Este Consumo Que Nos Consome – Do esbanjamento a uma nova lógica de ecossistemas

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Por definição, o nosso sistema produtivo e a nossa sociedade de consumo e comunicação baseiam-se num consumo forçosamente esbanjador em recursos naturais e até humanos. Neste despretensioso texto, vamos passar em revista o conceito de desmaterialização na óptica da economia, da gestão dos resíduos e da lógica do consumo, visando-se uma abordagem do desenvolvimento sustentável que conte à partida com a adesão dos consumidores a tal desmaterialização.

O sistema produtivo industrial devora implacavelmente recursos não renováveis e expele gases, resíduos e moléculas químicas. Por muito que nos surpreenda, só 7% do total dos recursos utilizados para obter produtos acabados se encontram nestes últimos, o que significa na prática que se perdem os 93% restantes. Acresce que 80% destes mesmos produtos não são utilizados mais que uma vez, o que avoluma o nível de desperdícios. Pensando só num computador portátil de 3 kg, a sua produção exige o equivalente energético de 350 kg de petróleo; mas também 1 kg de cereais necessita de mil litros de água e um hambúrguer de 10.000 litros de água. Como vivemos numa civilização de hiperescolha, a esperança de vida dos produtos tende a encurtar, tornando a gestão dos resíduos sólidos praticamente ingovernável. Há mesmo quem já observe que seriam precisos três planetas se toda a população da Terra adoptasse um modo de vida ocidental (em que actualmente menos de 20% da população mundial consome mais de 80% dos recursos naturais).
À hiperescolha deve adicionar-se os modos de vida individualizados  que são uma outra forma de pesadelo ambiental. Basta imaginar o que é que cada um de nós a dispor de uma habitação própria, viatura, electrodomésticos, etc. Quer se goste quer não é necessário urgente reestruturar a economia mundial implementando uma estratégia conveniente a todos e que traga uma protecção eficaz e preventiva do ambiente enquanto parte integrante da economia de mercado. É por isso que alguns especialistas falam insistentemente sobre uma economia “circular” que se equipare ao funcionamento cíclico dos ecossistemas naturais onde tudo se reutiliza, se regenera e se recicla, e onde os resíduos se transformam em recursos. Para estes especialistas, tal economia “circular” iria privilegiar a esperança de vida dos bens e reduzir a obsolescência. Mas para isso é indispensável investigarem-se sinergias e encontrarem-se complementaridades. Tal economia “circular” desenvolveria uma plena funcionalidade de todo o sistema industrial, fazendo depender a produção de uma progressiva sustentabilidade.

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Desmaterialização, o que significa

Instaurar a sustentabilidade pressupõe uma redução de recursos numa percentagem significativa, impondo-se desmaterializar os fundamentos técnicos em que assenta a riqueza e, por outro lado, aumentar a produtividade dos recursos. Dito de outro modo: desmaterializar a economia deverá ser encarado com uma redução drástica do volume dos resíduos sólidos. Significa produzir com a menor quantidade possível de recursos naturais e com a maior durabilidade: Redução de consumos naturais e de energia, redução de matérias primas na fase da produção, de energia e também redução na perda de matérias na etapa residual. Para se chegar esta desmaterialização é indispensável aumentar a eficácia dos produtos e da economia, a reutilização e a reciclagem dos materiais e dos produtos em cada etapa do ciclo de vida: na extracção das matérias primas no recurso ao desenho ecológico, na conformidade das inovações tecnológicas nos procedimentos de fabrico, na adesão aos modos de consumo menos esbanjadores, na prática de reutilização de produtos em fim de vida e na reciclagem de resíduos. Daí haver a necessidade de lançar estratégias de desmaterialização, como sejam: a concepção e o fabrico de produtos mais ligeiros ou mesmo mais pequenos; a substituição de bens materiais por não materiais; a redução da utilização de sistemas materiais ou de sistemas que exijam grandes infra-estruturas.
Até agora, o mais longe que se avançou foi no campo experimental e com base em velhas receitas. Por exemplo, se um bem para uso privado é indispensável o consumidor deve dispor de informação para escolher o que tem menos matérias primas, água e energia e que gera menos resíduos ou que foi produzido de maneira ecológica e socialmente responsável. Do que estamos objectivamente a falar é na possibilidade de desenvolver uma estratégia de desmaterialização da economia, recorrendo a medidas concretas, identificando sectores, produtos, parceiros e instrumentos que denotem potencialidades, tudo isto com uma coerência com as políticas e medidas internacionais, regionais e locais.
Esta estratégia poderá contemplar: veículos, materiais de construção, aparelhos eléctricos e electrónicos e embalagens; transferência progressiva dos encargos sociais e fiscais sobre o trabalho para uma taxação do consumo de recursos naturais e da energia e das actividades que são fonte de pressão ambiental; desincentivo fiscal para produtos poluentes ou descartáveis; apoio à reparação, à reutilização, à recuperação e à reciclagem; apoio aos projectos de desenvolvimento sustentável que respeitem os recursos naturais locais, etc., etc.
Nós já conhecemos alguns exemplos de desmaterialização, mas que são avulsos: detergentes concentrados, aparelhos eléctricos com design mais performantes, televisores e computadores igualmente mais performantes do ponto de vista energético, soluções de aluguer de material que tem vida curta na nossa existência (caso de material de puericultura, brinquedos, DVDs), estamos a assistir á desmaterialização de arquivos, mas, como é evidente, são excelentes iniciativas que ainda não estão planificadas e que podem portanto cair no insucesso, por falta de informação ou desânimo empresarial.
Só é novo o que foi esquecido
Quando pegamos nos livros de iniciativa ecológica, ou de auto-cuidados com tecnologias brandas, dos anos 60 em diante, encontramos propostas que continuam a fazer vencimento em qualquer projecto de sustentabilidade. Pense-se na promoção para a saúde e saber olhar os sinais do nosso corpo, nas regras básicas da alimentação equilibrada, na simplicidade voluntária, nos estilos de vida saudáveis, por exemplo. Pense-se no que podemos fazer para valorizar a reciclagem (vidro, sucata, papel e cartão, plásticos, materiais diversos como pneus e óleos usados). Pense-se na conservação de energia e numa vida doméstica mais orientada para a preservação ambiental. Isto tudo para dizer que independentemente de ainda não vivermos com a desmaterialização no centro das nossas prioridades, é já possível convergir políticas públicas, atrair autarquias e empresas para reciclar e criar riqueza, um dos desafios e oportunidades mais interessantes para criar confiança na desmaterialização. Voltaremos ao assunto.

Beja Santos

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