A inclusão dos Pavilhões do Parque no recém lançado programa «Revive», cujo propósito é a recuperação de património edificado, através da concessão a privados, visando a instalação de unidades hoteleiras, veio relançar a discussão sobre este assunto, ainda que não escapando a alguma repetição de argumentos, a que este escrito também não está imune.
Por um lado, aquele programa continha aspectos controversos e mal avaliados, como é o caso do Forte de Peniche, associado a momentos fulcrais da luta contra a ditadura em Portugal; a noção, embora algo tardia, de ser iminente o atentado contra a memória colectiva de um povo, apagando um importante signo da história contemporânea portuguesa, levou mesmo o governo a recuar na sua intenção inicial. Por outro lado, subsistem seriíssimas dúvidas quanto à adequação às funcionalidades desejadas de alguns desses monumentos, os quais, com as obras de adaptação e transformação, correm risco de grave desvirtuamento da sua tipologia arquitectónica.
Apesar de não ser um edifício classificado (e esse processo podia e devia ter sido atempadamente requerido), o complexo dos Pavilhões (sem dúvida o principal ex-libris da nossa cidade) enfrenta uma situação algo semelhante, no que diz respeito à preservação da unidade orgânica que preside à sua concepção e traça. Sendo, estruturalmente, uma construção de viga de aço e panos de tijolo revestidos com reboco decorativo, dispondo de grandes vãos e um enorme pé-direito, as exigências da instalação de um conjunto de requisitos imprescindíveis ao funcionamento quotidiano de um hotel, tornam praticamente impossível a execução da obra sem recorrer ao esventramento interior do edifício, que passaria então a ser como que uma casca para um miolo feito de raiz. A corrente do «fachadismo», que tão lamentáveis resultados tem gerado com a insistência em apenas manter o aspecto exterior, desprezando e adulterando por completo tudo o resto, continua a fornecer amplos motivos para a justificação das duras críticas de que tem sido alvo.
Perguntar-se-á: Mas não será preferível fazer alguma coisa em vez de deixar cair? Claro que sim. Todavia, «alguma coisa» (de preferência, bem pensada e planeada, como o projecto com medidas urgentes de conservação que está a ser delineado pela A2B, empresa de reconhecida competência e prestígio) não é «qualquer coisa» (com tendência para repetir erros). Os Pavilhões ameaçam ruína, mas isso decorre do desinvestimento intencional e continuado de que foram vítimas, aplanando caminho para uma futura alienação. E é aqui que surge o alibi das verdades feitas, com a suposta evidência de «não haver dinheiro». Não é assim! O Estado abdicou a favor dos privados da prioridade que lhe cabia na candidatura a fundos comunitários e ainda aceita ser avalista numa linha de crédito de 1500 milhões de euros.
O plano em marcha para os Pavilhões afecta o consenso estabelecido sobre a unicidade do património do Hospital Termal; é invasivo, na pretensão de incorporar também as instalações da antiga Casa da Cultura e abusivo na volumetria do módulo com que, ao que parece, quer ligar os dois blocos; tem implicações patrimoniais num Centro Histórico cujo Plano de Pormenor se continua a aguardar e revela-se, pelo parque de estacionamento próprio, uma potencial ameaça ambiental, devido à redução da mancha verde e perigo de afectação dos aquíferos.
Em Caldas da Rainha, após o desaparecimento do Pavilhão Bordalo, do chalé de cortiça e do Cine-Teatro Pinheiro Chagas, soprada por um falso conceito de desenvolvimento, soou com toque roufenho a horrenda trombeta do Apocalipse do Património. À rédea solta e com afiados gumes, irrompem os seus cavaleiros: Incúria, Insensibilidade, Cupidez e Cegueira.
José Carlos Faria
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