A História das Caldas da Rainha confunde-se com a História do Hospital Termal. A construção do Hospital iniciou toda a dinâmica que mais tarde faria desta pequena terra concelho.
Mesmo há pouco mais de um século atrás, o Hospital Termal era já mais do que um mero Hospital. Era um motor de desenvolvimento, muito para além da sua actividade principal, era um aglutinador de vários interesses. Com a construção do caminho-de-ferro tornou-se imperioso dotar o Termal de uma nova estratégia que explorasse esta inovação que chegava às Caldas. Para tal chamou-se um arquitecto, Rodrigo Berquó, com o intuito de construir uma cidade voltada para a exploração das termas e sustentada de forma segura nesta actividade. Em 1888, começou a ser desenhada uma estratégia que ainda hoje tem a sua marca numa parte significativa da cidade. Não voltaríamos, contudo, a ter tão proveitoso investimento até aos tempos que correm.
Esta é a razão que me leva a escrever este texto, pois penso que um enorme erro vai ser cometido na próxima operação de cosmética urbana agendada para os próximos anos. Qualquer estratégia de urbanismo que não tenha em consideração o Termal, não passa de mais uma oportunidade perdida. Até aqui este artigo seria mais uma crítica justa, mas incompleta, aos actuais decisores políticos. Falta uma solução. Pois bem, aqui vai:
O Hospital Termal está na dependência do Centro Hospitalar (CHON), que por sua vez é regido pela tutela, ou seja, o Ministério da Saúde. Isto na minha opinião causa enormes entraves ao desenvolvimento do Termal, devido à rigidez burocrática que caracterizam o CHON e o Ministério da Saúde (não são propriamente entidades ágeis e, quanto mais, focadas nas especificidades do termalismo). Portanto, na minha opinião, o Termal deveria ter uma gestão independente, de modo a ser possível desenvolver uma estratégia completamente focada no Termalismo e actividades adjacentes. Pessoalmente sugiro, numa fase inicial, uma Administração composta por um Director Executivo (DE), com bons conhecimentos de Relações Publicas, responsável pela estratégia e a sua execução, e um Director de Operações (DO), responsável pelas operações do dia-a-dia.
Com uma administração independente e com poder decisão podemos passar à acção. Contudo qualquer administração, por muito boa que seja, precisa de algo que lhe permita actuar… ou seja, financiamento. Mas também para isto existe uma solução. O nosso DE vai tirar partido da vantagem competitiva menos explorada do Termal: O seu prestigio e a sua História. Em Portugal, mesmo em crise, anualmente, são destinados à Filantropia, Caridade e Mecenato, milhares de milhões de Euros (só a fundação Champalimaud conta com 500 Milhões de Euros). Os maiores empresários do País todos os anos destinam parte das suas fortunas para eventos de responsabilidade social (a própria Portugal Telecom destina 5 Milhões de Euros anualmente a este tipo de causas).
Pergunto agora, quem não quereria estar associado ao mais antigo Hospital Termal do País? Será que o Ricardo Salgado recusaria a possibilidade de ter o seu nome associado ao Termal? Porque não termos o “Balneário Ricardo Salgado”? Ou o “Piso Cristiano Ronaldo”? Podem estar-se a rir, mas pensemos por um momento: O Termal não foi um centro de tratamento para inúmeros doentes? Não é utilizado para o tratamento de asma em crianças? Quantas crianças beneficiaram já de tratamentos que melhoraram a sua qualidade de vida? Não será isso melhor do que muitas actividades de filantropia, que apenas servem para levar as crianças a passear por um dia, sem realmente ter um impacto duradouro no futuro destas? Claro que é muito melhor. O Hospital não desaparece no dia seguinte, continuará sempre a ajudar todos aqueles que dele precisam. Volto a perguntar agora, quem não quereria ter o seu nome imortalizado nesta Instituição? E para aqueles que se riem de tão ultrajante proposta, pensem apenas que não é à toa que o Parque da cidade se chama Parque D. Carlos I.
Vamos então supor que o nosso DE conseguiu juntar 20 Milhões de Euros doados por Mecenas que vão agora ver os seus nomes imortalizados no Termal (para os cépticos existem outros modelos alternativos de mecenato que talvez até permitam arrecadar um maior montante). Tudo bem, o que fazer agora? Bom, a minha sugestão seria pegar nesse dinheiro e aplicá-lo num depósito a prazo a render 5% ao ano (depósito a prazo é uma simplificação sem prejuízo das conclusões). Deste modo seriam obtidos 1 Milhão de Euros anualmente em juros. E agora? Bom, agora o nosso DE e o nosso DO vão estabelecer um plano de renovação do Termal nas suas áreas mais críticas. Provavelmente serão também projectadas algumas áreas de expansão e, com um pouco de sorte, em dois ou três anos o Termal está completamente renovado e com músculo para enfrentar uma maior procura pelos seus serviços (neste ponto estou claramente a mandar para o ar, pois sinceramente não faço ideia de quanto dinheiro nem quanto tempo serão necessários para renovar o Termal). Posteriormente e com os sucessos alcançados, o DE iria apostar na renovação dos pavilhões do parque, de modo a poderem ser utilizados numa vertente mais comercial, para o turismo termal. Como tal, e realizado este feito altamente benéfico para a nossa comunidade, a inveja pelo sucesso alcançado iria fazer com o Director fosse demitido, os abutres rapidamente tomariam as rédeas do poder, o Fundo do Termal seria gasto ao desbarato e voltaríamos à mediocridade habitual. Vamos esquecer esta última parte e vamos especular sobre os resultados obtidos.
