Isabel Xavier
professora
“Isabelinha, vem sentar-te no carro, depressa!”, dizia a minha mãe. E lá ia eu, contrariada, em passo lento, a fim de tomar o meu lugar no banco da frente, um banco corrido, entre o meu pai, ao volante, e a minha mãe, no carro de família. Assim que eu me sentava, e para grande humilhação minha, a minha mãe cobria-me com um pano de linho branco, sobre o qual colocava um recipiente de esmalte. E a que é que se destinava este equipamento? Pois bem, servia para prevenir a hipótese de eu enjoar durante a viagem, o que era uma constante, e pedir para parar o carro de quinze em quinze minutos.
No banco detrás, sentavam-se três dos meus irmãos (só os dois mais velhos tinham idade suficiente para não participarem nestas deslocações) e a minha avó materna. Apesar da forma como eu viajava, não deixava de ser alvo dos ciúmes dos meus irmãos, pois consideravam que viajar no banco da frente, sem obstáculos visuais e mais à larga, era melhor do que no banco detrás. Claro que a justificação de ser sempre eu a ir à frente era a mais óbvia: a minha tendência para enjoar. O carro de família era um Morris, que “já tivera melhores dias”, na verdade “muito melhores dias”, já que teria sido um carro de muita qualidade quando fora comprado, mas numa compra que já ocorrera há demasiado tempo.
A viagem maior que fazíamos, tinha como destino uma pequena localidade chamada Penso, próxima de Sernancelhe e de Moimenta da Beira, no sopé da Serra da Lapa, de onde era originária a família do pai da minha avó materna. Quando eu era criança, ainda lá vivia a prima Palmirinha, que visitávamos todos os anos por altura do feriado do dez de junho. Embora a viagem fosse para mim um tormento, à exceção da paragem na mata do Buçaco para lancharmos, ela era totalmente compensada pela estadia de três ou quatro dias longe da rotina habitual. As casas, com exceção daquela em que nós ficávamos, eram de pedra. A mesma pedra de granito cujos maciços preenchiam a paisagem rude, que nos encantava. Estava sempre muito calor, um calor que contrastava com a frescura da água que brotava das abundantes fontes que nós bebíamos, sôfregos. A mesma água que não dissipava nas nossas mãos a sensação do sabonete, quando as lavávamos.
Lembro-me principalmente de um ano em que quase estivemos para desistir dessa incursão à Beira Alta, pela simples razão de ninguém querer perder o programa “Zip-Zip”, que dava todas as semanas à segunda-feira, na RTP1, e que causara uma verdadeira revolução no país. Embora na casa da nossa prima houvesse eletricidade, ela não tinha televisão. Acabámos por alicerçar o plano de viagem, na possibilidade previamente negociada de irmos ver o programa à taberna. E foi assim que os clientes habituais não só tiveram que partilhar os lugares com a minha família, como tiveram que refrear os seus modos perante nós, mesmo que isso não fizesse parte do acordo. Lembro-me de me parecerem muito pouco à vontade, muito calados e de pedirem “cafés” que, como por artes mágicas, se transformavam em “copos de vinho tinto” quando chegavam às suas mesas. ■