“Noventa e nove anos. E agora?”

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Nuno Francisco
Diretor do Jornal do Fundão

O desafio que a Gazeta das Caldas me coloca divide-se numa constatação, que se resolve com alegria numa única palavra: “Parabéns!”. O problema é, mesmo, a interrogação “E agora?”. A curto prazo, a resposta é óbvia: Que este semanário chegue aos 100 anos e que entre para o clube restrito dos jornais centenários. Para o ano, estou certo, cá estaremos a celebrar esse facto.
Os outros “agoras” – que tantas vezes são sinónimos de “desafios” – já os conhecemos porque temos de os enfrentar diariamente. E um dos principais é a erosão do modelo de negócio tradicional que sustentava as publicações em papel; um facto com implicações óbvias na fragilização de todo o ecossistema jornalístico. A publicidade migrou para outras plataformas e o consumo de informação também se fragmentou, quer nos formatos, quer nos atores que a produzem. A isto podemos juntar uma cultura de gratuitidade que impera no mundo digital e que muito penaliza quem procura produzir informação com qualidade, ou seja, relevante, contextualizada, verificada e cumpridora da ética jornalística.
Recentemente o Jornal do Fundão foi agraciado com a Medalha de Ouro da Cidade do Fundão pelo seu papel histórico enquanto órgão de comunicação social comprometido com o desenvolvimento do concelho e da região e empenhado resistente à ditadura, facto que lhe custou, em 1965, uma suspensão de seis meses. Nessa ocasião solene tive oportunidade de refletir sobre a questão que a Gazeta das Caldas coloca, esses “agoras” que nos trespassam os dias e aos quais urge dar resposta em nome da sobrevivência de um jornalismo de proximidade de qualidade; um bem coletivo cada vez mais precioso num contexto onde somos confrontados quase diariamente com a escalada do boato, das meias-verdades e das notícias falsas.
Nessa ocasião, em junho, referi que a internet – e todo o ecossistema digital – trouxe múltiplas implicações no jornalismo, com a aceleração do que se pode chamar “o tempo jornalístico”, com profundas alterações nos processos de mediação e nos modelos de negócio que historicamente sustentam o setor, vertente fundamental para que as empresas possam manter a sua missão de fazer jornalismo com qualidade. E sabemos que a maioria dos títulos regionais pertence a pequenas empresas, com redações diminutas, algumas delas localizadas em territórios despovoados e com baixo dinamismo económico.
Neste contexto de liberdade e democracia em que vivemos e que queremos preservar a todo o custo, o jornalismo tem, como sabemos, um papel fundamental na sua preservação. Hoje as ameaças são muitas. Não falamos já da censura enquanto instrumento de um estado repressor, mas de uma ameaça globalizada vinda da produção massiva de notícias falsas, da vertigem dos boatos e das insinuações, da instalação virulenta da dúvida e do descrédito sobre as instituições democráticas e os seus protagonistas. Estas são, hoje, verdadeiras ameaças à saúde das democracias e do espaço público e que só podem ser combatidas com o forte empenho de todos, nomeadamente através de um jornalismo livre, responsável e empenhado.
Nesse aspeto, sabemos que os media locais e regionais são alicerces insubstituíveis da confiança na informação por parte das comunidades locais que servem. É neles que se procuram informações sobre o que nos está mais próximo: Da nossa rua, do nosso bairro, da nossa aldeia, vila ou cidade. Cada vez que alguém compra ou assina um jornal, cada vez que alguém procura intencionalmente uma marca jornalística em busca de informação, cumpre-se e renova-se esse compromisso de confiança.
Só informamos se confiarem em nós. O que faz a longevidade de uma marca de informação é o seu prestígio alicerçado na confiança que as pessoas depositam nesse título. Este é o mais precioso dos legados que vai passando de geração em geração e que deve ser cuidado com extremo rigor.
O Jornal do Fundão celebrou 77 anos em janeiro. A Gazeta das Caldas cumpre, agora, 99 anos. E não chega aqui, evidentemente, por obra do acaso, mas pela relevância que tem na sua comunidade. Seja no papel, seja nos ecrãs, o jornalismo é um bem fundamental para uma sociedade livre e esclarecida. E, julgo, que ninguém se pode dar ao luxo de, sequer, pensar que isto é um pormenor.
E agora, Gazeta das Caldas? Há muito passado, mas haverá sempre muito mais futuro. Que o abracem com vigor e esperança.
Um abraço desde a Beira Interior. ■