Durante este processo teríamos obtido benefícios que vão muito além da modernização das instalações do Termal (o que por si só, já é importante). As empresas locais beneficiariam com a condução dos trabalhos de renovação. Vários trabalhadores seriam empregados nestas obras. Consequentemente, com o aumento da procura pelo Termalismo, novos postos de trabalho seriam criados para a prestação de serviços de saúde. Os Hotéis e as residenciais teriam um acréscimo da procura. O comércio tradicional iria prosperar e até crescer, originando emprego para muitos dos jovens desempregados. Na parte antiga da cidade haveria incentivo à recuperação de diversas habitações, quer para habitação como para arrendamento e comércio.
A grande vantagem desta estratégia é que depois desta dinâmica inicial ser criada, o nosso fundo continuará intacto (20 Milhões de Euros) e a render aproximadamente 1 Milhão de Euros por ano que podem ser libertados para novos investimentos, o que nos levaria à 2ª fase de expansão Termal.
A SEGUNDA FASE
Resumindo sucintamente o texto prévio, temos o Termal renovado, temos uma administração composta por um Director Executivo, o estratega e líder, e um Director de Operações, um técnico de altíssimo nível capaz de manter a maquina oleada. Isto permitirá que o Termalismo Caldense opere perto do seu potencial e ao mesmo tempo abre portas a uma nova estratégia que visa criar valor através da interacção com outras áreas da cidade.
Após a conclusão desta fase, o Termal está a trabalhar eficientemente, podendo responder a uma maior afluência de utentes, dando vazão à maior procura. Já se notam os efeitos na cidade em apenas três anos: mais emprego, mais empresas, mais requalificação urbana, mais comércio tradicional. Mas a nossa administração tem uma visão ainda mais ambiciosa. Quem não se lembra da loucura que eram as “épocas de banhos”? Altura em que as Caldas se enchia de pessoas à procura dos seus tratamentos regulares. Ainda se lembram do dinamismo que trazia à cidade? Pois bem, eu não me lembro. Sei que era assim porque li num livro. Tristemente os nossos decisores, na altura de jogar à Suéca, esqueceram-se que tinham o Às de trunfo na mão e não o puxaram, que é como quem diz que, em altura de crise, ninguém se lembrou da actividade que mais facilmente poderia ser utilizada para criar valor e ajudar a suportar a comunidade. A única actividade que já provou a sua capacidade de gerar riqueza consistentemente ao longo de mais de 5 séculos, o Termalismo! Como é possível? Consigo compreender que ao longo dos últimos anos ninguém no Governo central quisesse saber de investir no Termalismo. Mas se ninguém quer saber de nós, pelo menos nós temos a obrigação de zelar pelos nossos interesses.
Posto este desabafo, o nosso objectivo é recuperar a época de banhos e o seu encanto. Então pergunto: “Que vantagens competitivas tem a cidade, que possam ser aproveitadas pelo Termal?”. Talvez a cidade não tenha mais nada a acrescentar e ficamos por aqui. ERRADO! É claro que a cidade tem muito mais para acrescentar! Vamos começar por cinco activos fantásticos que a cidade das Caldas possui: O Parque D. Carlos I, o Centro Urbano, o Centro Cultural e de Congressos, a praia da Foz do Arelho e a Escola Superior de Artes e Design (ESAD). Pergunto: “É difícil perceber como se pode integrar todos estes activos numa oferta única de Turismo?” A receita está na História. Porque será que Rodrigo Berquó mandou construir um Parque, ao estilo romântico, com um lago para divertimentos e lazer, e um Hotel onde se organizavam festas? A resposta é óbvia: para poder oferecer uma experiência integrada de turismo termal, com tanta qualidade que a elite Lisboeta acabou toda nas Caldas da Rainha. Então como replicar esse efeito com os activos de que dispomos actualmente? Bom, a resposta é a seguinte:
O Termal iria integrar uma equipa de marketing na sua administração, capaz de identificar o tipo de consumidores alvo e quais as suas preferências a nível de cultura e lazer. Deste modo, em colaboração próxima com o Centro Cultural e de Congressos, seria construído um cartaz cultural que fosse de encontro às preferências dos Utentes do Termal e das pessoas que os acompanham (não nos podemos esquecer deles). Naturalmente, determinadas pessoas estariam interessadas em espectáculos de elevado nível de erudição, outras estariam interessadas em coisas mais comerciais. Que mais pode ser utilizado? Bom, porque não fazer eventos de gastronomia no Parque D. Carlos I, relançar a feira da fruta ou oferecer actividades recrativas no interior do mesmo? No momento em que escrevo este texto realizou-se há poucas semanas uma regata no lago do Parque, sem duvida que é algo a considerar.
