A galinha da vizinha…

0
1118
Gazeta das Caldas

A galinha da vizinha…

Uma primeira palavra para a Gazeta das Caldas, agradecendo o convite para escrever estas crónicas e a confiança que espero honrar.
Depois uma obrigatória palavra para um nome disparatado, que quer dizer tudo e nada.
Sou natural de Óbidos, nascida e criada dentro das muralhas. Das várias paragens a que a vida me levou e leva, há sempre um tempo de regresso a Óbidos. Ali fui à escola, ali fiz os primeiros amigos, ali comecei a trabalhar há mais de 30 anos, ali casei, ali vivi momentos muito felizes, também alguns tristes. A Óbidos regresso sempre, mesmo que esteja longe.
Crescer em Óbidos nas décadas de 1960/1970 significava vir a Caldas, ou às Caldas, pelo menos uma vez por semana, na magia do sábado de manhã das praças do peixe (antiga), da fruta, da rua das montras, do supermercado, que em Óbidos não havia dessas modernices. A seguir à primária, ou ao ciclo via telescola, os miúdos vinham para a cidade estudar; no meu caso, toda a família foi para Lisboa, pelo que ‘saltei’ os anos do liceu nos Pavilhões do Parque e as aventuras associadas, com bolos da Machado à mistura.
No final dos anos 1980, foi tempo de mudar para Caldas. Passei a viver na Barrosa, no Nadadouro. Ali vi crescer a família. Dali partimos para outros lugares, ali voltamos sempre.
Viver em Óbidos, seja qual seja a geração, mais velhos ou mais novos, é também viver Caldas. Usar os recursos da cidade nas diversas áreas da vida social, económica, cultural. E viver em Caldas é também viver Óbidos – num passado já longínquo, a vida noturna e os bares, mais recentemente a oferta turística e cultural.
Como bons vizinhos, Caldas e Óbidos mantêm uma enorme proximidade, que a história comum e a geografia facilitam. Como bons vizinhos, alimentam histórias de ciúmes e invejas, feitas de feitos de ‘toupeiras’ por um lado, e ‘águas mornas’ por outro. Vizinhos, é mesmo assim. Não podem viver uns sem os outros, mas às vezes não é fácil…
Como bons vizinhos deveriam aprender a cooperar mais. As instituições públicas, os poderes autárquicos. As instituições de solidariedade social. Os privados. Num tempo de inevitável e imperiosa necessidade de trabalho conjunto, às vezes escolhem-se parceiros de longe, esquecendo os benefícios recíprocos que teria a cooperação com os vizinhos do pé da porta.
Tomar a palavra neste semanário é dar voz – a minha voz – a esta relação secular entre Óbidos e Caldas da Rainha. É olhar para a vizinhança, sendo que a galinha da vizinha é (às vezes) melhor que a minha. Outras vezes não será. Também poderá ser a voz da bicada, se se impuser fazê-lo, num domínio ou no outro. Será a voz de histórias antigas, outras mais recentes. Mas será sempre a voz da aproximação entre os dois concelhos, por acreditar convictamente ser o melhor para as pessoas que lhes dão vida.
***

No dia 1 de fevereiro passam 110 anos sobre o regicídio. D. Carlos, o rei de Portugal e o príncipe herdeiro, D. Luís Filipe, morreram no atentado que teve lugar no Terreiro do Paço, em Lisboa. Recordo aqui como se soube da notícia em Óbidos. Estava grande animação no Largo de Santa Maria, a banda a tocar por ocasião da festa de Nossa Senhora da Graça, imensa gente. Júlio Carlos Sechtini (funcionário da Câmara, na altura com 31 anos) assomou-se ao pelourinho e gritou “Silêncio!” A sua voz ecoou pelo Largo, a música parou de tocar e todos se calaram. “Mataram o Rei”, e leu a notícia que chegara há pouco por telégrafo. A festa acabou. O país mudara e não se sabia o que aí vinha…