O Farrusco

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O gato saltou o muro e, feliz, foi ver o mundo. Ele não sabia o que era o mundo, mas tinha uma ideia que, fora do sítio em que vivia, havia acontecimentos a explorar.
Tinha ouvido o miar de um outro gato, tinha sentido o cheiro de outros animais e podia ver muitos pequenos seres a voarem, ao nascer do dia, dos arbustos e das árvores do jardim dentro, para o jardim fora.
A curiosidade foi mais forte do que as carícias que lhe fazia a menina, mais forte do que a apetitosa comida no prato, mais forte do que o cheiro do leite na tacinha ao lado da almofada ,onde dormia enroscado.
Saltou o muro e foi aterrar numa erva verde e fresca, cheirosa e sombreada. Olhou cautelosamente, para um e outro lado. Não viu nenhum movimento suspeito a atrapalhar.
Pata ante pata, foi andando e explorando. Pensou_e como vou regressar a casa?
Pensou e resolveu:
_Vou fazendo uma mijadinha aqui, e outra ali, e quando quiser voltar, é só seguir o meu próprio cheiro!
Feliz com esta estratégia, alongou muito o corpo, muito, muito, até as patas da frente estarem bem longe das de trás. Que boa sensação era estar assim esticado ao sol! Resolveu sentar-se sobre os quartos traseiros para ficar mais alto e poder observar o meio ambiente. As orelhas hirtas e levantadas, os bigodes explorando em volta.
Ouviu um grito estridulado. Não conhecia aquela linguagem e portanto não podia saber a que animal pertencia.
Avançou, cauteloso. Na esquina do muro viu uma silhueta parecida com a da menina, sua dona.
Mas esta era mais alta e tinha tufos de pelo curto à volta da cabeça. A menina dele era muito mais graciosa. Além disso esta personagem feia, respirava forte e fazia medo. Cheirava a perigo. O nosso gato colou-se ao muro, rentinho, a disfarçar-se. Sabia que era melhor não se dar a conhecer aos bigodes daquela silhueta má.
Ficou à escuta. O grito vinha do alto de um arbusto, onde ele sabia que se escondiam animais com asas, que viviam numas cestinhas de palha.
Um silvo. Uma seta. Outro grito. Os habitantes do cestinha, lá em cima, estavam a ser bombardeados.
Mas não estavam a ser bombardeados com bolinhas de pão, como fazia às vezes o pai da menina, para brincar com ele.
Estavam a ser bombardeados com assustadoras bolas negras que saiam de um cano preto. Cano bem parecido com a bengala que a avó da menina, de vez em quando, pedia para lhe irem buscar.
Esta era uma bengala de atirar bombas, e cheirava mal.
O gato decidiu que, embora sendo a primeira vez que saltava o muro, já estava metido numa grande confusão. Era preciso atuar.
A única coisa que lhe ocorreu foi formar um grande salto em direção à má silhueta e agarrar aqueles tufos de pelos à voltou da cabeça.
Saltou, agarrou, mordeu,arranhou.
Ahhh! Como era bom esta liberdade! Agora o grito vinha de dentro do dono do feio cano preto que disparava bombardas.
Assarapantado, o atacante fugiu. E o nosso gato resolveu que, para uma primeira aventura, já tinha ganho direito a uns goles de leite. Era melhor voltar para casa e procurar a menina. Estaria ela em cuidados? Seguiu o cheiro que, cauteloso, tinha deixado. Chegou ao muro. Olhou para cima.
E a menina chamou:
_Anda cá, Farrusco feio, não sabes que não podes andar a caçar pássaros?
E o Farrusco, feliz, saltou para os braços da menina. E enovelou-se no colo dela. Ambos sabiam muito do mundo que os rodeava.

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