Sul é inferior ao das gentes dos países do Norte, não será a partir de pequenos gestos deste tipo da parte de cada um, que a situação se pode inverter ? Muitos me dirão que é mais barato ir comer ao restaurante do que fazê-lo em casa, mas se fizessem bem as contas , verificariam que não é preciso ter um diploma de economia para concluir que tal não corresponde minimamente á verdade.
J.L. Reboleira Alexandre