O termalismo – II

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O termalismo em Caldas da Rainha é como um corpo de difícil reanimação. Já chegaram os bombeiros, já se fez massagem cardíaca e parece que a circulação sanguínea já funciona. Está-se na fase da ventilação assistida. Os socorristas prometem sucesso na reanimação! Mas será difícil pôr aquele corpo a andar. As artroses já são muitas.
Não é invejável a sorte dos cuidadores…
Bem podem recorrer a recorrer a “mães de santo” e candomblés…
Na verdade, os cuidados assistenciais nas Termas evoluíram nas últimas décadas. Meus pais vinham a termas nos idos de 80. Depois da minha mudança para cá, em 1985, minha mãe passou a preferir fazer os tratamentos durante o dia e pernoitar lá em casa. Mas meu pai, mais austero, rigoroso com os preceitos termais, continuou a cumprir a quase reclusão do internamento no Hospital Termal durante aqueles 15 dias. Era uma enfermaria com muitas camas e de grande pé direito, de ambiente despojado. Ele aceitava, com resistência, a oferta do jornal do dia trazido da Jornália, dizendo que ainda não tinha acabado de ler o do dia anterior. Nessa altura, o tempo tinha outra cadência.
Ninguém duvida da importância do termalismo, numa lógica de desenvolvimento sustentável da região, respeitando os recursos naturais, culturais e económicos do território. Mas não se podem ocultar as dificuldades relacionadas com a vertente médica.
Os tratamentos termais têm efeitos clinicamente comprovados? Desculpem a pergunta, mas a prática médica rege-se atualmente por protocolos e normas de orientação clínica que são redigidas com base na melhor evidência científica. É o tempo da medicina baseada na evidência. Um novo medicamento é aprovado depois de passar por um filtro de rigorosa comprovação. Há uma escala (dita de Oxford) que define os graus de evidência científica. O grau mais elevado é o dos ensaios randomizados, controlados e duplamente cegos. Equivaleria, no caso das termas, por exemplo, a comprovar o efeito das águas termais comparando com águas não termais, no mesmo espaço, nas mesmas condições e com um elevado número de doentes com quadros clínicos sobreponíveis. Estudos pouco exequíveis, sem dúvida.
Na verdade, não há que ficar preso à necessidade dessa evidência científica forte. É que a falta de evidência não é igual à evidência da falta. Quer isto dizer que o facto de não haver evidência científica rigorosa, de elevado nível, dos benefícios dos tratamentos termais, não significa que esses benefícios não existam. Há até exemplos de técnicas terapêuticas muito divulgadas nos nossos dias, sem essas mesmas evidências (a acupunctura, por exemplo).
O governo também não ficou refém da evidência científica, porque fez publicar, a 31 de dezembro de 2018 a portaria nº 337-C,  que estabelece o regime de comparticipação dos tratamentos termais, “tendo como premissa os possíveis ganhos em saúde associados aos tratamentos termais”. Mas fê-lo de uma forma tão tímida, tão faz-de-conta, que não nos serve de nada. Este regime corresponde a um projeto-piloto com a duração máxima de um ano (2019) e impõe regras e limitações para haver comparticipação: os tratamentos devem ser prescritos nos Cuidados de Saúde Primários, o valor de comparticipação é de 35% mas com um limite de 95 euros por conjunto de tratamentos (apenas um por pessoa e por ano) e um limite global de financiamento do projeto-piloto (para todo o país) de 600.000 euros. São muitas as precauções orçamentais… 
O futuro do termalismo tem, por isso que, inevitavelmente, associar a vertente médica de tratamento das doenças à vertente do lazer, do turismo de bem-estar e até de turismo internacional da saúde. Mas esse é outro campeonato…

António Curado
curado.a@gmail.com