Durante largo tempo a asserção de património tinha a ver tão só com o edificado. O entendimento foi evoluindo ao longo dos anos, passando a integrar um conjunto mais extenso e abrangente de conceitos – património material e imaterial (o que permitiu, por exemplo, a classificação do fado e do cante alentejano), paisagístico e urbano, construído, sempre atento a um interesse cultural relevante, designadamente histórico.
A Direita política que tendia a circunscrever o seu olhar sobre as questões culturais apenas ao património e nele tão só à componente histórica nacionalista, passou a valorizá-lo sobretudo como uma excelente oportunidade de negócios diversificados, apostando a fundo na indesmentível mercantilização desses valores patrimoniais, muitas vezes em detrimento de uma capacidade plena de fruição por parte da comunidade. O favorecimento da passagem para a gestão privada de monumentos qualificados, assenta na pretensa justificação de um défice de recursos financeiros do Estado. Ora acontece que, como se prova com o programa Revive (que integrava a Fortaleza de Peniche, entretanto retirada, e os Pavilhões do Parque) esse argumento não colhe: o governo não só abdicou de uma posição preferencial no acesso ao financiamento comunitário como ainda garantirá o aval a uma linha de crédito de 150 milhões de €, para além de assegurar assistência técnica nas obras a realizar e trabalhos de manutenção em todos os edifícios alvo de intervenção e concessionados por um período de meio século a troco de rendas irrisórias. Portanto, pode-se concluir com alguma margem de certeza que, mais do que a eventual falta de meios existe manifesta ausência de vontade política.
Em 1964, a UNESCO elaborou a Carta de Veneza, a qual, em termos internacionais, continua a ser o guia fundamental sobre a conservação e restauro de monumentos e sítios. Considerando que os monumentos são documentos, lá vem consagrado que «um monumento é inseparável da história de que é testemunho» e ainda que «os valores contemporâneos de uso não se devem sobrepor aos valores de memória». Também na importante questão da reutilização funcional, opta-se claramente por adequar um programa específico ao monumento concreto, recusando implicitamente o seu inverso, ou seja a alteração do monumento para responder ao programa. O que está previsto para os Pavilhões do Parque não leva em linha de conta estas recomendações autorizadas, subestimando-as em larga escala. E, corre-se o risco de, mesmo em circunstâncias tidas, à partida, como positivas, se assistir a mais uma das inúmeras malfeitorias ocorridas nesta paisagem urbana mutilada. Ai estão as casas emparedadas, em ruínas e o roubo dos azulejos das fachadas para o comprovar, sendo que a lista de imóveis degradados não está actualizada. Caldas da Rainha foi um dos últimos seis concelhos do país a dispor de um Plano Director Municipal. Entretanto, a revisão do PDM continua por fazer, tal como o Plano de Pormenor do Centro Histórico e o Plano de Mobilidade Sustentável. A Regeneração Urbana foi uma oportunidade perdida. Construções incompletas e abandonadas não são objecto de nenhuma medida correctiva (aumento de IMI penalizando a incúria dos proprietários, negociação aquisitiva para fins de habitação social, expropriação que a lei permite, ou mesmo implosão nos casos de problemáticos licenciamentos concedidos para edificação não concluída sobre linhas de água). Acresce o gravíssimo problema dos perigos de contaminação cancerígena por inalação de partículas de amianto das instalações industriais desactivadas.
O preço que se está a pagar pelos erros cometidos é já demasiado elevado e sê-lo-á ainda mais se persistir o desprezo por instrumentos essenciais de planeamento urbano.