No momento em que ia começar a escrever esta habitual crónica sobre as Caldas da Rainha e o Oeste tomei conhecimento da notícia do falecimento de Mário Soares. O tema sobre o qual tinha inicialmente pensado escrever, centrado como é natural sobre as perspectivas críticas e desejos para o Novo Ano de 2017, tornou-se de repente secundário e assunto adiado para futuras crónicas.
Imediatamente se tornou incontornável no meu espírito a necessidade de escrever sobre o legado de Mário Soares, de como os valores que ele sempre valorizou ao longo da sua vida e ação política tinham também, em muitos momentos decisivos da nossa vida social, moldado e influenciado a minha vida e a da minha família, tal como a vida de muitas outras famílias de portugueses como eu. Parando um pouco para pensar nesses momentos, fui transportado pela memória dos muitos acontecimentos históricos até ao ano de 1975, no espaço da Fonte Luminosa, na Alameda D. Afonso Henriques em Lisboa. Os meus pais, que eram pequenos comerciantes com estabelecimento nas Caldas da Rainha, estiveram presentes nessa manifestação e comício porque entenderam, nesse momento, que era um dever moral e cívico ir até Lisboa e participar na defesa dos valores da Liberdade, da Democracia e do direito à livre iniciativa. Apesar dos legítimos receios de confrontos físicos e eventual violência. Depois do derrube da ditadura, a Liberdade parecia de novo ameaçada naquele ano de 1975, agora por forças políticas de sinal contrário. Mário Soares esteve à cabeça dessa luta contra a aventura da deriva totalitária comunista, contra “um capitalismo de Estado servido por um exército de burocratas e polícias” como a designou no seu célebre discurso proferido nessa manifestação. Em defesa da Liberdade, o valor supremo. E foi essa Liberdade conquistada que nos proporcionou a abertura à Europa e ao mundo! Portugal tornou-se um país mais europeu e mais aberto ao mundo graças à ação política decisiva de Mário Soares. Foi nessa altura que senti profundamente, através da minha experiência juvenil de viagens ‘interrail’ de comboio pela Europa, o valor de poder circular em liberdade e de ser reconhecido também como cidadão europeu em mobilidade. É também por causa disso que, no meu entender, se torna hoje tão relevante para Portugal e para os portugueses a defesa intransigente do legado de Mário Soares, nomeadamente o aprofundamento político do projecto europeu a todos os níveis. Inclusive ao nível municipal autárquico, onde a ideia de construção da Europa aparece muitas vezes distante dos problemas e decisões relativamente às estratégias de desenvolvimento local.
Este ano de 2017 irá ser de novo um ano de eleições autárquicas, de escolha democrática de modelos alternativos de desenvolvimento económico e social à escala municipal local. Num ano em que, à escala global, se avolumam sinais inquietantes resultantes da eleição de Donald Trump e do crescimento do populismo no espaço europeu. Por isso se torna hoje tão importante a defesa dos valores da Liberdade, da abertura ao mundo e do cosmopolitismo, por oposição às ideias chauvinistas e paroquiais baseadas no obscurantismo, opacidade e fechamento. O legado de Mário Soares é, por isso, mais actual do que nunca!