Mesmo assim, ainda é preciso mais. É preciso que entre os Hotéis, o Termal, o Centro Cultural e de Congressos e o Parque D. Carlos I não exista um vazio. É necessário criar roteiros com atracções. É necessário que as pessoas vivam a cidade. Entre os vários pontos estratégicos é necessário reforçar o interesse. É aqui que entra o centro da cidade. A cidade tem inúmeros museus que as pessoas que nos visitam nem sabem que existem. Museus que continuam a ser construídos, sem no entanto ser feito qualquer esforço na sua divulgação e promoção. Neste caso, o Termal poderia trabalhar em conjunto com a Câmara Municipal no sentido de criar um roteiro turístico que incluísse estes museus, e até utilizar alguns dos seus meios financeiros para tornar estes museus sustentáveis. Podemos ainda acrescentar os monumentos tradicionais da cidade que poderiam ser incluídos neste roteiro, tais como a Praça da Fruta, a Rua das Montras, a Mata, entre outros. Sectores da nossa cidade poderiam ser recuperados, em colaboração com o Termal, de modo a serem introduzidas nesse mesmo roteiro. Uma dessas zonas poderia bem ser a Ilha (refiro-me à zona entre a praça 25 de Outubro e a rotunda da Rainha). Agora sim faz sentido falar de regeneração urbana, englobada numa estratégia a sério, que teria efeitos fantásticos na cidade (tal como tiveram as obras empreendidas por Berquó). Tudo isto, aliado com uma boa rede de transportes, e poderíamos ter aqui um caso sério. É também de salientar, que a rede de transportes Toma é um esforço positivo nesta área, e que se deve de continuar a apostar na sua expansão e inovação.
Já falei do centro da cidade, do Parque e do CCC, falta falar da ESAD e da Foz do Arelho. A ESAD tem um potencial enorme no que toca a complementar a oferta cultural. O Bixo Mau, um estabelecimento proveniente da cultura ESAD e que sem duvida tem obtido bastante sucesso, é um exemplo. O Caldas Late Night é outro exemplo. Quem presenciou a ultima edição terá ficado espantado com o sucesso obtido, dada a afluência de pessoas de todos os pontos do país para estarem presentes neste evento. Contudo, creio que a ESAD pode dar ainda mais, sobretudo aos empresários Caldenses, caso tenham visão para isso. O Maratona é um exemplo de uma renovação de imagem, baseada na colaboração com a ESAD, e é um sucesso. Todos podem ter muito a beneficiar, se olharem para a ESAD não com desprezo mas com curiosidade. Por ultimo, a Foz do Arelho oferece-nos a zona balnear para todos os jovens que vêm com as suas famílias às termas mas que gostam mesmo é de praia. Deste modo reforçam a mencionada oferta de turismo integrada.
Em síntese, temos um Hospital Termal com capacidade para funcionar a todo o gás, um Parque lindíssimo cheio de oportunidades de lazer, um Centro Cultural com um cartaz à medida dos que nos visitam, um centro de cidade recheado de museus e monumentos, uma gastronomia deliciosa, uma Escola com um movimento artístico com cunho próprio, cuja marca começa a ser observada em toda a cidade, e uma praia com uma lagoa inigualável. Com esta oferta podíamos bater Óbidos facilmente! Se ao menos nós tivéssemos mesmo um Parque…um Centro Cultural…uma Praia…uma Faculdade de Artes…uma cidade lindíssima. Mas esperem…nós já temos isso! Então como é que podemos perder para Óbidos?! Eles só têm um castelo! Claro que estou a falar em tom de brincadeira. Óbidos tem uma coisa que nós não temos: estratégia!
Quero também esclarecer aqui que não acho que nós devamos pensar em Óbidos como nossos rivais. Aliás, penso que a nossa oferta turística deveria até ser conjunta, o que a tornaria por si só fortíssima. Por outro lado, os dois textos têm como único objectivo lançar uma ideia, por mais ridícula que pareça. Nós temos de parar de dizer que temos de discutir os temas, e passar efectivamente a lançar sugestões. Perder o medo de parecer ignorantes e lançar ideias. E acima de tudo executar e alcançar um resultado final. Nós nunca passamos da parte em que dizemos: “vamos debater ideias!”. Morre tudo aí. E mais do que tudo, temos de perder o hábito tipicamente Português de dizer mal de todas as ideias novas, de forma gratuita. Rodrigo Berquó foi criticado por Rafael Bordalo Pinheiro por estar a destruir a cidade. No fim das obras já lhe chamava empreendedor. Por fim, espero que ninguém se tenha ofendido com uma ou outra parcela de texto mais inflamada, a intenção não era essa.
Até uma próxima.
Nelson Alves
Economista