O menino na escola

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Gazeta das Caldas - Era uma vez
| D.R.

O menino desta história tinha entrado para a escola. Estava a frequentar o primeiro ano. Todos os dias de manhã cedo, a mãe arranjava o lanchinho para ele levar, ajudava-o a vestir-se e cuidava para que nem cadernos nem livros faltassem na sacola.
Era o pai que o levava na carrinha com que trabalhava. O menino gostava do cheiro da carrinha e sentia-se quente e protegido ao lado do pai. Este era agricultor, tinha algumas ovelhas e por vezes transportava os seus animais na caixa aberta do veículo. Com a presença dos animais que baliam e pareciam choramingar o menino sentia-se em boa companhia. As ovelhas eram quentes, os caracóis do seu pelo eram um emaranhado cheiroso e confortável.
Portanto, os dias em que o pai o levava à escola, com a carrinha cheia de animais, eram dias em que não sentia o receio daquele mundo novo. O mundo da escola, cheio de rapazes e raparigas que conhecia mal, onde professores e auxiliares o intimidavam porque ainda nem conseguia distingui-los a todos trazia-lhe o coração apertado de receio. Impossível saber tantos nomes de pessoas que nunca vira antes. Impossível entender o que esperavam dele.
Por vezes, o pai não levava as ovelhas de manhã e quem seguia na caixa aberta da carrinha, era o Requeijão, o grande e meigo cão que ajudava o pai a tomar conta do rebanho.
Viajar com o Requeijão era uma festa. Só de o ver a abanar a cauda de felicidade, já o coração do menino se enchia de paz. Era uma pena que o Requeijão não precisasse de aprender a ler e a escrever, pois se esse caso fosse possível, sentá-lo-ia na carteira ao lado da sua. O menino tinha a certeza de que o grande e sossegado cão de guarda seria capaz de manter o silêncio e a atenção que os professores pareciam requerer durante uma longuíssima aula inteira.
Manter a atenção nas palavras dos professores era complicado. O pai e a mãe tinham-lhe recomendado que ouvisse tudo com as orelhas e os olhos bem abertos. Tanto que à noite, à hora do jantar, perguntavam:
– Então, Pedro Gil, como foi hoje a escola?
E o menino não sabia bem o que responder. Tinha a cabecita cheia de dúvidas, pois os pensamentos eram como uma nuvem que lhe rodeava a cabeça, formando uma auréola, na sua imaginação. Qual seria a resposta que iria deixar os pais contentes?
Lembrava-se que a professora tinha gostado do desenho em que se aplicara nesse dia. Também a auxiliar o tinha ajudado a estender o guardanapo, para poder comer o lanche mais à vontade. Um menino tinha-o desafiado para dar uns chutos na bola e isso fora uma surpresa agradável. A menina da carteira ao lado, a das tranças, tinha-lhe piscado o olho. O enorme diretor da escola tinha-se cruzado com ele no corredor e tinha sorrido. Eram tudo sinais que lhe traziam calor ao receio de tanta novidade, naquele edifício enorme, onde ainda lhe acontecia perder-se. Por vezes tinha de estacar, olhar em volta, para encontrar os pontos que lhe serviam de guia de referência na exploração diária: a entrada grande, o portão, as seis janelas das traseiras.
Mas não seria sobre isso que os pais estavam a questionar.
Enquanto mergulhava a colher da sopa no caldo de legumes, sentiu-se inspirado pelo Requeijão que deitado ao seu lado, lhe seguia os movimentos, muito interessado.
– Ah! Hoje a escola foi boa. Estive sempre a ouvir a Professora com muita atenção.
– E de que falou a Professora Carolina hoje? _ indagou o Pai.
O Pedro Gil, inspirado e muito aliviado, acertou:
– Hoje a Professora Carolina mostrou o um grande cartaz que se chama mapa de Portugal. E mostrou um pontinho que é a nossa aldeia. Descobri que a aldeia é mesmo pequenina e o mapa é muito grande. Um dia podemos ir ver as outras aldeias onde nunca fomos? É um sem acabar delas!
Serão todas bonitas como a nossa?
Viu o Pai olhar para a Mãe com um sorriso espantado.
E viu a Mãe a agarrar no guardanapo e a tapar a boca. Pareceu-lhe que ambos estavam felizes. O Requeijão tinha adormecido. A casa era um mundo seguro.