Sempre que abandonamos a grande zona Metropolitana de Montreal e nos embrenhamos no chamado Québec profundo, unilingue francês, por contrapartida ao bilinguismo, francês e inglês, das cidades mais importantes, algo que nos fascina é a imponência das igrejas da quase globalidade de todas as aldeias e outros pequenos aglomerados habitacionais.
O edifício central e mais importante da terra, a partir do qual, durante muitos anos, os padres quebequenses dirigidos por Roma, controlavam os seus fieis com dura mão de ferro, é praticamente o único que sobressai por entre as pequenas e modestas habitações, com a construção típica do hemisfério Norte, de apenas um piso, e sempre assentes em profundas fundações de cimento, com a usual estrutura, das paredes exteriores de madeira, coberta por alumínio, ou pelos mesmos tijolos maciços, que se usam em toda a Europa do Norte, e cujas côres vão do ocre ao branco acinzentado.
Através do olhar, o visitante atento pode constatar o poderio que a igreja católica detinha nesta zona da América, habitada por colonos maioritariamnte francófonos, e que eram pejorativamente designados por: Nègres blancs d’Amérique (trad. Negros Brancos da América). Não é intenção desta crónica dissertar sobre a influência, benéfica ou prejudicial, que a igreja teve na educação do povo desta imensa província. Mas ainda na geração anterior à nossa, eram os seus representantes que dirigiam todas as escolas, hospitais, hospícios, misericóridas e outras organizações de carácter social. No entanto se pensarmos em Portugal, por exemplo, ainda em 1974 a escolaridade obrigatória se limitava aos 4 anos, e já no Québec desde 1942 se recomendava a instrução (não se fala ainda em escolaridade) obrigatória para todas as crianças entre os 5 e os 14 anos.
Como entretanto começou a acontecer na maioria dos paises desenvolvidos, os diversos escândalos de carácter sexual atribuídos aos representantes da igreja (em Portugal, felizmente, este tipo de escândalos, nunca existiram…..nem antes nem após a Revolução de Abril)e à natural evolução da sociedade, os antigos amplos e imensos templos, que ao domingo se enchiam de fieis, foram ficando cada vez mais vazios, não criando fluxos de rendimentos suficientes para fazerem face aos seus elevados custos fixos de manutenção. Atenta a esta problemática, a igreja começou por, numa primeira fase, alugar os interiores dos edifícios para escritórios e habitação, passando mais tarde a vender alguns, que se transformavam rapidamente em luxuosos condomínios. Os promotores imobiliários conseguiram nalguns casos metamorfosear algumas das nossas velhas igrejas em autênticas obras de arte habitacional, com vantagens para todas as partes intervenientes no processo, desde a Igreja vendedora, passando pelos compradores e em última instância os cofres da cidade, através das nossas elevadíssimas taxas de IMI que não têm qualquer relação com os valores geralmente praticados em Portugal. Normalmente o interior é totalmente demolido, as estruturas reforçadas e a velha fachada recuperada, mantendo a traça original.
A partir de 2006 começaram no entanto a ouvir-se vozes discordantes da opção de tranformar igrejas em condomínios, e alguns bairros da nossa cidade decidiram não mais autorizar a modificação da vocaçâo dos locais de culto. O director do Conselho do Património Religioso do Québec entende que seria no entanto preferível continuar a vender as igrejas menos rentáveis, e redescobrir-lhes uma vocaçâo, do que optar pelo seu puro e simples encerramento, pois a longo termo acabarão por se tornarem vetustas, devido à falta de manutenção. É dentro deste espírito que, aqui bem perto de nós, no bairrro do Plateau Mont-Royal, uma igreja construída em 1905, e onde, durante várias décadas os crentes podiam encontrar os «remédios» para os seus males espirituais, vai ser totalmente remodelada. Como o edifício apenas beneficiava de forma parcial de protecção patrimonial, será totalmente remodelado, mantendo a velha fachada centenária. Os vitrais exteriores serão renovados, o telhado tipo catedral preservado, e lá dentro, daqui a cerca de dois anos, os novos «crentes» poderão cuidar não apenas do mental como, e sobretudo, do físico. Todo aquele amplo espaço ao abandono, será reconvertido num moderno ginásio e Spa.
Afinal, o sítio e os frequentadores continuam os mesmos, apenas mudaram as razões invocadas para a necessária sociabilização, sem a qual o nosso homo sapiens não consegue normalmente sobreviver!
J.L. Reboleira Alexandre
jose.alexandre@videotron.ca