Jorge Sampaio

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Estávamos em 1969. Nos seus trinta anos, Jorge Sampaio era já um advogado prestigiado, defensor frequente de presos políticos no «Tribunal» Plenário da Boa Hora. Antigo dirigente estudantil, saído da crise académica de 62 como uma referência geracional, envolveu-se então activamente no movimento das CDEs («comissões democráticas eleitorais») .
O distrito de Leiria foi, nesse ano, palco de reuniões e encontros decisivos para a definição do programa e estratégia da oposição democrática – dum deles sairia a célebre «Plataforma de S. Pedro de Muel». Jorge Sampaio aí marcou presença, transmitindo a muitos um sinal de empenhamento e de renovação na luta pela democracia. No compacto de imagens interiores que a sua morte desencadeia, a mais longínqua é, no meu caso, a do encontro no Eurosol de Leiria, onde o conheci, em que ele representava a CDE de Lisboa.
Originariamente posicionado à esquerda do PS, poucos anos depois do 25 de Abril Jorge Sampaio decidiu-se pela entrada no partido liderado por Mário Soares, onde o esperava um percurso excepcional. Em dias difíceis, no final dos anos oitenta, seria ele o escolhido pelos socialistas para liderar. Nesse papel, Jorge Sampaio pôde dar a conhecer aos portugueses uma personalidade e um estilo político onde prevaleciam a empatia, a urbanidade, o fair play, a tolerância, o espírito de diálogo, o valor dado à participação e ao consenso, a ponderação e a consulta antes da decisão, a cultura, a abertura ao mundo. As suas invulgares competências pessoais e sociais qualificavam-no para esse efeito de forma ímpar, contrastando vivamente com o estilo autossuficiente, arrogante e sem dúvidas de que muitos nos lembramos. Não o entenderam, ou não foi isso que escolheram, na sua larga maioria, os portugueses que votaram 1991. Só mais tarde, nas presidenciais de 1996, decidiriam a seu favor nesse confronto, dotando a República de um notável Presidente, que depois reelegeram em 2001. Há hoje sobre isso um largo consenso na sociedade portuguesa.
Na década em que ocupou Belém, representando-nos a todos, Sampaio defendeu e prestigiou a democracia por que se bateu nos tempos sombrios que a precederam. E assim também no seu digno «pós-Belém», que todos ainda temos presente: as funções que lhe foram atribuídas no âmbito da ONU, o seu envolvimento no apoio à qualificação dos refugiados, na promoção dum diálogo entre as civilizações e na defesa dos direitos humanos estenderam o compromisso da juventude à dimensão global.
Por força das leis e dos factos da vida, Jorge Sampaio será o nosso último Presidente da República a ter participado na luta contra a ditadura. Ao mesmo tempo que serviu e prestigiou o Portugal dos nossos dias, honrou, nesse cargo, todos os que nela participaram. É justo – e inspirador – que seja a sua imagem a levar às gerações seguintes a mensagem. ■

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