Elogio da Imperfeição – O amor, o sim e os nãos

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Há encontros felizes. E naquele jantar a conversa foi surgindo solta, fluida e espontânea, como as maravilhosas cerejas do Fundão servidas à sobremesa.
A certa altura, a propósito da cena política, discutia-se a questão da confiança e do medo. Da confiança enquanto motor de esperança e de crescimento, do medo enquanto paralisia e manipulação. Da confiança enquanto ingenuidade e dependência, do medo enquanto alerta e limite de proteção. Difícil encontrar os pontos de equilíbrio…
Rapidamente se passou do global e político, das verdades e pós-verdades, para a esfera do familiar, do pessoal, das relações interpessoais. Às tantas surge a pergunta: E o amor? Onde fica a possibilidade do amor, com o medo, sem confiança e sem verdade?… Na relação com os filhos, com os amigos, numa relação amorosa, com os outros em geral… O amor enquanto apego, enquanto sentimento que predispõe a desejar o bem de alguém?…

Difícil esta coisa do amor… mais fácil no falar do que no viver.
Amores que são ou se tornam doentios… amores que fazem mais mal que bem… amores que de tanto bem querer se tornam cegos… amores que se desejam mas que se temem e se abandonam… amores que escravizam, anulam e manipulam.
A conversa mantém-se animada e quente… os discursos entrecruzam-se:
– O amor é uma inevitabilidade enquanto necessidade humana, somos bichos de vínculos, de contacto e de toque… Sem os outros, nem sequer éramos… a nossa humanidade constrói-se na relação…
– Sim, mas também somos predadores… e a inveja, o gosto pelo poder, a competição maligna?…
– E podes acrescentar as inseguranças doentias, o medo, a submissão, a dependência patológica… Aparentemente noutro pólo, são igualmente anti amor e bem humanas…
– E ainda não se falou da culpa… de se achar que se está a fazer a coisa certa, a fazer bem e depois descobrir que afinal não… que se fez mal…
– Ou que nos deixamos convencer disso… Fazer mal parece sempre mais fácil e simples do que fazer bem…
– Mas todos os obstáculos não anulam a inevitabilidade do desejo, da necessidade e da procura… e estamos a falar de todas as formas de amor… Se assim não fosse deixávamos de acasalar, de ter filhos, amigos, grupos… Não podemos falar de amor a partir do Eu ou a partir do Outro… tem que ser a partir do Eu e do Outro… do Nós… Seja um casal, pai/mãe e filho, família, amigos, colegas…
– Mas é nesse Nós, que a coisa é tão complicada, tão complexa…
– Sim… é como se o amor fosse um grande sim. Um sim que para existir, construir e não se destruir, precisasse de estar protegido, de estar assente numa série de nãos… Já sem falar dos nãos em relação ao abuso, à prepotência, à agressão, à humilhação, ao medo, à culpabilização castigadora, ao engano… mas da importância do não enquanto elemento diferenciador dentro da relação. Do não enquanto elemento da autonomia dentro da ligação e do vínculo. Do não enquanto investimento afectivo que implica a possibilidade do desacordo, da frustração e da zanga, sem perda duma reciprocidade e dum espaço para a tentativa de encontro…
– O amor vivido como imperfeição inevitável e incontornável, mas sempre na procura do encontro?…
– Sim… como esta conversa de hoje…

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