DE PALAVRA EM RISTE – Património, patrocínios e patranhas

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O município de Caldas da Rainha deu publicamente a conhecer um memorando de entendimento assinado a 31 de Agosto com o Turismo de Portugal, e as Direcções-Gerais do Património Cultural e do Tesouro e Finanças, visando a intervenção nos Pavilhões do Parque para instalação de uma unidade hoteleira, concessionada a privados. Este é um projecto integrado no programa «Revive» onde constam, 30 edifícios históricos, entre os quais o Convento de S. Paulo em Elvas, o castelo de Cerveira, a Quinta do Paço de Valverde em Évora e o forte de Peniche. O que subjaz nesta lógica de confiar monumentos classificados à gestão privada, por períodos que podem chegar a meio século, é a evidente e indesmentível aposta na mercantilização do património, em muitos casos em detrimento duma capacidade plena de fruição pública.
A extinção da Direcção-Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais para dar lugar à DGPC criou um vazio legal em que boa parte deste edificado ficou sem tutela directa, com óbvias consequências no seu estado de conservação. De forma contraditória com a promessa feita pelo 1º-ministro António Costa de o orçamento de 2017 apresentar um reforço considerável para a criação artística e o património cultural, os organismos oficiais avançam com um plano de transferência de responsabilidades num sector tido por património em ruínas, argumentando a falta de verbas. Ora isto não é exactamente verdade tendo em conta que o governo assegurará assistência técnica, trabalhos de manutenção e uma linha de crédito que conta com 150 milhões de €, prevendo até períodos de retorno do capital muito alargados no tempo. Se vingar o exemplo aplicado em Alcobaça em que a renda a pagar ao Estado é apenas de 5 mil € por ano, podemos calcular quão longo será tal prazo. Por outro lado, o investimento a realizar recorrerá em boa parte a apoios comunitários, só acessíveis aos empresários dado o governo se ter retirado de campo. Donde que as posições defendidas pelos decisores políticos decorrem mais da falta de vontade do que da falta de recursos.
Um olhar mais detalhado sobre alguns casos acima referidos é esclarecedor: O castelo de Cerveira foi, até 2008, uma pousada histórica que, apesar de beneficiar de uma reabilitação arquitectónica de grande qualidade, foi encerrada pelo governo de então para agora ser entregue de mão beijada. O convento de S. Paulo em Elvas, uma semana após assinatura do protocolo referente à sua concessão, sofreu um incêndio numa ala, coincidência que adensa a suspeita relativa ao presumível desejo de obras futuras executadas sem a observância estrita das normas de recuperação patrimonial. Quem conhece o Paço de Valverde, até há pouco adstrito à Universidade de Évora, sabe bem que a instalação dum hotel, mesmo que pequeno, produzirá um impacto devastador, na respectiva tipologia.
Quanto aos Pavilhões do Parque subsistem sérias dúvidas sobre a sua adequação estrutural (vigas de aço, abobadilhas, panos de tijolo com reboco decorativo) poder estar apta a acolher um programa específico tão exigente como estes são, sem o risco de uma profunda descaracterização. A pretensão de incluir o céu de vidro na área abrangida pela unidade hoteleira, adensa a preocupação.
Com o forte de Peniche, por onde, durante 4 décadas, passaram cerca de 2 mil presos políticos e de onde, em 1960, se evadiram Álvaro Cunhal e outros dirigentes do PCP, a situação reveste-se de maior gravidade – Desrespeito pelo seu valor simbólico no contexto da luta antifascista e ofensa à memória colectiva de um Povo.
Não se aprendeu nada com a transformação da sede da PIDE num condomínio fechado, de luxo?
Tudo isto é de uma tristeza e insensibilidade monumentais. Só a mobilização dos cidadãos poderá evitar este atentado.